Ex-presidentes argentinos Carlos Menem e Fernando de la Rua
Alberto Fujimori, ex-presidente do Peru
Carlos Salinas, ex-presidente do México
Que fim levaram os líderes latino-americanos dos anos 1990?
Daqui a dez anos se poderá avaliar o destino dos atuais
presidentes, mas provavelmente entrarão para a história melhor que
antecessores
Wagner Iglecias, no Opera Mundi, via e-mail
A história da América Latina no século XX pode ser dividida, grosso
modo, em décadas. Nos anos 1960 e 1970, por exemplo, o continente esteve
imerso na lógica da Guerra Fria. Se, do lado de lá, na Cortina de
Ferro, Moscou exercia fortíssima influência em países como Hungria,
Polônia, Alemanha Oriental e Tchecoslováquia, do lado de cá, no “
pateo trasero”
dos EUA, Washington tinha grande peso sobre nações como Argentina,
Brasil e Chile, que viviam sob ditaduras militares, ou México, Colômbia e
Venezuela, que formalmente eram democracias.
Nos anos 1970, aliás, vários países latino-americanos experimentaram
altos índices de crescimento, por conta da tomada de dinheiro barato nos
mercados mundiais. Mas a festa acabou quando Ronald Reagan chegou ao
poder nos EUA e o Fed subiu as taxas de juros para os títulos do Tesouro
norte-americano. Ali, se enxugou a liquidez mundial e quebrou-se muitos
países endividados, como os da nossa região.
A década de 1980 foi de desmanche das ditaduras, que perdiam apoio à
medida que o fracasso econômico se acentuava. E foi também uma década de
reconstrução das instituições democráticas e de gerenciamento da massa
falida. José Sarney, no Brasil, e Raúl Alfonsin, na Argentina, foram
dois claros exemplos de presidentes que tiveram de lidar com o duplo
desafio de reconstruir a democracia e recolocar a economia nos eixos.
Miguel de La Madrid, no México, também, ao menos no caso da economia.
Num certo sentido foram todos eles líderes melancólicos, de uma época
onde havia poucos motivos para se comemorar alguma coisa.
Arrebatadores mesmo foram os líderes que chegaram ao poder nos anos
1990. A onda ideológica neoliberal varria a periferia do mundo e a
América Latina não ficou imune a ela. Pelo contrário, foi onde mais se
aprofundou as experiências de privatização de empresas estatais,
abertura comercial rápida e profunda e desregulamentação da economia.
Tudo visando criar bons ambientes de negócio para investidores
internacionais. Foi naquela época que gente como Carlos Menem
(Argentina), Carlos Salinas de Gortari (México), Gonzalo Sanchez de
Lozada (Bolívia), Alberto Fujimori (Peru), Carlos Andrés Pérez
(Venezuela) e Fernando Henrique Cardoso (Brasil) elegeram-se a partir do
sonho de retomada do crescimento e da equiparação das nossas sociedades
com os padrões de vida do mundo desenvolvido. Doce ilusão.
O sucesso das medidas neoliberais da década de 1990 duraram isso
mesmo, uma década. As medidas implantadas debelavam a inflação e atraíam
capitais, de fato. Mas também produziram quebradeira de empresas,
desemprego, recessão e em alguns casos reprimarização de nossas
economias. Aprofundou-se o grau de dependência em relação aos países
centrais. E a pobreza e a desigualdade aumentaram naquela década.
Finalmente em 1998 Hugo Chávez foi eleito presidente na Venezuela e
abriu a temporada de desmonte da grande frente neoliberal que comandava a
América Latina até ali. Depois dele, diversos partidos de esquerda, em
seus mais variados matizes, ganharam eleições e chegaram ao poder em
Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia, Paraguai e Equador. E mais
recentemente na Nicarágua, El Salvador e Costa Rica.
Mas por onde andariam, hoje, aqueles senhores que foram os ícones do
sonho neoliberal que campeou na América Latina há quinze, vinte anos
atrás? Aqueles que por um instante deram a impressão, a seus povos, de
que Francis Fukuyama estava certo e de que, a partir da primazia da
economia de mercado e da democracia liberal, havíamos finalmente chegado
ao “Fim da História”?
Carlos Menem, que governou a Argentina entre 1989 e 1999, teve altos
índices de popularidade enquanto conseguiu manter a paridade do peso com
o dólar. Aproveitou-se dela para alterar a Constituição e concorrer à
sua própria sucessão, algo proibido até então em seu país. Chegou a
desdenhar do Mercosul e dizer que seu país gostaria de ter uma relação
carnal com os EUA. No entanto encerrou seu governo de forma deprimente,
com a Argentina mergulhada numa profunda crise econômica que acarretou
sérias consequências políticas.
Outros dois dados de sua biografia política foram a anistia aos
generais da ditadura (1976-1982) e a prisão por conta de acusação de
tráfico internacional de armas. Tentou concorrer novamente à presidência
em 2003, contra Néstor Kirchner, mas acabou desistindo da eleição por
considerar que a vantagem obtida pelo adversário no 1º turno seria
insuperável no turno final. Algum tempo mais tarde aliou-se a Cristina
Kirchner e em 2011 foi eleito senador. Ano passado foi condenado pela
Justiça argentina a sete anos de prisão por seu envolvimento no caso do
tráfico de armas, mas conta com imunidade parlamentar e segue em
liberdade.
Carlos Andrés Pérez, homem forte da Venezuela entre 1989 e 1993,
havia sido presidente daquele país na década de 1970. Na época fez um
governo nacional-desenvolvimentista, criando inclusive a PDVSA, a
Petrobrás venezuelana. Reelegeu-se presidente no fim dos anos 1980 com
um discurso voltado ao social mas assim que tomou posse abraçou a agenda
do FMI (Fundo Monetário Internacional). Sua guinada à direita, com um
pacote de medidas econômicas altamente impopulares, originou o
Caracazo,
em fevereiro de 1989. Evento traumático da história venezuelana, no
qual milhares de manifestantes foram massacrados por forças oficiais. Em
1993 Andrés Pérez acabou sofrendo processo de impeachment por
corrupção. Ainda elegeu-se senador no fim daquela década, e depois
autoexilou-se na República Dominicana e na sequência em Miami, onde veio
a falecer em 2010.
Gonzalo Sanchez de Lozada, o Goni, governou a Bolívia entre 1993 e
1997. Chegou ao poder aliado a pequenos grupos de esquerda e movimentos
indigenistas. No entanto, implantou um duríssimo plano de ajuste
econômico destinado a acabar com a hiperinflação e privatizou diversas
empresas públicas. As consequências sobre as condições de vida dos mais
pobres foram terríveis. Conseguiu ainda voltar ao poder entre agosto de
2002 e outubro de 2003, período em que propôs novo ajuste, com fortes
perdas salariais aos trabalhadores, bem como o plano de exportação de
gás boliviano aos EUA através de um porto no Chile. Acabou deposto por
conta de imensa mobilização popular e fugiu para os EUA. Mora atualmente
em Miami. Em 2012, Lozada sofreu pedido de extradição aos EUA feito
pela Justiça boliviana, para que responda em seu país pelos atos de
repressão que resultaram na morte de 60 pessoas na época de sua
deposição. O pedido foi rejeitado por Washington, mas a Justiça
boliviana reapresentou o pedido agora em 2014.
Alberto Fujimori foi eleito presidente do Peru em 1990, e governou
até 2000. Em 1992, apoiado pelas Forças Armadas, patrocinou uma espécie
de autogolpe, fechando o Congresso, a Suprema Corte e o Ministério
Público. Adotou todo o receituário neoliberal, desregulamentando a
economia peruana radicalmente e criando condições para a atração de
investimentos estrangeiros. No entanto, viu explodirem a inflação e o
desemprego. Durante seu governo, promoveu uma intensa guerra contra os
movimentos guerrilheiros de esquerda, com destaque para o
desmantelamento do Sendero Luminoso.
Em 2000, durante uma viagem oficial à Ásia, renunciou à presidência e
pediu asilo político ao Japão, país onde muitos peruanos desconfiam que
ele teria nascido. Acabou sendo condenado em 2009 pela Justiça peruana a
25 anos de prisão pelos crimes como enriquecimento ilícito, corrupção,
evasão de divisas, sequestro e genocídio. Deixou o Japão e após breve
refúgio no Chile, foi extraditado ao Peru, onde cumpre pena. Apesar da
infraestrutura privilegiada de seu cárcere, Fujimori recentemente
solicitou à Justiça do país o
cumprimento do restante da pena em casa, alegando questões humanitárias. O pedido foi rejeitado.
Carlos Salinas de Gortari chegou ao poder no México em 1989, após uma
eleição marcada por denúncias de fraude e na qual ganhou por pequena
margem de um adversário esquerdista. Implantou um radical programa de
corte neoliberal, com destaque para a privatização de inúmeras empresas
estatais, de setores variados como telefonia, bancos, telecomunicações,
seguradoras, transporte aéreo e hotelaria. Foi de Salinas a iniciativa
de procurar os EUA e o Canadá para a criação do NAFTA (Tratado de Livre
Comércio da América do Norte), assinado em 1994. Suas medidas na
economia deram ao México índices de crescimento que não se via há
décadas, associados a uma queda radical da inflação. O país chegou
inclusive a ser aceito na OCDE, clube dos países mais ricos do mundo à
época, e era tratado como modelo pelo
mainstream econômico
mundial. No entanto, sua política cambial e sua política fiscal
resultaram tão desastrosas que desorganizaram as contas públicas do
país, a ponto de ocasionar a Crise Tequila. Ali o México faliu, dando o
pontapé inicial a uma série de graves crises econômicas na segunda
metade dos anos 1990, como no Leste Asiático, na Rússia, na Turquia e na
Argentina, entre outros países. Um mês após encerrar seu mandato, e
tendo Raul, seu irmão, preso por denúncias de corrupção, Salinas de
Gortari deixou o México rumo aos EUA e algum tempo depois se soube que
havia se autoexilado na Irlanda, país que não possuía tratado de
extradição com o México. Em 2004 Enrique, outro irmão seu, foi
encontrado morto em condições nunca totalmente esclarecidas. Retornou há
alguns anos ao México e é aliado do atual presidente Peña Nieto, que
reconduziu o Partido Revolucionário Institucional (PRI) ao poder após
doze anos na oposição.
Outros líderes políticos latino-americanos da década de 1990 também
adotaram o receituário neoliberal e também fracassaram. É o caso, por
exemplo, dos ex-presidentes Abdalá Bucaram, que governou o Equador entre
1996 e 1997, e Jamil Mahuad, que presidiu aquele país entre 1998 e
2000. Foi ele, Mahuad, que extinguiu o sucre, moeda nacional do Equador,
e adotou o dólar como moeda oficial. Vive hoje exilado nos EUA,
enquanto Bucaram está exilado no Panamá.
Daqui a dez anos se poderá avaliar o destino político, pós-poder, dos
atuais líderes latino-americanos. Hugo Chávez, ainda que contestado
pelos setores médios e ricos da população de seu país, faleceu como um
herói nacional na Venezuela. Cristina, por sua vez, também enfrenta
oposição na sociedade argentina, mas Lula terminou seu mandato como o
presidente mais popular da História do Brasil. Mujica em alguns dias
deixará a presidência do Uruguai também com altos índices de aprovação, e
Evo Morales e Rafael Correa são presidentes eleitos e reeleitos com
grande popularidade na Bolívia e no Equador, respectivamente. Muito
provavelmente todos eles entrarão para a História em páginas bem mais
gloriosas que seus antecessores da década de 1990.
Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP.
Fonte: VIOMUNDO
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1 - Final dos anos da década de 1940 e década de 1950 :
Término da segunda guerra mundial e divisão do mundo em dois blocos, comunistas e capitalistas. União Soviética exerce pressão e influência sobre os países do leste europeu e os EUA exerce influência sobre os países da América Latina.
2 - Décadas de 1960 e de 1970:
Países da América Latina influenciados pelos EUA, em sua maioria, abandonam a democracia e instalam ditaduras militares.
3 - Década de 1980:
Já com o neoliberalismo e a globalização econômica sendo costurados e implementados por EUA e Inglaterra, as ditaduras da América Latina passam por um processo de transição para uma democracia em ambiente neoliberal e globalizado, enquanto o lado comunista , liderado pela União Soviética desmorona.
4 - Década de 1990
Com o lado dos EUA - capitalismo - declarado vencedor, os países aderem ao Consenso de Washington, em total apoio e implementação do ideário neoliberal, tanto na América Latina como no leste europeu.
5 - Década de 2000
O neoliberalismo e a globalização econômica acentuam a exclusão social e aumentam a pobreza, fazendo surgir na América Latina, principalmente, governos ainda que inseridos na lógica da globalização neoliberal , mas com forte inclinação para construções de estados de bem estar social e mesmo do socialismo. Sociedade civil organizada, no mundo, contesta a globalização neoliberal e seus efeitos nefastos para vida dos povos.
6 - Década de 2010:
A crise econômica mundial que teve início na década de 2000, ainda se faz presente na entrada da segunda metade da década de 2010. A globalização neoliberal, e a crise econômica vigente, revelaram os limites da democracia para todos os países e, também revelaram o poder totalitário da globalização neoliberal.
2015 - O que virá ?
A democracia plena e participativa ou novos arranjos para conter ainda mais a democracia de fachada atual ?