segunda-feira, 23 de novembro de 2015

COP - 21. Superar as Contradiçoes e os Paradoxos. Um Outro Mundo é Possível


Paris: a França trocou De Gaulle por Bush

Quem são "os dirigentes ocidentais" que realizaram a obra do Iraque?
 publicado 23/11/2015

Sarkozy era o poodle francês

O Conversa Afiada reproduz agudo artigo do professor Dany-Robert Dufour, antes publicado no Mediapart, uma espécie da Conversa Afiada francês:

 Por que eles fizeram isso ?

Dany-Robert DUFOUR, filósofo e professor da Universidade de Paris VIII em Saint-Denis

Meus filhos, meus alunos me perguntam : « Mas por que eles fizeram isso ? » “Isso”, é a carnificina na noite de sexta-feira, 13 novembro, em Paris. “Eles”, são os dijadistas, muitos deles nascidos na França e, apesar das dificuldades de integração, beneficiários dos serviços públicos da República francesa. Remeto meus interlocutores desamparados ao excelente artigo de meu colega de universidade e amigo, o psicanalista franco-tunisiano Fethi Benslama, publicado no Le Monde, exatamente 24 horas antes do horror acontecer, o que comprova sua inteligência premonitória: “Para os desesperados, o islamismo radical é um produto excitante”. Ele explica que a oferta dijadista captura jovens desorientados devido a lacunas identitárias importantes, oferecendo-lhes um ideal total qui preenche essas lacunas. Uma oferta que transforma o sujeito atormentado pelas dúvidas relativas a sua origem em um “autômato fanático”.

Fethi Benslama remonta esse desmoronamento identitário à queda do califado (1924), isto é, ao fim do último império islâmico. Daí resulta que muitos desses sujeitos se vêem desde então como herdeiros infames. Seguramente essa é uma lacuna imensa. Ora, ela me parece agravada por outras lacunas e penso que Fethi Benslama concordaria com isso. Uma dessas lacunas é bem anterior e data das dificuldades do Islã (que até a Idade Média muito contribuiu para a civilização) em integrar a virada do Iluminismo e da Modernidade. Outras lacunas são posteriores. Como o voto da ONU de 1947 que dividiu a Palestina em um Estado judeu e um Estado árabe que jamais aconteceu. E como a invasão de um grande Estado árabe, o Iraque, pela coalisão conduzida pelos Estados Unidos em 2003.

É necessário examinar esse último ponto porque o século XXI ainda não acabou de pagar pelas consequências da decisão de Georges W. Bush de fazer de Saddam Hussein o responsável pela destruição em 11 de setembro 2001 das torres gêmeas do World Trade Center, um dos símbolos da potência americana. Dito de outra maneira, o século iniciou-se tendo na base um enorme erro, a não ser que tenha sido uma manipulação estratégica monstruosa, que iria levar a uma série de efeitos derivados catastróficos.

Relembremos os fatos: 1) De fato, Saddam era um tirano, aliás do mesmo estilo daqueles que Washington sempre apoiou (por exemplo, Pinochet), mas ele não tinha nada a ver com a destruição das torres americanas (o serviço secreto americano sabia que ele não mantinha relações com Al-Qaïda); 2) a promessa de Bush, seguida por Tony Blair, entre outros, de levar a democracia ao Iraque (a operação chamava-se “Iraqi Freedom”) nada mais era que um slogan para ganhar adesão da opinião ocidental; 3) as provas invocadas para destruir o regime de Saddam se resumiram a inverdades grosseiras (ver as famosas “armas de destruição massiva” que, evidentemente, nunca foram encontradas). Tratou-se na realidade de uma montagem narrativa mal disfarçada, digna das piores formas marketing, essencialmente destinada a se apropriar da quarta reserva mundial de petróleo (não por acaso, é sabido que o próprio Bush e uma grande parte de seu governo eram diretamente ligados à indústria de petróleo).

Hoje se conhece o resultado catastrófico dessa intervenção: cerca de 500.000 mortos iraquianos, uma taxa de mortalidade que passou de 5,5 para 1000 antes da invasão para 13,2 depois da chegada dos americanos, um balanço sanitário desastroso (80% da água sem tratamento), um país devastado tomado por lutas religiosas de uma outra época... E, sobretudo, um laboratório para a formação de milícias dijadistas que sonham com a volta do califado, arregimentando todas as formas de vida humana e levando à fuga de milhões de pessoas “normais”. Essas milícias difundiram-se nos países vizinhos em guerra, como a Síria. Nesses países, acolheram, formaram e transformaram em terroristas aguerridos centenas de milhares de jovens vindos da Europa e de alhures, sofrendo da mesma lacuna identitária evocada por Fethi Benslama.

O mérito da França havia sido então de não se deixar embarcar nessa desastrosa expedição, apesar dos apelos insistentes de “intelectuais”, inclusive de esquerda ou quase, que se encontram hoje em uníssono com a Frente Nacional2, para denunciar os migrantes cujo enorme fluxo atual resulta diretamente da guerra que eles apoiaram. Ainda lembramos bem do discurso pronunciado pelo ministro do Exterior do governo Chirac, Dominique de Villepin, pronunciado na ONU em 14 de fevereiro de 2003, para dizer que a França não se juntaria à coalisão porque: “tal intervenção corria o risco de agravar as fraturas entre as sociedades, entre as culturas, entre os povos – fratura da qual se alimenta o terrorismo.”

Coloca-se então a questão de saber como a França, que havia demonstrado uma visão tão acertada, o que lhe valeu a ira persistente dos republicanos americanos, tornou-se hoje um dos alvos mais importantes do dijadismo. A resposta aparece com clareza desde que não se esqueça os dados da história: passamos de uma visão gaulista (formulada por De Gaulle) a uma posição atlantista. A visão gaulista não foi, na sua essência, questionada por Miterrand e continuou até Chirac. Este havia compreendido pelo menos duas coisas. Um dado exterior: não alinhamento com Washington. E um dado interior: o Estado francês deve levar em conta o fato de que cerca de 10% da população que ele administra é de origem árabe. O dado estratégico somado ao dado pragmático explicam as boas relações mantidas por Chirac com os dirigentes árabes.

A chegada de Sarkozy ao poder caracterizou-se por uma virada atlantista conotada de indecência quando se pensa na mensagem de condescendência submissa que foi passada a Bush. Concretamente, isto se traduziu na reintegração da França no comando integrado da Organização do Tratado do Atlântico Norte. De Gaulle havia anunciado a saída da França da OTAN em 21 de fevereiro de 1966. Sarkozy foi até Washington em 7 de novembro de 2007, para anunciar o retorno da França.

Ora, seu sucessor, François Hollande, nada fez para desviar dessa via atlantista. A tal ponto que o governo francês vai mais longe que a administração americana na defesa da política de Israel, a despeito da extensão considerável das colonias que segmentam o território palestino – uma tática grosseira, nada conforme à inteligência dos judeus que sempre souberam viver e conviver entre os outros, para impedir a formação de um Estado palestino, previsto expressamente pelas resoluções internacionais. Quanto ao Iraque, porque não deveríamos deixar os americanos assumirem as consequências da política desastrosa deles? Porque essa política criou um monstro, os dijadistas, esses sujeitos autômatos sem discernimento, sem pensamento, sem sentimentos humanos (ver o excelente romance 2084 de Sansal Boualem).

Hollande teria estado em seu papel ao reforçar consideravelmente a segurança do país e de suas populações. Mas ele quiz mais: fazer-se de chefe de guerra. Não seria a primeira vez que um chefe de Estado, encasquetado com sua baixa de popularidade, escolheria, consciente ou inconscientemente, a opção da guerra na esperança de fazer o povo voltar a segui-lo. Seja como for, Hollande acreditava estar fazendo uma guerra longínqua. E eis que que ela está aqui dentro.

Essa dupla virada atlantista contribuiu e muito para que a França e nossa Paris tão amada – a da Revolução de 1789, a da Comuna de 1871, a da Liberação de 1945, a de maio de 1968 – nossos jovens, meus filhos, meus alunos, amantes da vida, do pensamento, do amor, da festa, do riso de Charlie ou do rock do Bataclan, estejam agora sendo diretamente visados.

Tudo isso se pode dizer em uma frase: os dijadistas do Estado Islâmico são, do mesmo modo que os nazistas de ontem, loucos perigosos, mas alguns dirigentes ocidentais contribuiram para que eles assim se tornassem.

Fonte: CONVERSA AFIADA
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EI é formado por assassinos com boas redes sociais,diz Obama

Presidente dos EUA declarou guerra a jihadistas
Agência ANSA

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, declarou guerra aos jihadistas do Estado Islâmico (EI, ex-Isis) e suavizou o tom com que trata seu homólogo sírio, Bashar al-Assad, em meio a esforços diplomáticos para reforçar a coalizão contra o grupo, após ataques deixaram ao menos 130 mortos e dezenas de feridos em Paris, França. "Destruiremos o EI. É um objetivo real. E o faremos sem trair nossos valores", disse, em coletiva de imprensa, classificando os terroristas como "assassinos com boas redes sociais".  

"Vamos tomar de volta terras onde estão, retirar o seu financiamento, caçar sua liderança, desmantelar as suas redes, linhas de abastecimento e destruí-los", concluiu.

Admitindo que Assad não sairá imediatamente do governo de Damasco, em uma guinada em sua política com o governante, Obama defendeu que é preciso "manter um Estado sírio, pois não queremos criar um caos completo".

Com atenção direcionada ao EI após recentes atentados que deixaram centenas de mortos na França e no Egito, entre outros locais, o presidente sírio saiu do centro das discussões.

A comunidade internacional está trabalhando para reforçar a coalizão liderada pelos EUA que luta contra o EI na Síria e no Iraque, inclusive com o apoio de Moscou.

Fonte: JORNAL DO BRASIL
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Das desigualdades à barbárie terrorista

A barbárie de grupos terroristas não se justifica, assim como a prepotência do capital: este descarta e empobrece populações pela produção de crises.


José Carlos Peliano*
Présidence de la République O Oriente Médio passou a não fazer parte do mapa mundial de referência desde o advento do capitalismo. Livros de história, sim, aqui e ali tratavam de descrever e comentar o papel das antigas civilizações que por séculos viveram. A nova sociedade ocidental que então surgira apagara quase por completo o passado oriental.

Legados imemoriais, no entanto, da escrita árabe, da descoberta do zero, da engenharia das pirâmides egípcias, das misturas para embalsamento, entre outros importantes achados, foram fundamentais para a evolução da cultura e do conhecimento humano.

O mesmo se deu com a China e a África cujas culturas forneceram relevantes contribuições para a humanidade. O ábaco foi precursor do caminho tecnológico até o computador e a pólvora o elemento sintético primitivo das explosões não naturais, ambas as descobertas vindas da China.

Da África nasceram, por exemplo, as raízes do samba brasileiro, a religião animista vinculada à natureza, o candomblé, das comidas e especiarias da culinária e da beleza, exuberância e força da raça negra.

Síria, Líbano e Iraque, bem como todos os demais povos da região oriental do globo, igualmente participaram da criação da árvore de cultura, conhecimento e saber que o mundo moderno usufrui pelos quatro cantos do planeta.

Mas a energia, a força, o poder e o domínio da máquina, do sistema de máquinas e dos equipamentos, que os fazem funcionar e operam, vieram para ficar, dar novo impulso à imensa trupe mundial e com isso fazer esquecer por incorporar com outras roupagens o legado dos antigos povos orientais.

As tradições culturais e religiosas desses povos ainda permeiam e permanecem na grande maioria dos países, ao contrário do Ocidente cuja maioria católica e protestante, hoje acompanhada por credos evangélicos, se adaptaram e convivem com o capitalismo contemporâneo.

Essa diferenciação marcante dos desenvolvimentos tecnológicos e materiais entre Ocidente e Oriente, coadjuvada pela distância implacável das religiões de ambos os lados, as quais habitam e conformam o comportamento dos povos respectivos, dão cara e forma às desigualdades abismais existentes entre os dois lados do globo terrestre.

Não que capitais, cidades e metrópoles do Oriente não desfrutem de parte das conquistas materiais e tecnológicas do desenvolvimento capitalista, nem que outras regiões do Ocidente não comportem áreas urbanas e rurais menos desenvolvidas, estagnadas, pobres e carentes.

O que passa é que o capitalismo é, por essência, um sistema que nasce, se mantém e se expande se apropriando das diferenças e criando mais diferenças. Ele não veio para igualar, democratizar, socializar, tampouco fazer justiça. Ele faz diferença!

A justiça dele é a do lucro e, por consequência, do excedente captado em todo o tipo de produção. A existência do lucro já distingue a diferença entre os donos do capital e os trabalhadores, já aponta a diferença de cidadãos na sociedade, os que mandam e os que cumprem.

Direitos iguais apenas na retórica, enquanto sob o domínio das relações capitalistas de produção, os direitos estão sob a égide do capital. Não foi por acaso que o capitalismo se apropriou, transformou e aperfeiçoou os sistemas originários de castas e assemelhados. A pirâmide social dos povos antigos serviu de trampolim para a implantação da ordem capitalista.

Hoje em dia manda a meritocracia e com ela as classificações do trabalho em ocupações, cargos e salários. Ordenamentos estes que se prolongam na sociedade, que os legitima, em ocupações, profissões, classes sociais e preconceitos.

Os preceitos constitucionais igualmente se baseiam e se moldam nessas diferenças submetidas aos cidadãos na sociedade e a justiça prevalecente vem daí. A justiça deve ser comum para todos, embora mais comum para os sem posição social de destaque. Ao restante as regalias e exceções.

A guerra do Iraque e da Síria, de memória recente, são exemplos privilegiados dos interesses capitalistas em jogo. No Iraque tratou-se de uma questão econômica: não perder a exploração e a distribuição dos poços de petróleo a cargo de empresas americanas.

Daí a versão mentirosa da posse de armas nucleares e químicas pelo Iraque, apresentada pelo governo americano, ter justificado a derrubada do regime.

Na Síria trata-se de uma questão de poder hegemônico dos Estados Unidos, que tenta recuperar esse papel em provável coalizão internacional com França, Inglaterra e recentemente a Rússia.

Os bombardeios contra os rebeldes realizados por esses países buscam retomar o poder na região junto à presidência síria. De fato, justificam eles as ações bélicas para ˜salvar vidas e manter a paz na região˜.

O conflito de interesses da região do Oriente Médio, econômicos, populacionais e religiosos, há anos provocando atentados, extermínios, guerras e emigração massiva, serve de palco para a ação de guerra dos países ocidentais aliados.

E é no cerne desse conflito generalizado na região oriental onde as condições mais cruéis de vida e sobrevivência de vários grupos étnicos se veem às voltas com o surgimento das rebeliões de grupos terroristas, notadamente ao norte da Síria e do Iraque, onde se distribui células do Exército Islâmico.

O acirramento dos conflitos e interesses dificulta cada vez mais uma solução acordada. O estado crescente de desigualdades gerado e mantido na região, onde violência, doenças, miséria e fome abundam, provoca na mesma intensidade o surgimento de focos intensos de terrorismo generalizado.

Os dois ataques à França neste ano por terroristas armados ligados às facções mais radicais mostram a retaliação às ações belicosas da França na região síria. Por que a França? Provavelmente por ser o país mais vulnerável dos demais da coalizão de forças. Além de acesso geográfico mais fácil e rápido e território onde vive grande contingente de pessoas de origem árabe, africana e muçulmana.

Não faz parte da ideologia do capital sentar à mesa de negociações para redução das desigualdades, pois ele vive e sobrevive delas. Não faz parte dos representantes das democracias ocidentais aceitarem acordos menos restritivos às dificuldades sociais e econômicas dos povos mais pobres que não sejam sob as regras capitalistas rígidas.

Igualmente não aceitam os povos mais pobres, sejam orientais e africanos, serem secularmente subjugados política, social e economicamente abrindo mão de suas tradições, hábitos e costumes de trabalho, convivência e vida.

A barbárie de grupos terroristas não se justifica, assim como a prepotência do capital. Este descarta e empobrece populações pelo seu modus operandi e pela produção de crises periódicas do sistema; aqueles exterminam inocentes sem piedade sob a proteção de uma ˜lei primitiva e abusiva˜, a Sharia, onde quer que escolham focos de ataque.

á está mais que na hora de a civilização cuidar mais de sua sobrevivência em novos termos. Do jeito que está medo, insegurança, horror, terror e morte vão continuar a caminhar juntos. O desfrute e a celebração da vida certamente não passa por aí. Onde está o Deus ou os deuses das religiões? Uma aproximação entre os chefes religiosos de todos os credos pode ajudar a encontrar uma saída.

Fonte: CARTA MAIOR
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A coalização internacional, liderada pelos EUA, teria por objetivo combater o Estado Islâmico.

Durante meses os resultados da coalização foram pífios.

Com a entrada da Rússia, o EI passou, de fato, a ser combatido.

Aconteceram os ataques terroristas contra um avião russo e as mortes em Paris.

E eis que Obama, afirma, agora, que irá atacar o EI, já que declarou guerra .

Logo após a declaração de Obama e também do primeiro ministro inglês, quem foi atacado foi a Rússia, por uma caça turco, Turquia país membro da OTAN.

Obama diz que vai esmagar o EI, sufocando todas as linhas de financiamento e obtenção de recursos, esquecendo-se, talvez, que o avião russo atacado pelo EI, foi derrubado com uma bomba artesanal fabricada com latinha de cerveja.

Que os discursos dos líderes mundiais não refletem a verdade dos fatos e suas intenções, isso é fato.

Antes de esmagar o EI, Obama deseja recuperar, para as empresas americanas, os poços de petróleo e refinarias em poder do grupo .

O terrorismo não terá fim, já bombinhas fabricadas com latinhas de cerveja continuarão causando muitas morte, sem que se saiba, onde, quando, como e quem será atacado.

O terrorismo não se combate com exércitos, já que é uma atividade difusa que se desloca de um lugar para outro, sempre surpreendendo e causando estragos onde resolve atacar.

No entanto Obama garante que irá esmagar o EI e acabar com o terrorismo sem ferir "nossos valores", o que não é verdade, já que para vigiar os supostos terroristas todo o mundo está sendo vigiado, o que já fere os valores de democracia e direitos das pessoas.

Por outro lado qualquer forma de diálogo é rejeitada, assim como qualquer questionamento sobre a crise civilizacional mundial, com destaque para crise econômica.

O capitalismo necessita de guerras e das desigualdades para crescer e se expandir, e as desigualdades tem gerados atos terroristas, cada vez mais em todos os cantos do planeta e de diferentes formas e ideologias, como citado no artigo acima de CARTA MAIOR.

A velha mídia ocidental , diante dos novos acontecimentos, veste-se com os uniformes de batalha e perfila-se ao lado da coalização internacional, já que o inferno é sempre o outro.

O mundo atual é repleto de paradoxos, e a solução para os problemas reside na superação dos parodoxos, um novo salto de conhecimento e evolução.

domingo, 22 de novembro de 2015

Curta PAPIRO - 22.11.2015



Curtas

1 - A Vale valia R$ 92 bi e o Cerra e o Farol venderam por R$ 3bi.   E estão soltos!
Fonte: CONVERSA AFIADA

2 - E o mar virou lama: 
16 dias depois do estouro da barragem, a lama tinge o oceano no ES com as cores da Vale e da mídia que a preserva.
Fonte: CARTA MAIOR

3 - Desemprego: 
Italia 11.8%
França 10.7%
Turquia 10.1%
Canada 7%
Alemanha 6.4%
Russia 5.5%
USA 5.3%
BRASIL de FHC 12.2%
BRASIL PÓS MORO: 7.6%
Fonte: CARTA MAIOR

4 - 'Silêncio da Lama' - título do debate realizado no Sind. dos Jornalistas de MG sobre a mídia e tragédia de Mariana.O algoz controla a pauta
 Fonte: CARTA MAIOR

5 - Estupefação: 
há 16 dias da tragédia, emissão conservadora não questiona licenças ambientais dadas à Vale, em 12 anos de gov do PSDB em MG 
Fonte: CARTA MAIOR

6 - Polícia joga no lixo os restos do acampamento do MBL em frente ao Congresso e militantes se retiram.

Fonte: DIÁRIO DO CENTRO DO MUNDO 

 

sábado, 21 de novembro de 2015

Famosos e milionários em farra com dinheiro do povo

DCM: Roberto Irineu e FHC viajaram no Aeroécio; Folha omitiu; aeroporto de Cláudio foi sede da ponte aérea

aécio, fhc e roberto irineu
Felicidade com o dinheiro público


aroeiraaviao
turma fenomenal

publicado em 20 de novembro de 2015 às 20:56
Exclusivo: a lista completa dos ‘empréstimos’ de aeronaves de Minas por Aécio. 

 por Kiko Nogueira, no Diário do Centro do Mundo
O DCM teve acesso à relação completa dos vôos de Aécio Neves durante os 7 anos e três meses de seu governo em Minas Gerais, entre 2003 e 2010, através da Lei de Acesso à Informação.
O uso que Aécio fez dos dois jatos, um Citation e um Learjet, um helicóptero Dauphin e um turboélice King Air pertencentes ao estado é um caso de estudo em matéria de patrimonialismo.
Foram 1430 viagens ao todo, 110 com pouso ou decolagem do famoso aeroporto de Cláudio, construído nas terras do tio Múcio Toletino, que ficou com a chave por um bom tempo.
Pelo menos 198 vezes ele não estava a bordo. Um decreto de 2005 estabelece que esse equipamento destina-se “ao transporte do governador, vice-governador, secretários de Estado, ao presidente da Assembleia Legislativa e outras autoridades públicas” e serve “para desempenho de atividades próprias dos serviços públicos”. A linha entre o interesse público e o privado é tênue.
Parte desses empréstimos de aeronave foi objeto de matéria da Folha do início de novembro. Parte.
A Folha mencionou Luciano Huck, Roberto Civita, Boni, José Wilker, Milton Gonçalves e Ricardo Teixeira (que fez seis vôos, três em 2006 e mais três em 2010. Um deles com José Serra a bordo e outro, em 28 de agosto de 2007, com Ray Whelan, acusado de envolvimento num esquema de venda ilegal de ingressos da Copa do Mundo do Brasil. Whelan chegou puxar cana no Complexo de Bangu.)
A lista completa, no entanto, traz muitas outras surpresas.
Fernando Henrique Cardoso usou os aviões e o helicóptero em pelo menos dez ocasiões, sem a presença do governador. A maioria em 2006 (três, uma delas com uma “comitiva”) e 2008. Em quatro viagens o pacote foi completo: de Belo Horizonte direto para São Paulo.
Roberto Irineu Marinho, um dos donos da Globo, foi de BH a Brasília em 11 de setembro de 2007. No dia seguinte, da capital mineira a Diamantina. Esteve acompanhado do então senador Sérgio Guerra, do PSDB.
Ex-presidente do partido, Guerra foi citado pelo delator Paulo Roberto Costa, que afirmou ao Ministério Público Federal ter dado propina ao tucano para ajudar a esvaziar uma CPI da Petrobras de 2009. Morreu em 2014, aos 66 anos, de câncer no pulmão (foi substituído por Aécio).
A Fundação Roberto Marinho tem várias obras de restauração em MG. Em Diamantina fica a Casa de Chica da Silva. É uma relação boa: Aécio, por exemplo, pavimentou uma estrada no interior que faz um desvio na fazenda dos Marinhos em Botelhos, produtora de um café de alta qualidade.
O amigo Alexandre Acciolly foi premiado, também. Dono de academias de ginástica, sócio do Gero e do Fasano, bon vivant, ele é da turma carioca de Aécio, integrada por Huck, Mário Garnero e outros. Foi padrinho do casamento de Aécio com Letícia Weber em 2013, no Rio.
Cabo eleitoral do amigo, ele deu uma entrevista à revista Alfa, em 2012, em que admitiu que foi sonegador: ”Eu tomava decisões de risco na minha empresa de telemarketing. Não tinha dinheiro para investir e minha carga tributária era de 40%. Eu ia pagar imposto ou comprar computador e pagar salário? Eu falei: ‘No c*, imposto!” Em abril de 2009, voou no Dauphin até Confins (com Aécio, passeou mais quatro vezes).
Houve espaço até para o presidente do Rotary International, Dong Kurn Lee, e Hipólito Ferreira, ex-membro de um certo Comitê de Revisão da entidade. Em setembro de 2008, eles viajaram de helicóptero de Belo Horizonte a Ouro Preto com suas respectivas senhoras.
A generosidade com a própria família é enorme. Tios, primos (inclusive Tancredo Tolentino, o Quedo, que seria denunciado em 2012 por negociar a compra de habeas corpus de dois traficantes), ex-mulher, parentes, contraparentes — todos voaram. Andrea Neves, a irmã de Aécio, esteve em São João del Rey, Brasília, Viçosa e Rio de Janeiro, com e sem o irmão.
Para quem era, no papel, presidente do Serviço Voluntário de Assistência Social, é um bocado. No debate da Band, Aécio, retrucou uma acusação de nepotismo de Dilma Roussef. “Quero saber onde minha irmã trabalha”, disse ele, desafiador.
Bem, além do tal cargo “voluntário”, Andrea era a responsável pela distribuição de verbas publicitárias. Durante sua gestão, os gastos com publicidade subiram 300% (de R$ 24 milhões para R$ 96 milhões). Uma parcela foi destinada aos veículos do clã: as rádios Arco Íris, São João e Colonial, ambas de São João del Rey, e um jornal também de lá.
A reverência com relação a ela é tamanha que é das poucas identificadas como “Dra.” no relatório. Sua xará Andrea Falcão, por exemplo, entra apenas com nome e sobrenome. Andrea, ex-mulher de Aécio, mãe de Gabriela, voou para locais como Rio de Janeiro, onde as duas moram, e em março de 2007 para Manaus (Sergio Cabral também estava nessa).
Em 31 de março de 2010, o King Air aterrissou na Cidade Maravilhosa com Andréa Falcão, Gabriela Falcão Neves, Luiza Falcão e Matheus Falcão.
Todos os nomes acima se juntam aos divulgamos, anteriormente, pela Folha. Luciano Huck, companheiro de Aécio presente nas horas incertas como a “festa da vitória” em 2014, foi a Tiradentes em agosto de 2004. Alguns dias depois, com Sandy, Junior e o empresário da dupla, rumou para Santa Bárbara. Estavam gravando um quadro para o programa.
Milton Gonçalves e José Wilker também foram usufrutuários, assim como Boni, que foi, segundo ele, “fazer uma análise da TV Minas”.
Ricardo Teixeira fez seis vôos, três em 2006 e mais três em 2010, um deles com José Serra a bordo. O detalhe é que, em 28 de agosto de 2007, um dos passageiros era Ray Whelan, executivo-chefe da Match Services acusado de envolvimento num esquema de venda ilegal de ingressos da Copa do Mundo do Brasil. Whelan chegou a ser preso no Complexo de Bangu.
Roberto Civita, ex-dono da Abril, e a mulher Maria Antônia passaram o fim de semana de 27 e 28 de março de 2010 em Minas. O casal foi de Belo Horizonte a Brumadinho, onde fica o fabuloso museu de Inhotim, no helicóptero. De volta à capital, Aécio os levou a São João del Rey no Learjet. No domingo, pegaram novamente uma carona nas hélices do Dauphin até Confins.
A listagem de vôos, como foi dito, é grande e cada uma tem sua história com suas imbricações. Outras serão contadas aqui

Fonte: VIOMUNDO
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sexta-feira, 20 de novembro de 2015

EUA, um estado terrorista

ISIS: a Conexão Washington



Dick Chenney, ex-presidente dos EUA: sob sua influência, Washington propôs criação de um “principado salafista” no Oriente Médio. Foi o início do apoio da Arábia Saudita e de outras monarquias do Golfo aos jihadistas – que depois metamorfosearam-se em ISIS

Para crescerem no Oriente Médio e ameaçarem capitais do Ocidente, jihadistas contaram com um apoio essencial: o dos Estados Unidos e seus aliados no mundo árabe

Por Talmiz Ahmad | Tradução: Inês Castilho

Na noite de sexta-feira, 13/11, três bandos, com oito pessoas no total, atacaram sete alvos em Paris. Mataram cerca de 130 pessoas e feriram centenas mais. A maioria dos mortos assistia a um concerto musical, uma noite de convívio alegre interrompida por um fim abrupto e terrível. O Estado Islâmico do Iraque e Grande Síria (ISIS) assumiu rapidamente a responsabilidade. O presidente François Hollande descreveu o ataque como um “ato de guerra” e declarou estado de emergência, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial. A sombra do conflito fratricida que já dura cinco anos na Síria atingiu agora o coração da cultura ocidental.

Desde que o ISIS atraiu a atenção mundial, após a dramática tomada de Mosul em junho do ano passado, seguida pela ocupação de outros territórios ao longo da fronteira entre Iraque e Síria e pela declaração do “Califado” naquelas terras da histórica Mesopotâmia, os conflitos na região tiveram desdobramentos novos, e cada vez mais brutais, praticamente todos os dias. Centenas de soldados sírios, yazidi, curdos e outros civis iraquianos – além de alguns reféns ocidentais – foram sumariamente executados por decapitações, com frequência filmadas e divulgados amplamente nas mídias sociais em todo o mundo.

Embora atacado pelas forças dos Estados Unidos e pelas monarquias do Golfo Pérsico aliadas a Washingon, o ISIS não sofreu nenhum grande revés militar. Ao contrário: consolidou-se gradualmente, a ponto de converter-se em um proto-Estado, com muitos dos atributos da ordem estatal – exército permanente, recursos financeiros substanciais, um conselho de ministros, governadores provinciais, um sistema judicial em funcionamento, uma força de segurança inflexível e prestação de serviços municipais e de bem-estar. Aparentemente, não tem dificuldades para atrair recrutas que correm para se juntar a suas fileiras e levar a cabo atentados e missões suicidas. O respeitado especialista em assuntos árabes Abdel Bari Atwan estimou recentemente que o ISIS tinha um quadro de cerca de 100 mil combatentes. Estão principalmente do mundo árabe, mas também de outros países da Ásia e até mesmo – alguns milhares – na Europa.

Nos últimos meses, o ISIS fez sentir sua presença fora da Mesopotâmia – na Líbia, a oeste, e no Afeganistão, a leste. Também expandiu sua base de apoio, com um número crescente de corpos jihadistas (ou seus grupos dissidentes) que declaram filiação ao Califado, preferindo-o à Al Qaeda.

Nos últimos meses, à medida em que que o ISIS levava adiante suas ações devastadoras, a guerra na Síria entrou num impasse. As forças salafistas apoiadas pelas monarquias do Golfo são incapazes de derrotar as forças nacionais ainda leais ao presidente Bashar al-Assad. A situação mudou dramaticamente quando, a partir de 30 de setembro, a Rússia envolveu-se no conflito, ao lado do governo Assad, instalando na Síria aviões, tanques e de vigilância. Moscou realizou bombardeios letais contra todas as forças hostis a Assad, não se importando em distinguir entre o ISIS e as outros grupos terroristas, embora o primeiro tenha sofrido pelo menos um quinto dos ataques. Em 10 de novembro, as forças sírias apoiadas pela Rússia tomaram do ISIS a parte oriental da cidade de Aleppo e a base aérea de Kweiras, ameaçando as conexões logísticas do grupo com Raqqa e seus territórios no Iraque. A consolidação das forças curdas da Síria, junto à fronteira turca, já bloqueou o fluxo de armas e recrutas que abasteciam o Califado Islâmico a partir da Turquia.

O ISIS tem respondido a esses ataques com duras represálias a seus inimigos. Em 10 de outubro, realizou um duplo atentado em Ankara, na Turquia, no qual 128 pessoas, principalmente manifestantes pró-curdos, foram mortas. Em 31 de outubro, reivindicou responsabilidade pela queda do avião de passageiros russo que voava de Sharm el Sheikh para São Petersburgo, no qual mais de 200 pessoas perderam a vida. Em 6 e 12 de novembro, realizou dois bombardeios no Líbano matando mais de 40 pessoas e regozijando-se de ter atacado com sucesso xiitas “apóstatas”. O comentarista libanês Khalil Harb pressagiou, já então: “muito mais derramamento de sangue está a caminho.”

No dia em que ocorreram os ataques em Paris, os EUA anunciaram que seus drones haviam matado Mohammed Emwazi, também conhecido com “John Jihadi”, membro do ISIS nascido no Reino Unido que comandou vários assassinatos filmados e assistidos no mundo todo. Comentando essas notícias, o primeiro ministro britânico David Cameron disse que havia sido um ataque “ao coração da organização terrorista”. Por sua parte, os norte-americanos também anunciaram que haviam matado o líder do ISIS na Líbia, Abu Nabil, de nacionalidade iraquiana.

Os ataques a Paris são, portanto, parte dos ataques olho-por-olho que vêm ocorrendo nos últimos meses e são diretamente ligados ao conflito na Síria. A reação a esses ataques, pelos protagonistas em conflito na Síria, reflete sua divisão profunda e sectária. Ambos – Hezbollah e 49 grupos de milicianos anti-Assad – condenaram fortemente os ataques. Mas enquanto o Hezbollah vê o ISIS como um produto do apoio a terroristas dado pelas monarquias do Golfo e pela Turquia, as milícias declararam que Assad encontra-se no coração da atividade terrorista na Síria.

Os ataques a Paris marcam a primeira ocasião que o ISIS saiu da Asia Ocidental para organizar atentados no “inimigo distante” no Ocidente, indicando assim que assumiu a agenda de jihad global da Al Qaeda. Novamente, embora ainda não se saiba se os ataques a Paris foram realizados por membros locais do ISIS, criados no país, ou se houve alguma participação de especialistas da liderança central, é claro que o ISIS tem resiliência considerável e construiu, num curto período, redes que o habilitam a penetrar o cordão de segurança nas nações “desenvolvidas”.

Cumplicidade ampliada

As monarquias do Golfo Pérsico lideradas pela Arábia Saudita, a Turquia e os EUA emergem desse imbroglio com pouco crédito. Os sauditas têm continuam focados na mudança de regime na Síria. Isso permitira transformar a guerra civil que se trava lá num grande confronto sectário, no qual Riad apoiara grupos jihadistas, incluindo o Jabhat al-Nusra (um grupo ligado à Al-Qaeda) em sua guerra por procuração contra o Irã. O presidente turco Recep Tayyip Erdogan, nas etapas iniciais do conflito sírio, estava igualmente obcecado com derrubar Assad, visto como um defensor dos curdos sírios contra a Turquia. Erdogan permitiu o livre fluxo de jihadistas através da fronteira turca com a Síria, o que reforçou as fileiras do ISIS.

A atitude dos EUA tem sido a mais débil e sem princípios: enquanto inicialmente rejeitava o envolvimento militar direto na Síria, Washingto deu apoio aos sauditas, em troca do apoio das monarquias do Golfo a o acordo nuclear com EUA-Irã. Por isso, os jihadistas dominaram a oposição ao governo sírio. Muitos dos grupos anti-Assad negociavam suas armas com o ISIS ou simplesmente juntavam-se a suas fileiras. Mais tarde, os EUA viram a entrada da Rússia na Síria como uma ameaça à sua hegemonia global, e trabalharam com as monarquias do Golfo para enfraquecer o esforço militar russo, fornecendo aos terroristas mísseis TOW mais eficazes contra tanques russos.

Contudo, recentes relatórios dos EUA sugerem uma culpa ainda mais grave por parte dos norte-americanos. O tenente-general Michael Flynn relatou, em agosto deste ano, que, após o fracasso militar dos EUA no Iraque, em 2006, o grupo de falcões norte-americanos conhecido como “neoconservadores” (neocons) persuadiu o vice-presidente Dick Cheney a apoiar iniciativas para derrubar o regime de Assad criando “uma cunha entre a Síria eo Hezbollah”. Isso seria feito apoiando a criação de um “principado salafista” no leste da Síria. Segundo os relatórios, foi o início do apoio da Arábia Saudita e de outras monarquias do Golfo aos jihadistas sunitas no Iraque – que depois metamorfosearam-se em ISIS. O Conflicts Forum, que publicou o relatório, conclui: “A jihadização do conflito sírio foi uma decisão política ‘intencional’ [do governo dos EUA].”

Em comentários públicos feitos em outubro de 2014, o vice-pesidente Joe Biden colocou o dedo na ferida. Ele reconheceu: “… na Síria, nosso maior problema foram nossos aliados na região. Estavam tão determinados a derrubar Assad e promover uma guerra entre sunitas e xiitas … [que] ofereceram centenas de milhões de dólares e dezenas, milhares de toneladas de armamentos a qualquer um que lutasse contra Assad. Não importava se estes grupos eram parte da Al-Nusra e Al-Qaeda, ou jihadistas vindos de outras partes do mundo.”

O caminho que o ISIS fez, da Síria a Paris, tem origem em Washington.


Tamiz Ahmad é ex-embaixador da Índia na Arábia Saudita, Oman e União dos Emirados Árabes.


Fonte: OUTRAS PALAVRAS
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quinta-feira, 19 de novembro de 2015

COP - 21. Humanismo, Espiritualidade e Ecologia - Um Outro Mundo é Possível


   
                                            Appellatio

                       Fraternitatis Rosae Crucis


Primeira edição: setembro de 2015
Todos os direitos reservados

                                MANIFESTO
Caro leitor,

Em 1614, há portanto quatrocentos anos, uma misteriosa Fraternidade se deu a conhecer quase simultaneamente na Alemanha, na França e na Inglaterra através da publicação de um Manifesto intitulado "Fama Fraternitatis Rosae Crucis". Na época, esse texto suscitou muitas reações, sobretudo entre os pensadores, os filósofos e os responsáveis pelas religiões em vigor, particularmente aqueles da igreja católica. De modo geral, aquele Manifesto convocava uma Reforma universal, tanto no âmbito religioso quanto no político, no filosófico, no científico, no econômico etc. Segundo os próprios historiadores, a situação então era muito caótica em vários países da Europa, a ponto de se falar abertamente de "crise europeia". 

Lembremos que o "Fama Fraternitatis" foi seguido de dois outros Manifestos: o "Confessio Fraternitatis" e as "Bodas Alquímicas de Christian Rosenkreutz", publicados respectivamente em 1615 e 1616. Os autores desses três Manifestos invocavam a Fraternidade dos Rosacruzes e pertenciam a um círculo de místicos conhecido pelo nome de "Círculo de Tübingen". Todos eram apaixonados por hermetismo, alquimia e cabala. Alguns anos mais tarde, em 1623, essa Fraternidade se deu a conhecer ainda mais pela publicação, nas ruas de Paris, de um cartaz enigmático: "Nós, Deputados do Colégio principal da Rosacruz, demoramo-nos visível e invisivelmente nesta cidade pela graça do Altíssimo…".

O objetivo deste "Appelatio" não é expor a história dos rosacruzes e nem tampouco os seus ensinamentos. Através dele, nós desejamos antes celebrar o quadringentésimo aniversário da publicação do "Fama Fraternitatis", Manifesto fundador da Ordem Rosacruz no plano histórico.

Se especificamos "histórico" é porque no plano tradicional essa Ordem tem suas origens nas Escolas de Mistérios do antigo Egito, durante a XVIII Dinastia. Michael Maier, célebre rosacruz do século XVII, declarou, além disso, em uma de suas obras: "Nossas origens são egípcias, bramânicas, oriundas dos mistérios de Elêusis e da Samotrácia, dos Magos da Pérsia, dos Pitagóricos e dos Árabes".

Fiéis à nossa Tradição, publicamos em 2001 um Manifesto intitulado "Positio Fraternitatis Rosae Crucis," no qual comunicamos nossa posição quanto ao estado da humanidade, sobretudo através dos âmbitos maiores de sua atividade: a economia, a política, a tecnologia, a ciência, a religião, a moral, a arte etc., sem esquecer sua situação no plano ecológico. Esse Manifesto, que alguns historiadores situam na linha dos três precedentes, foi lido ao redor do mundo por milhões de pessoas e foi tido por muitas delas como um suporte para reflexão e meditação. Em certos países, sua leitura foi aconselhada aos estudantes; em outros, foi posto à disposição do público nas bibliotecas municipais e nacionais; para não falar de todos aqueles e aquelas que o reproduziram pela internet.

Quatro séculos após o "Fama" e treze anos após o "Positio", pareceu-nos necessário ecoar novamente as nossas preocupações quanto à humanidade. De fato, o tempo passa, mas o futuro que se esboça de década em década e ano após ano é muito preocupante. A "crise", como a chamamos comumente, parece ter-se instalado permanentemente em muitos países. Todavia, não somos pessimistas quanto ao futuro, e menos ainda apocalípticos. Nas "Profecias dos Rosacruzes", publicadas em dezembro de 2011, pode-se além disso ler a esse respeito: "Somos otimistas quanto ao futuro… Para além das aparências, o período conturbado que atravessamos constitui uma ‘passagem obrigatória’ que deveria permitir que a humanidade se transcendesse e renascesse para si mesma".

Assim como o "Positio", o "Appellatio" não se dirige a uma elite, qualquer que seja, mas a todos aqueles e aquelas que tomarem conhecimento de sua publicação e dedicarem tempo para lê-lo. Alguns o julgarão talvez um pouco alarmista, outros sobretudo utopista. Certamente, ele não é dogmático e nem ideológico. Através dele, queremos simplesmente exprimir ideias que não são novas e nem tampouco originais em si mesmas, sobretudo para os rosacruzes, mas que, para nós, merecem mais do que nunca uma reflexão. Com efeito, desejamos lançar um apelo à espiritualidade, ao humanismo e à ecologia, condições necessárias, segundo o nosso parecer, para que a humanidade se regenere em todos os planos e encontre a felicidade a que aspira.

O Supremo Conselho da AMORC   

                       CHAMADO À ESPIRITUALIDADE

Em nosso entender, a crise que grassa em muitos países, para não dizer em todos, não é unicamente social, econômica e financeira. Estas são as consequências de uma crise de civilização, no sentido global do termo. Em outras palavras, é a humanidade como tal que está em crise. Mas em crise de quê? Ainda que tenhamos respondido em parte a essa questão no "Positio", parece-nos necessário voltar a esse ponto e especificar o nosso pensamento. Aos olhos de nossa filosofia e de nossos ideais, consideramos que se trata de um dever que implica tanto os rosacruzes quanto os cidadãos do mundo que somos. Nesse particular, e ao contrário daquilo que podem dizer a respeito de nós, a importância que atribuímos à espiritualidade jamais ocultou o interesse que manifestamos pela materialidade, sobretudo porque o objetivo último de nossa busca é desde sempre a conquista do domínio da vida. 

Em primeiro lugar, pensamos que a humanidade está em "crise de espiritualidade". Em nosso entender, esta situação tem duas causas principais: as grandes religiões estabelecidas há vários séculos não respondem mais às questões existenciais formuladas pelos homens e mulheres de nossa época. Suas doutrinas, assim como sua moral, não estão mais adaptadas, o que explica o porquê de serem cada vez mais abandonadas, criando com isso um grande vazio espiritual que muitas pessoas não tentam nem mesmo preencher. Paralelamente, nos países ditos desenvolvidos a sociedade se tornou cada vez mais materialista, no sentido de que incita as pessoas a procurar o bem-estar através das possessões materiais e do consumo desenfreado. Essa tendência aumentou consideravelmente o poder do dinheiro e perverteu o seu uso. De meio, ele passou a ser um fim em si, uma coisa a qual se gosta de possuir como tal, ao passo que, por si mesmo, ele não é nada. 

Isso quer dizer que as religiões atuais não têm futuro? Antes de responder a essa questão, devemos lembrar que nós as respeitamos todas naquilo que elas têm de mais nobre a oferecer aos seus fiéis para que vivam sua fé no cotidiano. Contudo, como havíamos dito anteriormente, as consciências e as mentalidades evoluíram muito desde a aparição delas, de modo que seus credos parecem superados aos olhos de muitíssimas pessoas, sobretudo dos jovens. Não tendo sabido, podido ou querido atualizar seus ensinamentos, acreditamos que elas correm o sério risco de desaparecer a médio prazo. Neste caso, delas não restará nada além dos monumentos que elas originaram no decurso dos séculos, assim como os textos a elas relativos, dentre os quais aqueles que são considerados como sagrados, tais como a Bíblia, o Corão, os Upanishads, o Tripitaka etc.

Para voltarmos à questão do dinheiro, não se trata de cairmos no caricato ou na demagogia. Enquanto moeda de troca, ele é uma necessidade para se viver em sociedade. Todos necessitamos dele para que obtenhamos aquilo que é necessário ao nosso bem-estar material e para satisfazer os prazeres legítimos que a existência pode oferecer. Porém, com o tempo ele adquiriu importância excessiva, a ponto de condicionar e reger praticamente todos os setores da atividade humana. Em nossos dias, ele é objeto de um verdadeiro culto que faz as vezes de religião, sendo provavelmente aquela que tem o maior número de adeptos ao redor do mundo. Infelizmente, sacrificam-se diariamente, nos altares do dinheiro, os valores éticos mais elementares (a honestidade, a integridade, a equidade, a solidariedade etc.), de modo que ele constitui mais do que nunca um vetor de degradação. 

Pelo que acabamos de dizer, não deduza que os rosacruzes são partidários do "voto de pobreza" e que eles acham que a riqueza material é incompatível com a espiritualidade. Desde que o ser humano apareceu sobre a Terra, ele sempre buscou melhorar suas condições de vida e ser feliz. Essa tendência faz parte de sua natureza profunda e se inscreve nesse processo a que chamamos "evolução". Isso não quer dizer que o objetivo da existência seja se tornar rico, mas não é natural, nem tampouco normal, aspirar a ser pobre. Além disso, o fato de estar desprovido material ou financeiramente não faz do indivíduo alguém melhor no plano humano e não é um critério de elevação espiritual, assim como também não o é o fato de ser rico. 

Em nosso entender, a felicidade a que os seres humanos aspiram mais ou menos conscientemente reside num equilíbrio entre o material e o espiritual, e não na exclusão de um em relação ao outro. Eis a razão pela qual todo indivíduo que se consagra unicamente à espiritualidade, a ponto de se privar dos prazeres legítimos da vida, não pode ser feliz. O mesmo pode-se dizer daquele que faz das possessões materiais o único fundamento de seu bem-estar. É isso que explica o porquê de muitas pessoas consideradas abastadas serem infelizes no mais profundo de si mesmas. Se isso ocorre é porque elas sofrem de um vazio interior que nem mesmo "todo o ouro do mundo" poderia preencher. Nesse particular, todos conhecem o adágio que diz que "o dinheiro não traz felicidade", ainda que contribua efetivamente para ela. 

Se admitirmos que o ser humano não se limita a um corpo material mantido em vida por um conjunto de processos físico-químicos, mas que possui também uma alma, compreenderemos facilmente que ela também necessita de certa forma de nutrição: a espiritualidade. Mas o que é a espiritualidade? Conforme o que dissemos antes, a espiritualidade transcende a religiosidade. Em outras palavras, ela não se limita a crer em Deus e a seguir um credo religioso, por mais respeitável que ele seja. Ela consiste antes em buscar o sentido profundo da existência e a despertar gradualmente aquilo que há de melhor em nós mesmos. Ora, essa busca de sentido e de aperfeiçoamento está cruelmente ausente dos nossos dias, de onde o estado caótico do mundo e o marasmo em que ele está mergulhado há várias décadas. 

A maioria das pessoas, de todos os países e nações, tem o sentimento de se encontrar num túnel escuro cujo final ninguém distingue, nem mesmo aqueles e aquelas que dirigem e governam essas nações. Além disso, elas não têm consciência de que a luz que esperam ver despontar só pode vir delas mesmas, e não de uma causa que lhes seja exterior. Isso nos reconduz à espiritualidade e à necessidade de buscar em outra parte, que não a materialidade, as soluções para os problemas que se apresentam à humanidade. Mas talvez você faça parte do grupo dos que não admitem a existência da alma, o que é naturalmente seu direito. Nesse caso, e se você nos permitir, deixe-nos propor-lhe as seguintes perguntas e dê a si mesmo um tempo para respondê-las por si:

• A que você atribui aquilo a que se chama comumente de "voz da consciência"?

• Como você explica a aptidão do ser humano em demonstrar, entre outras virtudes, a benevolência, a generosidade, a compaixão e o amor?

• Você realmente acha que as mais belas obras de arte, sejam na pintura, na escultura, na música ou qualquer outra, se originam unicamente na mente daqueles e daquelas que as criam?

• Como você explica que milhões de homens e mulheres ao redor do mundo tenham experimentado a morte clínica e voltado à vida com a lembrança daquilo que "viram" e "escutaram" naquilo a que se chama correntemente de "além"?

• Você acha mesmo que, se a existência da alma fosse uma quimera, os maiores pensadores e filósofos que a humanidade conheceu a teriam admitido como uma evidência?

Acreditamos que todo ser humano possui uma alma. Do nosso ponto de vista, é ela que faz de cada um de nós um ser vivo e consciente, capaz de pensar e de sentir emoções. É nela também que reside aquilo que há de melhor na natureza humana. Se vivemos na Terra, é precisamente para nos conscientizarmos de suas virtudes e as exprimirmos através de nossos julgamentos e de nossa conduta. Infelizmente, pouquíssimas pessoas, inclusive entre aqueles que creem, se dedicam a isso, o que explica por que a malevolência, a intolerância, o egoísmo, a inveja, o orgulho e o ódio são tão presentes nesse mundo, com tudo aquilo que deles resulta em termos de injustiça, conflitos, desigualdade e sofrimento. Nesse particular, é verdade que o mal só existe na ausência do bem e que ele se origina unicamente no comportamento humano. Ele não é portanto obra de Deus, ou tampouco do diabo, que aliás nunca existiu, assim como também não existem os demônios que pretensamente trabalhariam a serviço dele.

E o que dizer agora sobre Deus? Durante séculos, aqueles que creem viram Nele um Ser antropomórfico localizado nalguma parte dos céus e presidindo o destino de todos os seres humanos. Preocupados em agradá- Lo a fim de obter Seus favores, eles seguiram, e ainda seguem, os preceitos pregados pelas religiões, as quais se apoiam para tanto em seus livros sagrados. No entanto, pelas evidências, crer em Deus e se conformar a um credo que se diz inspirado por Ele não basta para ser feliz. Caso contrário, os bilhões de fiéis que vivem no mundo seriam felizes, excluindo os ateus. Ora, este não é o caso. Isso quer dizer que a felicidade a que todo ser humano aspira se situa além das crenças religiosas. Ela reside de fato na espiritualidade, no sentido que demos anteriormente a esse termo. 

Antes de lhe darmos o nosso conceito de Deus, permita-nos dizer por que acreditamos que Ele existe e por que o ateísmo, ainda que respeitável por si, é um erro de julgamento. Seja você alguém que crê ou não, ninguém pode negar a existência do universo. Ora, do ponto de vista racional, ele é necessariamente o efeito de uma causa criadora. E uma vez que ele é regido por leis que assombram os próprios cientistas, isso quer dizer que essa causa é muito inteligente. Logo, por que não compará-la a Deus e ver Nele a Inteligência absoluta e impessoal que está na origem da Criação? Lembremos, caso seja necessário, que o universo se reduzia originalmente a um centro de energia com a dimensão de um átomo, o qual continha potencialmente o conjunto das galáxias, das estrelas, dos planetas e dos astros que existem atualmente, dentre os quais a própria Terra.

A verdadeira questão que se pode e se deve formular a respeito de Deus não seria portanto saber se Ele existe ou não, mas saber em que medida Ele intervém na vida dos seres humanos. Em nosso entender, Ele o faz na medida do respeito que concedemos às leis através das quais Ele se manifesta no universo, na natureza e no próprio ser humano. Isto pressupõe estudá-las, que é aquilo a que os rosacruzes sempre se consagraram. Você notará que essa abordagem de Deus e do papel que Ele desempenha em nossa existência tem uma conotação antes científica do que religiosa. A AMORC, além disso, jamais se opôs à ciência; exatamente o contrário. É por isso que a Universidade Rose-Croix Internacional, que ela apadrinha desde o começo do século XX, comporta, entre outras, uma seção de ciências físicas. 

Mais do que nunca, é chegado o tempo de se passar das crenças religiosas à espiritualidade, ou seja, de substituir definitivamente a crença exclusiva em Deus pelo conhecimento das leis divinas, no sentido de leis universais, naturais e espirituais. É nesse conhecimento e na sabedoria que dele resulta que se situa o bem-estar que todos procuramos, inclusive o bem-estar material. Um antigo adágio rosacruz enuncia que "é da ignorância, e apenas da ignorância, que o homem deve se libertar". É ela de fato que está na origem daquilo que o ser humano pode fazer de pior contra si mesmo, contra outrem e contra seu meio. É nela também que residem as diversas superstições que degradam a humanidade e a impedem de se desabrochar plenamente. Dê então à sua vida uma orientação espiritualista. Em outras palavras, não seja apenas um ser vivo; seja uma alma vivente…

Talvez você esteja se perguntando o que achamos da laicidade. Enquanto as religiões clássicas ou modernas, ocidentais ou orientais, se fundarem sobre dogmas e se estruturarem de acordo com sistemas autocráticos, acreditamos que a laicidade será uma necessidade absoluta, a fim de preservar a sociedade de todo desvio teocrático. Entretanto, esperamos que chegue o tempo em que a espiritualidade, enquanto busca de conhecimento e de sabedoria, fará parte dos costumes e condicionará a vida cidadã. Logo, a política será una com a filosofia e será portanto inspirada pelo "amor pela sabedoria", como o foi no apogeu da civilização grega. Lembremo-nos que esta civilização foi o berço da democracia e que a ela devemos, entre outras coisas, a noção de república. Lembremo-nos também que a maioria dos filósofos que lhe deram vida era espiritualista.

                        CHAMADO AO HUMANISMO

Se não responder favoravelmente ao nosso chamado à espiritualidade, nós lhe convidamos a dar prova de humanismo no cotidiano. Na "Declaração rosacruz dos deveres do Ser Humano", editada pela AMORC em setembro de 2005, está dito no artigo 10: "Todo indivíduo tem o dever de considerar a humanidade inteira como sua família e de se comportar em toda circunstância e em todo lugar como um cidadão do mundo, fazendo assim do humanismo a base de seu comportamento e de sua filosofia". É evidente que se todos os seres humanos assumissem esse dever uns para com os outros, a palavra "humanidade" se revestiria plenamente de seu sentido, de modo que ela seria na Terra a expressão viva da fraternidade na sua aplicação mais nobre e mais universal. Logo, pode-se pensar que a paz reinaria entre todos os povos e todas as nações. 

Mas o que quer dizer "ser humanista"? Em primeiro lugar, é considerar que todos os seres humanos são irmãos e irmãs de sangue e que as diferenças entre eles limitam-se às aparências. Contudo, não subscrevemos o dogma segundo o qual toda a humanidade teria sido originada de um único e mesmo casal original, no caso Adão e Eva, se fosse levar em conta o Antigo Testamento. Seja do ponto de vista ontológico ou do científico, tal afirmação não tem nenhum fundamento. De fato, tal descendência, sob efeito da consanguinidade, teria rapidamente engendrado degenerescências físicas e mentais. Em nosso entender, os seres humanos emergiram do reino animal, que foi ele próprio palco de uma longuíssima e lentíssima evolução da vida, tal qual ela se manifesta desde seu surgimento na Terra. De qualquer forma, partilhamos todos o mesmo genoma e o sangue que corre em nossas veias é fundamentalmente o mesmo. Mais do que uma fraternidade, nós formamos a humanidade como tal.

Como você sabe, alguns antropólogos citam três raças, ou mesmo quatro: branca, amarela, negra e vermelha. Há alguns anos, essa distinção foi abandonada pela maioria dos cientistas, que prefere substituí-la pela noção global de Raça Humana. Agindo assim, talvez eles esperem desarmar os racistas de qualquer argumento do tipo "fisiológico". Todavia, não é necessariamente ser racista admitir a existência de várias raças, sobretudo quando não se pode negar, por exemplo, que um europeu, um asiático e um africano correspondem a hominídeos que se distinguem bastante claramente no aspecto morfológico. O que é racista é pensar e dizer que haja uma raça superior às outras, notadamente aquela a qual se pertence. Um verdadeiro humanista considera que todos os seres humanos são células de um único e mesmo corpo: o corpo da humanidade.

Muitas pessoas tendem a preferir aqueles que pertencem à mesma "raça", que têm a mesma nacionalidade, que partilham das mesmas ideias políticas ou que seguem a mesma religião, pois isso as conforta e lhes dá segurança. Entretanto, isso não é uma razão para rejeitar os outros ou, pior ainda, para odiá-los. Um humanista digno desse nome respeita todas as diferenças, na condição de que, naturalmente, elas não ameacem nem a dignidade e nem a integridade das partes. Em outras palavras, ele dá prova de tolerância e não se comporta como se fosse ou se sentisse superior. Este é um sinal de inteligência, pois a intolerância, em todas as suas formas, é geralmente o apanágio da estupidez ou (e) do orgulho. Infelizmente, essa fraqueza, ou mais exatamente esse defeito, é um dos mais correntes, de onde os muitos conflitos que opõem os seres humanos entre si. 

A propósito da tolerância, lembremos que a AMORC tem por divisa "a mais ampla tolerância na mais irrestrita independência". É isso o que explica o fato de haver, entre os rosacruzes, cristãos, judeus, muçulmanos etc., assim como também pessoas que não seguem nenhuma religião. Alguns são até mesmo ateus, mas apreciam o caráter fraternal de nossa Ordem. Além disso, ela reúne desde sempre homens e mulheres de todas as categorias sociais e de opiniões políticas diferentes, e até mesmo opostas. Se, para além de suas diferenças, os rosacruzes são capazes de se respeitar mutuamente e de cultivar relações harmoniosas, por que a humanidade também não seria capaz disso?

Você certamente conhece o mandamento de Jesus: "amai-vos uns aos outros!", que ele explicita ao dizer que não se deve fazer aos outros aquilo que não se gostaria que fizessem a si. Seja você ateu ou crente, e nesse último caso crente de qualquer religião, não pode negar que esse mandamento resume em si mesmo o ideal de comportamento que todo indivíduo deveria seguir em suas relações com outrem. E se por um lado é perfeitamente possível não ver em Jesus nem um mestre espiritual, nem um messias e nem o redentor venerado no Cristianismo, por outro deve-se reconhecer que ele foi um humanista excepcional e que revolucionou os modos de sua época pregando a solidariedade e a paz, a ponto de exortar o amor aos inimigos.

A sociedade atual tornou-se excessivamente individualista, de modo que o "cada um por si" tornou-se algo cultural. Sob o efeito combinado do materialismo e da crise econômica e social que o mundo vivencia há muitas décadas, cada vez mais pessoas tendem a se preocupar unicamente com seu próprio bem-estar pessoal e a permanecer indiferentes ao bem-estar de outrem. Tal atitude distancia os cidadãos uns dos outros e contribui para desumanizar a sociedade. A isso acrescenta-se o fato que os meios de comunicação tomaram o lugar das trocas diretas, de modo que já não se dedica verdadeiramente tempo para se conversar com aqueles que são próximos ou com os vizinhos, ao passo que é motivo de orgulho o fato de se ter muitos amigos (virtuais) nesta ou naquela rede social. Que paradoxo! Reaprendamos a dialogar no contato físico com os outros, de coração a coração, para não dizermos de alma para alma…

Pode-se ler no "Positio": "Constatamos que a defasagem não cessa de se ampliar entre os países mais ricos e os países mais pobres. Pode-se observar o mesmo fenômeno em cada país, entre os mais desprovidos e os mais favorecidos". A situação não parou de piorar desde então. Nenhum humanista pode se conformar a esta situação, sobretudo porque a pobreza e a miséria não são uma fatalidade, mas sim o resultado de uma má gestão dos recursos naturais e dos produtos da economia local, regional, nacional e mundial. Em outras palavras, elas se devem essencialmente ao egoísmo dos seres humanos e à sua falta de solidariedade. Todavia, tenham eles consciência disso ou não, sua sobrevida depende mais do que nunca de sua aptidão para partilhar e cooperar, não apenas entre cidadãos de um mesmo país, mas também entre países. Em termos místicos, diremos que, sob efeito da globalização, seus respectivos carmas estão ligados de tal maneira que nenhuma nação poderá prosperar doravante a longo prazo se não se preocupar com aquelas que ainda estão em estado de necessidade. 

Como acabamos de nos referir à globalização, acreditamos que ela é irreversível e que é portanto inútil opor-se a ela. Desde que o ser humano surgiu sobre a Terra, ele jamais deixou de ampliar seu campo de ação e de relações, estendendo-se inicialmente de um clã a outro, depois de uma aldeia a outra, de uma cidade a outra, de um país a outro e, finalmente, de um continente a outro. Com o desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicação, o mundo se tornou um único país. Isto é uma evolução natural com a qual deveríamos nos alegrar, pois ela é um vetor de compreensão mútua e de paz entre os povos. No entanto, esse processo ainda está em seus primórdios e esbarra na diversidade das culturas, das mentalidades e dos sistemas econômicos e políticos, de modo que ainda está a exacerbar as desigualdades. Eis a razão pela qual pensamos que é preciso acelerá-lo e dar-lhe uma orientação humanista a fim de que ele beneficie o bem-estar de todos. 

Chegamos agora a outro ponto diferente: o individualismo não é o único obstáculo ao humanismo, tal como os rosacruzes o concebem e o esperam; há também a importância da qual se revestiram as máquinas desde a mecanização e a robotização da indústria. Ao passo que elas deveriam ter-se limitado a ajudar o homem em suas tarefas mais penosas e difíceis, elas acabaram por substituí-lo por razões de rentabilidade e de lucro. Essa mecanização excessiva da sociedade contribuiu não apenas para desumanizá-la como também para piorar essa enfermidade social que é o desemprego. É urgente, pois, recolocar o humano no lugar da máquina em todos os setores em que isso for possível e romper com esse dogma materialista que consiste em pensar e dizer que "tempo é dinheiro". 

Os seres humanos, porém, não são unicamente irmãos e irmãs de sangue, com todas as "raças" misturadas. São também almas-irmãs emanadas de uma mesma fonte espiritual, a saber, a Alma Universal. O que difere intrinsecamente entre eles é o seu nível de evolução interior, ou seja, o grau que eles atingiram na tomada de consciência de sua natureza divina. Acrescentamos que nós subscrevemos a ideia segundo a qual todo indivíduo se reencarna quantas vezes forem necessárias para realizar essa tomada de consciência e para atingir o estado de Sabedoria tal como podemos manifestá-lo na Terra. Se você admitir esse princípio, ou melhor, essa lei, compreenderá que as diferenças existentes entre os indivíduos quanto a sua maturidade, sua profundeza de espírito, seu sentido de responsabilidades e seu humanismo são devidas essencialmente ao fato que alguns viveram mais encarnações do que outros. Visto desse ângulo, nenhum ser humano é superior a outro; alguns são simplesmente mais evoluídos espiritualmente. 

Se não crer em Deus, um humanista deve ao menos ter fé no homem e em sua capacidade de se transcender para exprimir o melhor de si mesmo. Certamente, ao examinarmos a história da humanidade e sua situação atual, podemos ter o sentimento de que os seres humanos são profundamente individualistas e que se dedicam a se prejudicar mutuamente sob efeito de suas falibilidades e de seus defeitos. Entretanto, para além das aparências, eles evoluíram muito em consciência. Cada vez mais pessoas ao redor do mundo se insurgem contra as injustiças e as desigualdades, se manifestam contra as guerras e a favor da paz, denunciam as ditaduras e outros regimes totalitários, exortam a uma maior fraternidade, vêm em auxílio dos mais desfavorecidos, se engajam na preservação da natureza etc. Se isso ocorre é porque todo ser humano, sob impulso de sua alma, aspira, como disse Platão, àquilo que é bom, ao bem e à verdade. É preciso simplesmente que ele tome consciência disso e que aja em consequência. 

No decurso da história, os seres humanos mostraram que são capazes de realizar coisas extraordinárias quando convocam aquilo que há de mais nobre e de mais engenhoso na natureza humana. Seja no âmbito da arquitetura, da tecnologia, da literatura, das ciências e das artes, ou ainda no das relações entre os cidadãos de um mesmo país ou de países diferentes, eles souberam dar prova de inteligência, de criatividade, de sensibilidade, de solidariedade e de fraternidade. Essa constatação por si mesma é reconfortante, pois confirma que o ser humano é inclinado a fazer o bem e a trabalhar para a felicidade de todos. É precisamente por essa razão que é preciso ser humanista e ter fé nele.

                            CHAMADO À ECOLOGIA

Em nosso entender, não é possível ser um humanista se não se for um ecologista. De fato, como é possível querer a felicidade de todos os seres humanos sem se preocupar com a preservação do planeta em que vivem? Ora, todos sabem que ele está em perigo e que a humanidade é imensamente responsável por isso: poluição de diversos tipos, destruição dos ecossistemas, desflorestamento excessivo, massacre de espécies animais etc. Quanto ao aquecimento climático, a grande maioria dos cientistas está de acordo em dizer que a atividade humana, se não o provocou, ao menos o acelerou intensamente, sobretudo por causa dos gases de efeito estufa. Além disso, muitos deles estabelecem uma ligação entre esse aquecimento e o aumento do número de tempestades e de cataclismos de todos os tipos, com tudo aquilo que resulta disso em termos de perdas humanas e de destruição material. De qualquer forma, é evidente que se nada for feito a curto prazo em escala mundial para se pôr fim aos males que infligimos ao nosso planeta, ele se tornará inviável para bilhões de pessoas, e talvez mesmo para toda a humanidade. 

Nas civilizações antigas, a Terra era considerada a Mãe de todos os seres vivos e era objeto de um culto, o da Mãe-Terra. Em nossos dias, há pouquíssimos povos ancestrais, tais como os aborígenes da Austrália, os indígenas da Amazônia e os pigmeus da África, para citarmos apenas os mais conhecidos, que conservaram esse estado de espírito. Os outros seres humanos de hoje, por sua vez, passaram a considerá-la antes de tudo como uma fonte de lucros diversos, a ponto de explorá-la para além dos limites do razoável e em detrimento de sua saúde. Se falamos em "saúde" relacionada ao nosso planeta, isto se deve ao fato que para nós é evidente que ele é um ser vivo e mesmo consciente. Para se convencer disso basta refletir sobre as forças de vida que ele exibe na natureza e sobre a inteligência que ele exprime através de seus diferentes reinos, para não falarmos de tudo aquilo que compõe a sua beleza. Isso é tão verdade que até mesmo um ateu tende a divinizá-la e a considerá-la uma obra mestra da Criação. 

De acordo com os cientistas, a Terra surgiu há cerca de quatro bilhões e meio de anos, a vida há cerca de quatro bilhões de anos e o homem há cerca de três milhões de anos. Porém, em menos de um século, nós a afetamos de tal forma que seu futuro, e o nosso, estão ameaçados a tal ponto que seu estado é agora objeto de reuniões de cúpula internacionais. Infelizmente, essas reuniões permanecem na teoria e se traduzem por decisões consensuais que estão longe de serem suficientes para reverter a situação. Preocupada em contribuir com o despertar das consciências em matéria de ecologia, a AMORC publicou em 2012 uma "Exortação para uma Ecologia Espiritual", que foi lida no Senado do Brasil por ocasião da "Cúpula da Terra" realizada no Rio de Janeiro. Outros colóquios desse gênero ocorreram em diversos países, porém as decisões anunciadas permanecem sendo ridículas face à situação e ainda acabam por sempre esbarrar nos interesses socioeconômicos de uns e outros. 

Os países desenvolvidos, dentre os quais os mais ricos do mundo, chegaram a esse estado porque em sua maioria privilegiaram a economia em detrimento da ecologia. É evidente que se as nações em vias de desenvolvimento seguirem o mesmo modelo econômico, fundado sobre a superprodução e o superconsumo, os problemas ambientais que enfrentamos vão crescer e se agravar em grandes proporções. Em nossos dias, esta é lamentavelmente a via que seguem essas nações emergentes, e não poderíamos condená-las, haja vista o exemplo que lhes foi dado. No estado atual das coisas, resta-nos esperar que elas rompam, apesar de tudo, com esse modelo e o substituam por um sistema que associe economia e ecologia. Esta seria uma lição bela e útil a toda a humanidade.

Os rosacruzes não são inocentes sonhadores preocupados unicamente com o aspecto espiritual da existência. Certamente, somos místicos, no sentido etimológico do termo, ou seja, no sentido de homens e mulheres que se interessam pelo estudo dos mistérios da vida, mas sabemos que é aqui nesse plano que é preciso instaurar o paraíso que as religiões situam no além. Para tanto, os seres humanos devem aprender a gerir com sabedoria os recursos naturais e os produtos criados por eles, de onde a necessidade de agir de modo que a economia, em todos os níveis e aspectos, beneficie com equidade todos os povos e todos os seus cidadãos, com respeito à dignidade humana e à natureza.

O que poderia levar os seres humanos a desenvolver uma economia ecológica? O medo de serem vítimas do aquecimento climático e das catástrofes naturais que são atribuídas a eles? Aparentemente não, pois o comum dos mortais tende a pensar que isso só acontece com os outros. Enquanto não são atingidos pessoalmente e não sofrem com isso, se limitam geralmente a se compadecer das vítimas dessas calamidades, participam eventualmente desta ou daquela operação caritativa em favor dos afligidos e retomam o curso de sua vida esperando serem poupados desse tipo de catástrofe. Será necessário que muito mais pessoas sejam afetadas ainda, inclusive e talvez sobretudo nos países desenvolvidos e ricos, para que a humanidade se renda por fim às evidências? É fato que nossa Mãe, a Terra, está muito doente e arrisca se tornar inviável para um número muito grande de seres humanos. 

Independentemente do número crescente de pessoas afligidas pelas catástrofes naturais que se multiplicam em todas as partes do mundo, é preciso observar também que, de acordo com alguns cientistas, a expectativa de vida, que não havia cessado de aumentar no decurso das últimas décadas na maior parte dos países, começa a diminuir. Paralelamente, o número de cânceres está em altíssimo crescimento. Por quê? Em grande parte porque o ar que respiramos, a água que bebemos e a comida que consumimos estão gravemente poluídos (nitratos, fosfatos, pesticidas, colorantes, conservantes), o que acarreta inevitavelmente desordens orgânicas, celulares e mesmo genéticas. Se a isto acrescentarmos que o consumo de álcool, de tabaco e de outras drogas também cresce exponencialmente, não é espantoso constatar que a saúde do ser humano também esteja ameaçada a curto prazo.

Outro perigo, e não dos menores, ameaça a saúde de um grande número de indivíduos: a abundância de ondas eletromagnéticas emitidas pelos computadores, telefones celulares e outros aparelhos eletrônicos. Ainda somos imprudentes quanto a essa poluição eletromagnética, mas não resta nenhuma dúvida quanto ao fato que ela origina várias doenças. Não se trata de colocar em xeque a utilidade desses aparelhos, mas tudo deve ser feito para que sua utilização não seja um vetor de diversas patologias, o que implica a responsabilidade daqueles que os fabricam e os vendem. Além disso, muitos utilizadores carecem de informação quanto ao uso que fazem dessas facilidades, no sentido de que abusam delas em detrimento de seu bem-estar. À guisa de exemplo, constatou-se que o número de tumores no cérebro aumentou consideravelmente desde a aparição do telefone celular, notadamente entre os jovens. 

Porém, existe uma poluição mais metafísica a afetar a humanidade: os pensamentos negativos que os seres humanos geram sob efeito do ódio, da crueldade, do rancor, da intolerância, da cólera, da inveja etc. Em primeiro lugar, tais pensamentos agem negativamente sobre as pessoas que os mantêm ou que os emitem, ainda que elas não tenham consciência disso objetivamente. Com o tempo, eles acabam por lhes causar problemas físicos ou psicológicos que podem provocar graves doenças. Em segundo lugar, eles infestam o inconsciente coletivo e o impregnam de vibrações negativas que, por sua vez, alimentam situações de ódio, crueldade, rancor etc. Inversamente, todo pensamento positivo beneficia não apenas a pessoa que o originou como também a consciência coletiva da humanidade. Sabendo disso, os rosacruzes se dedicam arduamente há séculos àquilo que eles designam pelo nome de "alquimia espiritual". 

Quem fala em doença, fala em medicina! Se é preciso por um lado reconhecer que esta última, a exemplo da cirurgia, fez grandes progressos e muito contribuiu para a melhoria da saúde, por outro ela não está isenta de falibilidades e mesmo de descaminhos. Como a maioria dos âmbitos de atividade humana, ela sofre a influência do dinheiro, a ponto de ficarmos tentados a dizer que a doença é o "fundo de comércio" dos grandes laboratórios farmacêuticos. Em nossos dias, demonstrou-se que um grande número de medicamentos são placebos e não têm outros efeitos senão aqueles que se lhes atribuem. Dentre aqueles cujas virtudes terapêuticas são verdadeiras, alguns trazem efeitos colaterais desastrosos. A mesma constatação se impõe a respeito de muitas vacinas, das quais sabemos que algumas estão sendo investigadas devido à suspeita de terem contribuído para a destruição das defesas imunológicas naturais do ser humano. Mais uma vez insistimos no fato que não rejeitamos a medicina e nem a cirurgia, mas dizer que tanto uma como a outra teriam por único objetivo cuidar e tratar seria pura hipocrisia. 

Seja no domínio médico ou em outro, os seres humanos devem se manter o mais próximo possível da natureza. Ao se desgarrarem dela, rompem com as leis naturais e vão contra o seu próprio bem-estar. Contudo, por ignorância, orgulho e ganância, eles se empenham há muito tempo em querer dominá-la, ao passo que deveriam cooperar com ela. Cegados por sua vaidade, eles se esqueceram de que a inteligência de que ela dá provas é infinitamente maior do que a da humanidade e que seu poder não tem praticamente nenhum limite a não ser aqueles que ela própria impõe a si. Com certeza os Homo Sapiens Sapiens, nome que os cientistas deram à nossa espécie e que significa literalmente "homem que sabe que sabe", ainda estão muito longe de saber o essencial: eles devem tudo à natureza e nada são sem ela. 

Para nós, a Terra não é unicamente o planeta em que vivem os seres humanos. Ela serve também como palco de sua evolução espiritual e permite que cada um deles atinja a plenitude enquanto alma vivente. Ela tem portanto uma vocação ao mesmo tempo terrestre e celeste, o que os mais sábios dentre os pensadores e filósofos, de todos os tempos e de todos os lugares, ensinaram. Enquanto a humanidade não tomar consciência dessa verdade e não agir em conformidade com ela, o materialismo e o individualismo que prevalecem atualmente se amplificarão com todas as consequências negativas que deles derivam em termos de consequências contra ela própria e contra a natureza. Mais do que nunca é urgente restaurar o Ternário que encontramos na base de todas as tradições esotéricas e que a própria civilização deveria adotar: Humanidade – Natureza – Divino. Enquanto ela não o fizer, se manterá no estado de sofrimento atual e não poderá alcançar o estado de harmonia a que foi prometida. 

Como todos sabem, a Terra também é um meio no qual vive uma miríade de animais, alguns em estado selvagem e outros em estado doméstico. Ora, eles também possuem alma – individual, no caso dos mais evoluídos; coletiva, no caso dos que são menos evoluídos. De fato, todos os seres vivos têm em comum o fato de serem animados pela Alma Universal e a Consciência que lhes é própria. Todavia, cada um deles, conforme o lugar que ocupa na corrente da vida e o organismo de que dispõe, manifesta essa Alma e essa Consciência num grau mais ou menos elevado. Esta é razão pela qual eles não têm o mesmo nível de inteligência e de sensibilidade. De qualquer forma, não existe nem vazio e nem fronteira entre os reinos da natureza, pois eles são animados pela mesma Força Vital e participam de um mesmo processo, o da Evolução Cósmica, tal como ela se manifesta em nosso planeta. Certamente, o reino humano é o mais avançado nesse processo. Porém, isso não lhe dá nenhum direito sobre os outros reinos. Ao contrário, lhe dá deveres…

                           EM CONCLUSÃO

Eis portanto as ideias que gostaríamos de partilhar consigo através desse "Appellatio". De fato, acreditamos que haja urgência em dar uma orientação espiritualista, humanista e ecológica aos nossos comportamentos individuais e coletivos. Não obstante, se houvesse uma prioridade a dar, esta seria a ecologia. Com efeito, se a humanidade chegasse a resolver permanentemente os problemas econômicos e sociais que se lhe apresentam ao mesmo tempo em que a Terra se torna inviável ou dificilmente habitável para a grande maioria de seus habitantes, que interesse e que prazer haveriam em se viver? A esse respeito, aqueles e aquelas que governam os países e as nações têm uma grande responsabilidade, no sentido de que têm o poder de tomar decisões e de agir de modo a aplicá-las. Entretanto, se os povos se desinteressam pela ecologia e nada fazem em seu próprio nível para preservar a natureza, é evidente que a situação não cessará de piorar e que as futuras gerações herdarão um planeta que não será mais do que a sombra daquilo que ele foi.

Em segundo lugar, e com o risco de lhe surpreender, é o humanismo, e não a espiritualidade, que deve ser privilegiado. Colocar o ser humano no coração da vida social, respeitando a natureza, só pode ser um vetor de bem-estar e de felicidade para todos, sem distinção. Isto pressupõe ver em cada pessoa uma extensão de si mesmo, além das diferenças e mesmo das divergências. Isso é uma tarefa difícil, pois cada qual tem um ego que tende a torná-lo individualista que o compromete a se preocupar antes de tudo consigo mesmo, com seus próximos e com as pessoas com as quais tem as mais diversas afinidades. Levada ao extremo, é essa atitude narcisista, e mesmo egoísta, que origina as discriminações, segregações, divisões, oposições, exclusões e outras formas de rejeição entre indivíduos. Opostamente, o humanismo é sinônimo de tolerância, de partilha, de  generosidade, de empatia e, numa única palavra, de fraternidade. Ele é fundado sobre a ideia de que todos os seres humanos são cidadãos do mundo.

A necessidade de ser ecologista é relativamente evidente quando se considera o estado do planeta. Da mesma forma, todo indivíduo suficientemente sensível e inteligente compreende por que é bom ser humanista, mesmo que ele próprio não o seja. Em contrapartida, não existe a priori nenhuma razão objetiva para que se seja espiritualista, sobretudo porque é impossível provar a existência da alma e de Deus, mesmo no sentido que os rosacruzes Lhe atribuem. Assim, mesmo que a espiritualidade nos pareça essencial para sermos felizes e darmos à vida toda a sua dimensão, compreendemos que se possa ser ateu. Porém, para nós é evidente que o universo, a Terra e a humanidade nada devem ao acaso e se inscrevem num Plano transcendental, para não dizer divino. É precisamente por essa razão que temos a faculdade de estudar a Criação e de nos interrogar sobre o sentido profundo da existência. Nesse particular, somos ao mesmo tempo atores e espectadores da Evolução Cósmica tal como ela se exprime no cosmos e em nosso planeta.

Talvez você seja ecologista e humanista, mas não espiritualista? A menos que seja profundamente materialista, isso quer dizer que, se não crê em Deus, ao menos tem fé na natureza e no homem, o que é ao mesmo tempo respeitável e louvável. Nesse particular, fazemos uma distinção entre um materialista e um ateu. Regra geral, o primeiro faz das possessões materiais o ideal de sua vida, geralmente em detrimento da natureza e sem se preocupar com os outros. O segundo, por sua vez, é na maioria das vezes um crente que se ignora ou que perdeu a fé, no sentido religioso do termo. De qualquer forma, pensamos que a espiritualidade (e não a religiosidade) é por si mesma um vetor de humanismo e de ecologia, pois, como explicamos anteriormente, ela se funda sobre o conhecimento das leis divinas, no sentido de leis naturais, universais e espirituais. Ora, quem quer que busque esse conhecimento, mesmo que não o tenha ainda adquirido, é por natureza idealista.

Segundo os antropólogos, a humanidade "moderna" surgiu há cerca de duzentos mil anos. Na escala de uma vida humana, ela pode parecer velha. Contudo, tendo em vista seus ciclos de evolução, ela está em sua adolescência e mostra todas as características dessa fase: está em busca de identidade, procura um destino, dá provas de imprudência e até mesmo de inconsciência, se acha imortal, abandona-se aos excessos, desafia a razão e ridiculariza o bom senso. Essa etapa evolutiva, com seu quinhão de dificuldades, provações e fracassos – mas também de satisfações, conquistas e esperanças –, é uma passagem obrigatória que deve permitir que ela cresça, amadureça, se desabroche e, finalmente, se realize plenamente, ou seja, que atinja a plenitude nos planos material e espiritual. Para isso, entretanto, ela deve se tornar adulta.

Em conclusão, e levando em consideração tudo o que foi dito, desejamos mais do que nunca que a humanidade adote uma orientação espiritualista, humanista e ecologista a fim de que renasça para si mesma e dê lugar a uma "nova humanidade" regenerada em todos os planos. Os rosacruzes do século XVII já faziam apelo a essa regeneração no "Fama Fraternitatis". Rejeitado pelos conservadorismos religiosos, políticos e econômicos da época, aquele apelo precursor foi ouvido apenas pelos pensadores livres. Tendo em vista a situação atual do mundo, pareceu-nos útil e necessário renová-lo abertamente, esperando que ele encontre dessa vez um eco favorável junto à maioria…

Que assim seja!

Selado em 6 de janeiro de 2014
Ano Rosacruz 3367

Fonte: AMORC - ORDEM ROSACRUZ