quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Uma crise de percepção que precisa ser superada

O Brasil e a era dos narcisos

Por Flavio Aguiar, na Rede Brasil Atual:

Vivemos tempos de intolerância em alta, egos em estado de exaltação e simultânea exaustão, consumismo desenfreado de auto-imagens nas redes virtuais, que muitas vezes nada têm de sociais. Antigamente havia a máxima “diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és”. Hoje, a equação mudou de rumo: vale o “digo-te o que consumo e vais saber quem eu sou”. E na sociedade brasileira isso se multiplicou nos espaços de uma classe burguesa em que muitos gostam de se pensar como vivendo dentro de um supermercado de luxo na Europa ou em Miami, Nova Iork, tanto faz. Também se multiplicou nos espaços de uma classe média onde muitos gostam de se ver como desfrutando de privilégios semelhantes aos dos mais ricos.

Esta é uma das razões da crise social que está na base, no bastidor, no porão e no sótão das atuais histerias políticas e econômicas que a velha mídia gosta de alimentar falando da “crise”. Com os aumentos do salário mínimo, a elevação do padrão de vida daqueles a quem o saudoso Florestan Fernandes chamava “os de baixo”, muita gente do andar de cima e do andar intermédio sentiu, além de ter perdido parte do seus poder aquisitivo do trabalho alheio, a perda de status social. Estes não suportam ter agora de disputar espaço no shopping center, no aeroporto, na rua, na universidade, no elevador social e na escada rolante com aqueles que antes olhavam de cima.

Os governos do PT podem ter cometido outros erros, mas cometeram este, de base, que pode ser fatal: achar que o processo de mudança da paisagem social que promoveram poderia passar batido, sem conflitos, sem ódios desatados, sem ressentimentos.

Na América Latina, e o Brasil não é exceção, sempre que uma crise social se apresenta, há a tendência de resolvê-la com recursos ao autoritarismo seletivo, seja por onde for. Foi assim em 45, quando Getulio foi derrubado não por seu autoritarismo, mas por seu “populismo”, foi derrubado pela direita e não pela esquerda. Foi suicidado em 54 pelo mesmo motivo, com o famoso manifesto dos coronéis reclamando de quando os operários estavam ganhando. Foi assim em 64 também, com a ameaça das reformas de base.

Por que seria diferente agora? A diferença é que, como os militares não estão mais disponíveis para golpes, tenta-se o golpe por outros meios, além da mídia golpista: o Judiciário e o aparelho policial.

Este aparato golpista faz de tudo para inverter o que se poderia chamar de “a narrativa Brasil”, a narrativa de um país que hoje serve de exemplo ao mundo inteiro em termos de políticas sociais de combate à miséria, à pobreza e à exclusão.

Como vivemos em tempos de individualismo feroz, os protagonistas deste golpe capitalizam o narcisismo como arma, dispondo-se a produzir as manchetes mais espetaculares a cada dia e assim tornarem-se os “heróis” desse ressentimento dos que não aguentam que pobres ou ex-pobres não tenham mais de mendigar salários em vez de exercer direitos, não aguentam a ideia de que pobres e ex-pobres tenham descoberto que têm direito a ter direitos, que é o direito-base de todos os outros.

Tais personagens – juízes, procuradores, um ou outro policial – protagonizam um narcisismo grotesco, preferindo o vigor das manchetes ao rigor da profissão que deveriam abraçar. São movidos por uma paródia grosseira da frase da rainha de Branca de Neve: “Diga-me, jornal meu, haverá alguém hoje mais famoso do que eu?” E assim se transformam nas bruxas caçadoras de inocentes e culpados indiscriminadamente, fabricando seus culpados antes mesmo que esses tenham a chance de se defender.

Mas a desconstrução da narrativa Brasil atinge muito mais gente. Por exemplo, intelectuais, escritores, artistas que se movem pelo mesmo gesto de pequenos narcisos. Tornaram-se frequentes agora as “metáforas do exagero” para descrever o Brasil. Recentemente fomos brindados aqui na Alemanha por um escritor em ascensão no mercado brasileiro, com frases bombásticas e vazias do tipo “O Brasil é um país xenófobo, homofóbico, racista, corrupto etc., numa retórica que nada diz porque dilui as acusações em generalidades sem rumo. Chegou a afirmar que os escritores brasileiros não se interessam por política, só escrevem para uma elite (os saraus da periferia de São Paulo e de outras cidades não existem…) e que ele, o escritor em questão, consegue ser ouvido só porque foi convidado para falar na Alemanha. É um modo solerte, mas desconchavado, de auto-promoção: venho de um país de borra (para não dizer coisa pior), mas vejam como eu sou bacana…

Li entrevista de outro escritor na mesma situação de estar ascendendo no mercado, no mesmo diapasão, esta dada aí mesmo no Brasil. Li igualmente entrevista de renomado cientista que trabalha no Brasil com pérolas do tipo “o brasileiro é muito ignorante”… “fazer pesquisa de ponta aqui é pior é mais difícil do que no resto do mundo”… Gostaria de saber que “mundo” é este a que o cientista se referia: provavelmente inclui apenas chamado “circuito Elizabeth Arden” da diplomacia brasileira, Nova York, Londres, Paris… O resto não existe.

Não sei onde dará esta crise. Mas sei para onde vai este narcisismo desenfreado. Vai acabar numa tremenda duma ressaca, que não haverá Engov que cure.


Fonte: Blog do Miro
_____________________________________________________________

Boulos: o capitalismo do 1%

dollar
Em apenas cinco anos, a metade mais pobre da humanidade perdeu 38% de sua riqueza. Os lucros dos bancos não param de crescer. É a isso que chamam de “austeridade” — ou “ajuste fiscal”…
Por Guilherme Boulos
Uma economia para o 1%. Com esse título, a organização não governamental britânica Oxfam lançou no mês passado um estudo sobre as desigualdades no mundo. Pela primeira vez na história o 1% mais rico superou em renda e patrimônio os 99% restantes. Os dados basearam-se no Relatório anual de 2015 do banco Credit Suisse.
O estudo mostra que a metade mais pobre da humanidade (3,6 bilhões de pessoas) viu sua riqueza cair 38% nos últimos cinco anos, perda de US$1 trilhão. E se apropriou de apenas 1% do aumento da riqueza global desde 2000. Enquanto isso, o 1% mais rico abocanhou a maior parte deste incremento.
A riqueza da metade mais pobre equivalia em 2010 à dos 388 homens mais ricos do mundo. Nos últimos anos, essa indecência só se agravou: as 3,6 bilhões de pessoas mais pobres agora têm o mesmo que 62 membros do Clube dos bilionários.
Os resultados são alarmantes. Mostram que, desde o estouro da crise em 2008, a desigualdade tem aumentado incrivelmente. Enquanto as políticas de “austeridade” achatam a renda dos trabalhadores e atacam os sistemas de seguridade social, o lucro dos bancos bate recordes, assim como os ganhos de altos executivos.
Quem viu o lucro do Bradesco avançar 14% no ano passado, em plena recessão, não deveria estranhar os resultados apresentados pela Oxfam. No entanto, o relatório foi seguido de ruidosa chiadeira. Os defensores da ordem foram a campo tentando desqualificar os dados do Credit Suisse por sua metodologia. Alegaram, principalmente, que o uso do conceito de riqueza líquida (renda e patrimônio, com subtração das dívidas) distorcia os resultados.
Vale pontuar que, semanas atrás, quando o mesmo Credit Suisse fez um duro prognóstico da recessão brasileira apontando-a como a pior da história, não vimos nenhum articulista da direita nacional fazer suas ponderações “metodológicas”.
De toda forma, a própria Oxfam se encarregou de responder o questionamento sobre a riqueza líquida, afirmando que “os 50% mais pobres são, na maioria, pessoas lutando para sobreviver com pouca ou nenhuma riqueza para apoiá-los. Apesar desse número incluir aqueles em dívida –riqueza negativa, mas com algum patrimônio– é importante notar que esses são a exceção e não a regra”.
Além disso, foi alegado que, se excluídas as dívidas do cálculo, haveria uma mudança na distribuição da riqueza global e os números não seriam tão chocantes. Isso não é verdade, diz a Oxfam, “já que excluindo a dívida dos 10% mais pobres, a fatia da riqueza do 1% mais rico se modifica pouco, passando de 50,1% para 49,8%”. Ou seja, as desigualdades mundiais não se resolveriam com alteração metodológica.
Há quem prefira atacar os dados a deparar-se com a realidade. Compreensível. Afinal não deve ser fácil para os amantes da ordem reconhecer que seu sistema meritocrático da “oportunidade para todos” desandou numa plutocracia onde 1% tem mais que todos os 99% restantes.
O capitalismo fracassou em suas promessas. O mundo de hoje é muito mais desigual que o do século passado. Nem todos os perfumes da Arábia, nem o cinismo do discurso neoliberal conseguirão maquiar esta realidade.
Aí está Bernie Sanders, pré-candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos. Aí está o “Podemos”, na Europa. E o fortalecimento de diversos movimentos populares mundo afora. Será difícil silenciá-los ante a profundidade do abismo que separa o 1% da maioria trabalhadora

Fonte: OUTRAS PALAVRAS
________________________________________________________


O narcisismo exagerado que se vê, e como se vê, nos dias atuais não é um fenômeno brasileiro, é mundial.

e exibir, mostrar que tem alguma coisa, faz parte da estratégia do capitalismo para seduzir as pessoas.

Pessoas que pouco ou nada tem, comparadas com aquelas que de fato controlam e detêm a riqueza mundial - o 1% - comportam-se como se fossem abastadas, endinheiradas, superiores aos demais.

Até mesmo nos inúmeros programas religiosos de TV, pode-se ver pessoas que teriam sido salvas por receber o Senhor em suas vidas, declarando que já possuem um carro, um celular e um pequeno negócio.

Acreditam que atingiram a máxima felicidade e realização pessoal e, assim sendo, na cultura do individualismo , se acham vencedoras.

O mundo vive em crise, e o aspecto mais significativo desta crise é a percepção.

Vive-se uma crise mundial de percepção.

Em nuestra América, os governos populares que se iniciaram no início deste século em praticamente todos os países do continente, contribuíram para melhorar a paisagem social de milhões de pessoas, no entanto, não questionaram as raízes e as estruturas do modelo capitalista.

Ajudaram a formar cidadãos e, consequentemente , narcisos.

O cidadão globalizado, hoje, é um narcisista explícito que colabora para a evasão de privacidade individual e coletiva.

O sistema gosta e incentiva este comportamento, mas omite as informações relevantes, preservando a expansão de mais narcisos.

Melhorar a qualidade vida das pessoas priorizando o consumo, já deu.

A satisfação das pessoas, o emprego e a qualidade vida, já não passam mais por selfies.

É necessário ir além.

Governos, com políticas de médio e longo prazo que façam investimentos em saúde publica, educação pública, segurança, mobilidade, saneamento básico e cultura, certamente , se implementadas tais políticas, criarão, naturalmente, as condições para emprego, empreendedorismo e renda.

O foco deve ser estrutural e não cosmético, como é a política de se incentivar o consumo das famílias.

Aí se encontra a mudança, pois para implementar as políticas de curto e médio prazo, o sistema de democracia representativo vigente é inapropriado e obsoleto.

Como é de praxe no Brasil, e mesmo em outros países, os governos preferem políticas e programas que possam ser implementadas durante a gestão, pois caso deixem para os governos seguintes os programas serão inevitavelmente interrompidos, já que na proto política que se pratica no Brasil e no mundo, concluir programas de um outro partido é algo impensável para os políticos, pois, na visão deles ( visão ? ) caso o façam, irão valorizar o trabalho iniciado por outro.

O povo, você, caro leitor, não é priorizado.

Se faz necessário e urgente para a implementação de políticas e programas de curto e médio prazo, que tais políticas e programas sejam elaborados, e aprovados por comitês da população, que também serão responsáveis pela implementação e acompanhamento na aplicação dos recursos, independente dos partidos políticos que estejam no governo.

Esse trabalho popular e participativo deve acontecer nas esferas municipal, estadual e federal.

Somente assim se poderá construir sociedades equilibradas, em ambientes de serviços gratuitos e de qualidade, com segurança , pessoas educadas e com acesso a cultura.

O desenvolvimento social estará garantido e consequentemente o trabalho, o emprego e as atividades empreendedoras e de inovação tenderão a florescer.

Para tanto, o país precisa superar a crise de percepção em que a maioria da população está inserida, e este é trabalho árduo, já que não terá apoio dos grandes meios de comunicação, que , como se sabe trabalham incessantemente para manter a população na ignorância e na alienação.

Para além de políticas de incentivo ao consumo e de rompimento com as bases do capitalismo atual,significa um novo que ainda não apareceu na cena política do país.



A Estrada e o Violeiro


 Sidney Muller
Sou violeiro caminhando só, por uma estrada caminhando só
Sou uma estrada procurando só levar o povo pra cidade só
Parece um cordão sem ponta, pelo chão desenrolado
Rasgando tudo que encontra, a terra de lado a lado
Estrada de Sul a Norte, eu que passo, penso e peço
Notícias de toda sorte, de dias que eu não alcanço
De noites que eu desconheço, de amor, de vida e de morte
Eu que já corri o mundo cavalgando a terra nua
Tenho o peito mais profundo e a visão maior que a sua
Muitas coisas tenho visto nos lugares onde eu passo
Mas cantando agora insisto neste aviso que ora faço
Não existe um só compasso pra contar o que eu assisto
Trago comigo uma viola só, para dizer uma palavra só
Para cantar o meu caminho só, porque sozinho vou à pé e pó
Guarde sempre na lembrança que esta estrada não é sua
Sua vista pouco alcança, mas a terra continua
Segue em frente, violeiro, que eu lhe dou a garantia
De que alguém passou primeiro na procura da alegria
Pois quem anda noite e dia sempre encontra um companheiro
Minha estrada, meu caminho, me responda de repente
Se eu aqui não vou sozinho, quem vai lá na minha frente?
Tanta gente, tão ligeira, que eu até perdi a conta
Mas lhe afirmo, violeiro, fora a dor que a dor não conta
Fora a morte quando encontra, vai na frente um povo inteiro
Sou uma estrada procurando só levar o povo pra cidade só
Se meu destino é ter um rumo só, choro em meu pranto é pau, é pedra, é pó
Se esse rumo assim foi feito, sem aprumo e sem destino
Saio fora desse leito, desafio e desafino
Mudo a sorte do meu canto, mudo o Norte dessa estrada
Em meu povo não há santo, não há força, não há forte
Não há morte, não há nada que me faça sofrer tanto
Vai, violeiro, me leva pra outro lugar
Eu também quero um dia poder levar
Toda gente que virá
Caminhando, procurando
Na certeza de encontrar


Nenhum comentário:

Postar um comentário