segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A Década das Radicalidades

2014, O ANO DAS RADICALIDADES

Sobre retrospectivas e sutilezas

Por Luciano Martins Costa em 29/12/2014 na edição 830
Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 29/12/14

 A retrospectiva publicada pela Folha de S. Paulo na edição de segunda-feira (29/12) apresenta 2014 como “o ano bipolar”. Trata-se de uma definição interessante, mas é também uma simplificação para o recente período de turbulências na agenda pública, em grande parte provocadas ou turbinadas pela própria imprensa.
Como se sabe, há uma divisão concreta entre a realidade e a versão que a mídia nos apresenta, mas a magia da vida contemporânea está exatamente na mistura que se faz entre os fatos e seus signos, entre o acontecimento e a notícia.
Assim, na visão da Folha, o brasileiro foi da negação ao entusiasmo com a Copa do Mundo, e as manifestações de pessoas nas grandes cidades, que se haviam organizado em torno de protestos generalizados, transformaram-se em celebrações pelos bons resultados iniciais da seleção brasileira nas novas arenas do futebol. A humilhante e inesperada derrota para a Alemanha, por 7 a 1, interrompeu a festa, mas não levou os brasileiros de volta ao clima de depressão: foi um banho de realismo e uma lição de humildade.
O balanço do jornal paulista segue nessa mesma batida ao analisar os fatos da política e da economia, as relações internacionais, a cultura e o mundo do entretenimento.
A oscilação da geopolítica entre a crise na Ucrânia, que ameaça requentar a Guerra Fria, e a surpreendente abertura de relações entre Estados Unidos e Cuba, é apresentada como outro aspecto desse contexto de radicalidades em que o mundo midiatizado parece estar navegando. No entanto, é preciso cautela ao analisar as tentativas da imprensa de fazer resumos e simplificações sobre determinados períodos da vida comum.
A ascensão da mídia sobre a vida social, ao mesmo tempo em que limita um campo específico para a representação da realidade, precisa mostrar essa realidade como algo interessante, denso e instigante – e isso se faz pela manipulação dos signos. Como a expressão da realidade se produz com o propósito de torná-la mais espantosa, para efeito de consumo, deve-se desconfiar de que nem tudo é o que parece.
A realidade é sutil
Assim, toda retrospectiva de notícias é apenas uma tentativa de reafirmar o que foi dito no dia a dia da mídia ao longo do ano, e serve principalmente para consolidar o sentido que a imprensa tentou dar aos acontecimentos.
Assim, não estamos lendo um relatório preciso, mas uma peça de ficção. Por isso, não poderia soar mais honesto o sumário do processo econômico apresentado pela Folha em estilo novelesco (ver aqui) em seu balanço de 2014. O texto, pobre como os diálogos de uma novela da televisão, resume melhor o jornalismo econômico do que a realidade econômica.
Sabe-se que interpretar os fatos da economia é tarefa complicada, porque o tema envolve a precisão dos números e a dinâmica das análises de comportamento, uma vez que indicadores produzem emoções e emoções afetam indicadores.
Assim, ao optar por uma fabulação novelesca para compor a página dedicada a uma súmula do que teria sido a economia brasileira no ano que se encerra, o jornal paulista assume que tudo é relativo: a crise de hoje pode estar construindo as bases de uma força econômica mais adiante.
Com o texto sobre o escândalo da Petrobras, que tenta resumir a escalada de uma investigação inicialmente limitada, e da análise sobre o cenário internacional, duas peças que se propõem como modestas legendas que nada esclarecem, o caderno especial da Folha não pode ser lido como uma retrospectiva de 2014, mas como uma oportunidade que alguém encontrou para abrigar a ideia de que este tem sido um “ano bipolar”.
A rigor, a rotina do jornalismo é que produz essa oscilação constante entre os extremos dos acontecimentos. Em termos de linguagem, é justamente aqui que se distingue o bom do mau jornalismo: na capacidade de identificar e descrever as sutilezas presentes em toda notícia.
A linguagem jornalística se configura cada vez mais como um campo da semiótica, um ponto além da linguística, que contém a linguagem verbal. Mas a imprensa quer convencer o leitor de que a palavra – ou a imagem – tem um valor absoluto, porque é dessa fantasia que retira seu poder.
A realidade é sutil, a imprensa é bipolar.
Fonte: OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA
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Retrospectivas na velha mídia, de uma maneira geral, não fornecem um sentido para o período que se analisa.

São apresentados eventos, acontecimentos, fatos isolados e o obituário do ano.

Luciano, no artigo acima, chama 2014 de o ano das radicalidades, talvez em parte pelo cenário mundial com a ascensão do grupo terrorista do Estado Islâmico.

Talvez faça sentido até mesmo para o Brasil, já que este  ano que termina colocou em cena expressões de um radicalismo que se pensava não mais existir por aqui.

Por outro lado, e na busca de um sentido mundial, 2014 viu o crescimento de epidemias como o ébola,  o aumento das concentrações de gases do efeito estufa com consequências para o clima mundial, a radicalização de conflitos com matriz religiosa como o Boko Haran na Nigéria e o Estado Islâmico em regiões do Iraque e da Síria, o agravamento do conflito na Ucrânia envolvendo Rússia , EUA e União Européia.

De fato, a radicalização, seja na queda da qualidade de vida com epidemias e em uma atmosfera cada vez mais poluída não significa avanços, ao contrário, é sinal de retrocesso.

A radicalização de grupos religiosos e o conflito na Ucrânia que pode inaugurar uma nova fase da guerra fria, também significam radicalidades com claros sinais de retrocesso.

Aqui no Brasil, o ano começou com a velha imprensa, ainda nos primeiros dias de janeiro, deitando falação sobre a possibilidade real e concreta - na visão ou desejo  da imprensa - de que grandes manifestações de rua impediriam  a realização da copa do mundo de futebol. 
Nada disso aconteceu e a copa foi um sucesso.

Passada a possibilidade de grandes conflitos urbanos na copa,a velha imprensa atacou no noticiário coma possibilidade concreta e viável - na visão ou desejo da imprensa - de que  vários estádios para copa não ficariam prontos a tempo para a competição e aqueles que já estavam prontos e fazendo jogos para testes  eram apresentados como uma bagunça total.
Nada disso aconteceu e a copa foi um sucesso reconhecido internacionalmente.

Em seguida vieram as críticas para as obras de mobilidade urbana que ainda não estariam prontas para copa. 
As obras essenciais ficaram prontas e outras continuam em andamento.

Com a eliminação da seleção do Brasil na copa, grande parte da imprensa brasileira debochou do torcedor brasileiro pela eliminação no torneio, com destaque para as empresas do grupo globo, que logo após o jogo do fatídico 7 x 1 colocou no ar nas emissoras de rádio do grupo a música que alguns jogadores da seleção brasileira escolheram com referência para embalar o time, reforçando as passagens da música em que se dizia para  levantar a cabeça e botar fé, acreditar que seu dia vai chegar, etc.

Ao término da copa, a velha imprensa, em uníssono passava a idéia através de seus noticiários e  mesmo em ,outros programas, da suposta incapacidade do povo brasileiro, em uma tentativa de associar futebol com política, como acontecia nos tempos da ditadura militar. 
Nada disso aconteceu e a população ignorou a velha mídia, seguindo a vida.

Chegou o período da campanha eleitoral, talvez um dos momentos de maior radicalidade e delírio no meio midiático antigo.

A morte do candidato Eduardo Campos que fazia uma campanha inerte, foi o catalizador para expressões de amor e admiração incontidos, por parte da velha mídia, para com a candidata Marina Silva que passava a assumir a condição de candidata no lugar de Campos.

A velha mídia levitava com a ascensão meteórica de Marina, e já se falava nas colunas dos "grandes jornais" na possibilidade de uma vitória de Marina ainda em primeiro turno, tamanho era o encantamento que inundava o país através de sua repentina candidatura.

Projeções para um segundo turno com a candidata Dilma - que sempre se manteve durante toda a campanha com índices sem grandes oscilações - indicavam a possibilidade de Marina ser a vencedora.

Colunistas do globo, como o imortal Merval, em um de seus momentos de grande euforia encantada, afirmou categoricamente que Dilma estaria frita em um segundo turno.

O clima de encantamento fez com que a velha mídia esquecesse de seu candidato, Aécio, jogado às terras montanhosas das Minas a espera de um momento para ressurgir.

O encantamento com Marina perdia força  e as colunas dos "grandes jornais" tornavam-se cada vez mais esquizofrênicas, já que os apoiadores de Marina ainda apoiavam a candidata, porém apoiavam discretamente Aécio e rejeitavam discretamente Marina, apoiando os dois ou nenhum ao mesmo tempo.

Foram momentos de grande radicalidade esquizofrênica no meio midiático antigo.

A campanha seguia o curso com Dilma oscilando no lugar que sempre esteve, enquanto Aécio, Marina e a mídia antiga, subiam e desciam de um lugar para outro em uma busca frenética por um lugar seguro.

Nunca em uma eleição pós redemocratização do país se viu tamanha oscilação e agitação por parte de  grupos que brigavam pelo lugar de segundo colocado.

Com o encantamento de Marina diluído, Aécio e seus colunistas amestrados redirecionaram o discurso em prol  do " novo e competente" que ressurgia  das terras altas das Minas para conduzir o Brasil no rumo certo do progresso.

Marina caía na mesma proporção da subida repentina que tivera , enquanto Aécio despontava como o provável candidato para disputar o segundo turno com Dilma, que como sempre oscilava no mesmo lugar onde sempre estivera por quase um ano.

Incrédulos e atônitos, uma parcela do eleitorado acompanhava as mudanças repentinas, movendo-se ora para as florestas  úmidas da amazônia, ora para as montanhas de Minas.

A radicalização da mídia antiga, foi um fato marcante durante todo o ano, em especial durante a campanha eleitoral, que com as oscilações bruscas das mudanças, deixava claro seu lado e sua opção política. 

O colunista Merval - o globo - através de seus artigos pouco racionais talvez tenha sido o símbolo das mudanças que ocorriam no campo das oposições, ou campo das radicalidades.

A eleição foi acirrada e Dima venceu, no entanto as radicalidades não cessaram e todo tipo de sonhos e desejos frustrados foram despejados  em falações e textos da mídia antiga, com desdobramentos de propostas das mais absurdas para invalidar o resultado do pleito, onde se destacaram os movimentos de rua com a presença de correligionários do candidato derrotado, que gritavam pelo fim do "bolivarianisno" e do " comunismo" que assolam o país.

Os mais radicais portavam cartazes pedindo uma intervenção das forças armadas do país, por conta do perigo do comunismo.

O ano das radicalidades, ao final do ano, extrapolou as radicalidades, revelando dissonâncias no cognitivo de uma parcela significativa da população, parcela conhecida como midiota.

No cenário mundial a radicalização parece ser uma tendência, seja por caminhos normais de chegada ao poder- como é o caso do Podemos na Espanha e agora o Syriza na Grécia - ou outros caminhos de conflitos,  fruto de uma radicalização maior que é o estágio atual da globalização neoliberal.

A globalização neoliberal ,no estágio atual, já uma radicalidade extrema, que tem levado desespero e sofrimento a milhões de pessoas pelo mundo, logo não se deve esperar dias tranquilos para o próximo ano.

Em tempos de radicalidades e decadência da qualidade de vida, palavras progressistas e de esperança surgiram justo do Vaticano - local de radicalidades por séculos de atraso - através do Papa Francisco.

Se 2014 foi o ano das radicalidades, a década de 10 certamente será a década da radicalidade.

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