quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Diários de Botequim - 3 Comunicação. Atenção! Atenção !

Diários de Botequim - 3   Comunicação.    Atenção !  Atenção !   Atenção !




Era apenas mais um dia, somente um dia. Uma tarde noite de sexta-feira, não diferente de outras tantas naquele lugar, com aquelas pessoas. No bar referência lá estavam Miltão, Ciro, Cardoso, Jadir, Nelsinho e Eu. Início de verão, calor e muta gente pelas ruas em um clima típico de Rio de Janeiro. Embalados pela energia típica daquela hora do dia discutíamos, ou pensávamos que discutíamos, de tudo, sobre tudo, até mesmo sobre o impossivel silêncio para um momento daqueles. Foi quando, de repente, mas como de costume, Miltão disparou contra Nelsinho:
- você tem uma tremenda dificuldade de entender o que as pessoas falam. Isso irrita. Só faz pergunta idiota.
Ciro, tentando aliviar o pobre Nelsinho, que apenas ria, acabou entregando ainda mais o rapaz:
- esse cara é um terror, disse Ciro sobre Nelsinho. Continuou. Semana passada a gente encostou em duas meninas aqui no bar e puxamos uma conversa. Quando o papo começou a engrenar, Nelsinho deu um tremendo corte em uma delas. A menina disse que a capital da Turquia era Istambul e ele, querendo aparecer, acabou fazendo merda. Corrigiu a garota em cima do lance, fazendo com que ela ficasse sem graça e com isso inibiu a conversa e esfriou o clima.
- isso é uma anta, disse Jadir.
Ciro continuou. Mas o pior aconteceu ontem. Mais uma vez fomos naquele baile lá da Tijuca. De repente, Nelsinho veio ansioso em minha direção dizendo ter visto duas mulheres sozinhas em uma mesa. Fui conferir, claro. De fato elas estavam sós. Nos posicionamos perto, esperando a orquestra voltar a tocar prá poder tirar prá dançar. Logo que a osquestra iniciou tiramos as mulheres que aceitaram na boa. De repente, mais ou menos três ou cinco minutos depois, no final da primeira música, vejo Nelsinho em pé, sozinho e a mulher dançando com outro. Continuei dançando por mais de meia hora, engatei um bom parpo e ainda troquei telefone. Depois fui perguntar pro Nelsinho o que aconteceu, por que ele parou tão rápido.  Então ele me disse que resolveu puxar uma conversa mas deu confusão. Ele, de cara sabe o que perguntou para a mulher ?
Você tem nome ? A mulher se espantou e disparou prá cima dele dizendo que óbvio que tinha. Já começa errado, criando estresse. Enquanto Ciro falava, Nelsinho apenas ria. Por causa disso ela descartou ele no final da primeira música.
- isso é uma anta, disse Jadir
- eu acho que ele fica nervoso, ansioso e acaba falando besteira, disse Miltão. O assunto então mudou e entrou na esfera da comunicação, exatamente no momento em que Tadeu se aproxima da mesa. Tadeu é o rico da turma. Executivo de Recursos Humanos em uma multinacional, bom de conversa e extremamente irônico. Certo dia, por causa de sua ironia quase chegou as vias de fato com Miltão. Ambos tem personalidade forte e vivem se estranhando. Jadir e Cardoso, sempre se colocam ao lado de Miltão, fazendo com que também tenham diferênças com Tadeu. Tadeu chegou, com sua pasta de trabalho, e sentou-se ao meu lado, mas na cabeceira da mesa no lado oposto de Miltão. Inicialmente prestava atenção na conversa, até que entrou no debate.
- isso é muto comum. Nelsinho não é o único. Ele pode extrapolar, por vezes, mas a comunicação eficaz não é algo tão simples. Hoje mesmo, ministrei, aqui mesmo em um hotel do bairro, um seminário, de seis horas, como os vinte maiores e mais importantes executivos da empresa. E o assunto foi  exatamente comunicação. E olha que são pessoas que trabalham com informações e tomam decisões importantes. Aliás, eu tenho aqui um dos exercícios que fizemos. Vocês topam fazer ? É coisa simples, um pequeno texto que vocẽs vão ter de dizer o que entenderam sobre o texto e, caso queiram, arriscar o personagem da história, disse enquanto retirava as folha e distribuia para todos na mesa.
- já que é um texto pequeno , tudo bem, disse Miltão, no que foi seguido por todos.
 - OK. Aí vai, uma cópia prá cada um.


                                                    Minha  História
Hoje, mais uma vez como de outras vezes, vou conversar com vocês sobre um assunto bem interessante. Certamente, e é normal que seja assim, vocês devem estar se perguntando sobre o tema do dia. Enquanto vou alinhavando essas palavras iniciais, me pergunto, e até mesmo sugiro se me permitem, se vocês estão bem relaxados e confortáveis. Hoje, como em quase todas as ocasiões em que me dirijo a vocês, vou conversar com vocês sobre vivências, experiências, aventuras. Ahhhh! e como são interessantes as aventuras. Elas começam bem cedo, para tudo e todos e, obviamente, para mim não foi diferente. E que aventuras tenho para contar para vocês. No início, e como são belos os inícios, tudo era ainda muito discreto, ocupava poucos espaços e merecia cuidados especiais. Não imaginava, assim como vocês podem imaginar a medida que avanço na história, que poderia atingir um estágio de fama, lendas e histórias, a ponto de impactar profundamnete toda a civilização. As mãos delicadas, cuidadosas, proporcionaram  para mim meus primeiros momentos de presença, de graça. Hoje, em mais um início que se estende até o fim dos inícios, despertei agitado, rebelde para logo depois, pouco tempo depois, encontrar meu equilíbrio, minha forma e minha graça. Alcancei um estágio de minha existência em que poucos, bem poucos, poderiam interferir na minha maneira de ser. E como é bom ser assim, devem vocês estar pensando. Como é bom poder escolher meus caminhos, ocupar os espaços, definir as cores. Vocês, a medida que aprofundo no tema, sobre experiências, aventuras e vivências, certamente vão encontrando seus próprios caminhos , suas realidades, suas cores, suas vivências. Tenho plena convicção que me tornei uma lenda e, para algumas pessoas represento a alegria, a vida, a beleza enquanto que para outros posso ser comparado como uma grande frustração. Alguns me adoram, cuidam bem de mim, me admiram, enquanto outros me detestam a ponto de me expulsar de suas vidas para sempre. É o prêço da lenda, devem vocês estar pensando, com certeza. Nessa longa história, de experiências, vivências e aventuras  já fiz muito e alcancei grande destaque. E como é bom fazer, ver os resultados concretos, atingir suas metas e objetivos. Vocês, certamente, também já produziram excelentes resultados e a medida que continuo minha história , vocês podem , até mesmo agora, ou em outra ocasião se assim desejarem, pensar sobre os grandes feitos e ainda sobre aqueles que podem alcançar. Quero dizer para vocês, já que se trata de uma longa história, que para relatar todos os grandes eventos seriam necessarias muitas e muitas conversas, assim sendo procurarei citar, de forma geral,meus momentos mais impactantes. Afirmo, sem medo de errar e com a coragem de acertar, que já fui responsável por um dos momentos mais belos do amor. Ahhh! e como o amor é belo. Digo, também, que vivi um momento em que mudei o mundo, transformei as pessoas, assustei os defensores do atraso. Em outra ocasião fui a força do guerreiro, a força que vocês tem para alcançar suas metas e objetivos. Hoje, já bem conhecido , posso afirmar que tenho todas as cores, todas as formas e , sem de receio ou medo de ser ousado, e como é bom ser ousado podem vocês estar pensando, também possso afirmar que sou arte, pura arte, diversas formas de arte em todas as formas possíveis. Minha existência é a minha história, e como sou eterno, pois mitos e lendas são eternos e também sou lendas e mitos , faço por criar todas as emoções nas pessoas, as mais variadas possíveis e imagináveis. Ahhh ! como as mulheres gostam de mim, que carinho e cuidado eles tem por mim. Isso não signifca dizer que os homens não gostem, aliás eles se revelam , em relação a mim,de forma mais discreta, silenciosa. Essa história , que vocês certamente leem com toda atenção, e que é a minha história, também tem um final, ou vários finais. Em todo o final, e estamos bem próximo dele, de um deles, talvez, é necessário e importante saber que um mito não tem fim. Muitos, e são de fato muitos homenes e mulheres, também lucram , e lucram muito, através de mim ou comigo mesmo. Isso não significa o fim, significa , apenas, o lucro, ou a necessidade. O final pode chegar bem cedo ou ,em muitos casos, talvez na maioria deles,  coincida com o final inexorável. E já que estamos falando de uma história de vivências, aventuras e experiências e próximos do fim, desejo que todos vocês recolham os mais variados ensinamentos, de maneira que possam ser utilizados no desenvolvimento de novas habilidades e competências em cada um, antes do final e bem antes do processo do fim. Essa história, rica em elementos , é a minha história, escrita com a minha autorização. 


Todos terminaram a leitura, foram colocando a folha de lado mas ninguém iniciava uma resposta. Tadeu se dirigiu para Ciro e perguntou.
- o que você achou ?
- não sei. pode ser muita coisa. Parece que é alguém importante, mas não vou arriscar.
- e você ? Disse Tadeu se dirigindo para mim.
- vou acompanhar o Ciro, disse.
- e você, Nelsinho, o que achou ?
- eu acho que é a história de Jesus Cristo . Tem tudo a ver, disse Nelsinho.
- para de falar asneira, disparou Miltão e continuou. Que Jesus Cristo, cara, parece que não sabe ler. Está claro para mim que o texto fala de alguém importante, pode ser um artista no que acredito que seja, mas o mais importante é que diz respeito de alguém que se revela, saindo do armário . Essa história de Ahhh, o amor é belo é coisa de viado. Isso é texto de um boiola, esse negócio de todas as cores . Prá mim tá escancarado.
Jadir e Cardoso endossaram o comentário de Miltão.  Tadeu então tomou a iniciativa.
- esse texto eu apresentei hoje para os vinte maiores executivos da empresa e apenas dez, 50%, apresentaram a resposta certa. E eu estou falando de pessoas que trabalham com informações e tomam decisões com base em análises e relátórios. Descobrir o personagem da história não é o mais importante, mesmo porque o texto não é conclusivo a esse respeito. Muitas pessoas podem ter uma história como essa, ou parte de uma história dessas. Tive respostas de Jesus, assim como Nelsinho, Che Guevara, John Lennon, Madona e até Santos Dumont. Mas isso não é o importante. Claro que o autor, ao elabrar o texto pensou em alguém, ou em algo , para a elaboração. O personagem do texto é o cabelo. Vejam só: " no início tudo era muito disceto, ocupava pucos espaços e recebia cuidados especias"  tudo mundo nasce com pouco cabelo e os pais tem mimos e cuidados. " alcançar um estágio de fama " são inúmeras as lendas e histórias sobre cabelo. " as mãos delicadas cuidadosas proporcinaram para mim meus primeiros momentos de graça "  o cuidado dos pais nos penteados das crianças. " hoje, em mais um início, despertei agitado, rebelde, para logo depois encontrar o equilíbrio " todos os dias pela manhã, e os dias são inícios, os cabelos amanhecem agitados desalinhados para depois serem penteados, o equilíbrio. "para muitas pessoas represento a alegria , a vida a beleza para outros sou a frustração" mutas pessoas adoram seus cabelos , já outras são frustradoas com o cabelo que tem. " já fui responsável por um dos momentos mais belos do amor " é uma referência a história das tranças de Rapunsel " mudei o mundo, transformei as pessoas , assustei os defensores do atraso " é uma referência as transformações sociais da década de 1960, quando passamos a usar cabelos longos e assustar os conservadores. " hoje tem todas as cores todas as formas e sou arte " pessoas usam cabelos de todas as cores e desenhos artísticos " em outra ocasião fui a força do guerreiro"  uma referência a história de Sansão. Entenderam, perguntou Tadeu e continuou. Não vou especificar até  final do texto, mas todo ele é sobre o cabelo, não fala de nehuma pessoa. Isso mostra o efeito da comunicação· No nosso caso, apenas Ciro e ele, disse apontando para mim, se aproximaram da resposta certa, que é a seguinte:
 O texto não permite afirmar de quem se trata. São informações generalistas. E 50% dos maiores executivos de uma transnacional não perceberam isso.  Quem usa muto essa característica de comunicação é a imprensa, quando deseja induzir ou manipular informações. Outro aspecto também diz respeito ao nosso idioma, o portugues. Por ser um idioma muito rico, ao contrário do inglês, permite elaborações e construções que podem condenar um inocente ou absolver um culpado, em rígida concordância com as normas de expressão e atendimento as leis. Existe ainda uma tese, apenas uma tese, que estabelece relação entre o  desenvolvimento de países com o idioma. Segundo essa tese os países de língua inglesa se desenvolveram mais rápido por causa do idioma e do investimento em educação. Então, não apenas vocês aqui que não acertaram como também os executivos lá empresa, responderam aquilo que vocês desejaram, aquilo que estava na cabeça de vocês, ou seja, relataram suas próprias experiências de vida através de suas respostas. 
Nesse momento , Miltão colocou as duas mãos apoiando sobre a mesa, em uma posição de alguém que iria se levantar e disparou contra Tadeu:
- escuta aqui, o cara. Você está querendo curtir com a cara da gente ? Tá pensando que eu sou babaca ? Tá dizendo que eu sou viado ?
- eu não disse nada, você que disse. Tá surdo ? Tá maluco ? falou Tadeu.
 O clima esquentou. Miltão se levantou da mesa apontando o dedo para Tadeu. O estresse foi total. Jadir e Cardoso, como de costume seguiram Miltão que já estava com o rosto vermelho de raiva e ainda disse;

- seu repertório esgotou, vou te encher de porrada.
Ciro se colocou na frente de Miltão tentanto segurar a fera, enquanto as pessoas das mesas mais pŕoximas se levantaram com receio de um quebra- quebra. Jadir e Cardoso também queriam acertar Tadeu. Ciro e Nelsinho, com muita dificuldade impediam que os três partissem para cima de Tadeu e,  ao mesmo tempo, Ciro pedia para que eu levasse Tadeu embora dali Foi o que fiz. Puxei Tadeu e fomos caminhado pelas ruas do bairro até sua casa. Durante o caminho ainda tentamos trocar algumas palavras, mas não foi possível. Não conseguíamos parar de rir.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Diários de Botequim - 2 Uma Nova Democracia

Diários de Botequim - 2   Uma Nova Democracia






Em meio a muita gozação devido a decisão de um título estadual com um gol de barriga, as discussões ferviam naquele ano de 1995 no bar referência. Uma semana após a conquista do Fluminense, naquele inesquecível Fla-Flu, o assunto ainda rendia pelas esquinas, praias e mesas de bar. Em um agradável final de tarde de uma sexta-feira encontro Miltão, Nelsinho e Jadir sentados  a mesa do bar. Ao me aproximar Miltão sugere com um aceno de mão para se juntar aos três. Olho aos lados para encontrar uma cadeira, mas Miltão toma a iniciativa e grita com Olsen para providenciar um lugar para mim. Olsen, o garçon, é um pretinho da cor de carvão, simpático e atencioso, que é assim carinhosamente chamado com um nome escandinavo pelos frequentadores do lugar. Imediatamente Olsen organiza o local e encaixa uma cadeira na mesa. Uma mesa com a presença de Miltão, sempre tem seu comando. Advogado aposentado, experiente e bem humorado,  Miltão comanda as conversas no bar. Nelsinho, como de costume, todo arrumadinho na esperança de ser bem sucedido em alguma paquera, o que já vem causando um desespero no rapaz. Jadir, funcionário público, meia idade, voltava do trabalho e parou, ainda com gravata e tudo mais, para poder relaxar e  encarar o final de semana com a patroa, como ele mesmo dizia. Fui me acomodando na mesa e Miltão, tricolor como eu, infernizava o coitado do Nelsinho, que não estava interessado no assunto, olhando para todos os lados procurando não sabia o quê, talvez ele mesmo. Sobre a mesa duas garrafas de cerveja dentro de um isopor. De repente, Miltão muda o tom , assustando todos em volta, e dá um esculacho em Olsen.
- já avisei prá você não completar o copo enquanto eu não terminar de beber. Será que eu vou ter que falar mais vezes, disse olhando para o assustado Olsen que apenas balançava a cabeça dizendo já ter compreendido. Enquanto Olsen fugia de Miltão, Jadir saiu com essa:
- o copo sempre cheio é aflitivo , não é ? perguntou para Miltão.
- claro, respondeu abrindo os braços e evidenciando a enorme barriga. Continuou. Quando o copo está cheio, todo mundo sabe, a gente tem que dar aquele gole, colocar o copo sobre a mesa, continuar a conversa, olhando vez por outra para o copo, sabe como é que é, administrando o tempo e a bebida. Se o Olsen a todo momento preenche o copo, a gente tem que beber porque ele não pode ficar cheio e isso cria uma aflição, uma angústia podendo até mesmo desencadear um descontrole com a bebida.
- é psicológico, comentou Nelsinho.
- psicológico o cacete, rebateu Miltão e continuou. Para de falar besteira, o assunto é sério. Rapidamente percebeu alguém entrando no bar e comentou com todos mudando o assunto.
- aquele cara alí não é ator de novela, perguntou falando baixo e ao mesmo tempo dando um esporro em Nelsinho para que fosse mais discreto no olhar.
- é da globo, falou Nelsinho
- tá com um mulherão, hein, rebateu Jadir.
- enquanto o casal se ajeitava em uma mesa Miltão disparou:
- aquela só tá com ele por causa da fama do cara. É ou não é ? Aquele cara não tem estatura prá ter um mulherão daquele. Ela encostou nele prá ver se consegue alguma coisa, não é ?
- claro, disse Jadir. Quem sabe ela não consegue uma vaguinha na emissora, um programa infantil, ou outra coisa prá subir.
- programa infantil só se o cara fizer mil gols, disse Miltão e largou uma gargalhada indecente coçando a genitália. Aquela alí pode levar uma figuração em programa humorístico e olhe lá. Rapidamente mudou de assunto e segurou o braço de Olsen que passava ao lado e disse:
- pega aquela mesa e coloca mais para o lado. Já é a segunda vez que você esbarra em mim quando passa por aqui. Coloque a mesa mais para o fundo para aumentar a passagem e assim evitar problemas futuros. Entendeu, pergutou com firmeza . Olsen imediatamente fez o que Miltão determinou. Impressionava o domínio de Miltão na mesa do bar. Alí ele comandava todos e todas as ações, prestando atenção em tudo que acontecia ao redor. Prá variar disparou pra cime de Nelsinho:
- pára de olhar prá mulher do cara, porra, disse para o atônito Nelsinho que a cada esporro dava mais um gole de cerveja. Foi quando entrava no bar um casal conhecido de Miltão. O homem, de boa aparência ,devia ter não mais de trinta e cinco anos enquanto a mulher, também muito bonita e bem vestida tinha próximo dos cinquenta. Miltão levantou-se, abraçou os dois falou alguma coisa  rápida com ambos e voltou para a mesa. Nelsinho, curioso foi logo peguntando:
- você conhece os dois ?
- claro, porra, não viu que nos abraçamos e conversamos. Aliás a história desse  cara é curiosoa. Vou contar prá vocês, mas não fica olhando prá eles  não, viu Nelsinho. Ele eu conheço desde menino, é filho de um amigão meu que já morreu. Certo dia , quando ele tinha uns vinte  e sete anos ,foi bater na minha casa pedindo ajuda. Ele tremia e mal conseguia falar e se explicar. Eu já sabia que ele tinha problemas de insegurança, medo e era um rapaz muito frágil. No dia seguinte levei a um médico que deu uma licença prá tratamento psiquiátrico e logo depois do tratamento ele teve outra crise e que culminou com uma aposentadoria precoce.  Ele não é agressivo, pelo contrário é  retraído porém extramamente inseguro. Logo depois ele conheceu essa mulher, que é a mulher dele, e ela se ligou no rapaz.
- porra, se ligou em maluco, perguntou Jadir.
- pega leve, ele tem problemas mas não rasga dinheiro e , como você pode ver é uma pessoa de boa aparência. Essa mulher é milionária,fazendeira gostou dele e estão vivendo em um tremenda fazenda no interior de Minas.
- mas ela é bem mais velha, retrucou Jadir.
- é verdade, mais  é gente boa, cuida bem dele e ele tem e comparece  com o que ela precisa, entendeu ,perguntou fazendo um gesto abrindo os braços com as palmas das duas mãos para cima como se estivesse falando dele mesmo.
- e eu não dou uma sorte dessas, disse Nelsinho.
- porquê você não é maluco, é burro, disse Jadir  para gargalhada de Miltão.
Miltão, gritou por Olsen que veio de imediato.
- presta atenção, disse e continuou. Vou querer uma porção de carne seca  e outra de cebola . Separadas, entendeu ? A cebola é passada na frigeira, no azeite português. Entendeu ? Já a carne seca deve ser bem desfiada. Da outra vez você trouxe uma porção que tinha pedaços grandes de carne, tem que ser toda desfiada, entendeu ? Manda também umas torradinhas para acompanhar. Agora, as torradas devem ser crocantes nas bordas e macias por dentro, nada de torrada toda dura, entendeu ?  Traga também aquela lata de azeite português que tem um furo maior, sabe qual é , não é ? Entendeu tudo ?
Olsen balançou a cabeça afirmativamente e foi providenciar o pedido de Miltão.
- que negócio é esse de lata com furo maior, perguntou Jadir.
- sabe como é Seu Manoel. As latas de azeite tem um furo que prá sair uma gota leva um tempão. Aí eu conversei com ele, disse que entendia a preocupação dele em economizar o azeite e coisa e tal, mas que para os fregueses especiais ele deveria ter uma lata com um furo maior. Ele concordou e o Olsen já está informado.
- bom saber disso, disse Jadir com um sorriso.
Enquanto isso Zé Maria, um outro amigo, jornalista autônomo, se aproxima da mesa.
- ihhh! tá uma gracinha com essa bermuda e essa camisa cheia de florzinha, disse Miltão.
- hoje ele está mais para Mariazinha do que para Zé, completou Jadir
- Olsen ! Olsen ! Arruma um lugar alí, naquele canto, para o nosso amigo, disse Miltão. Imediatamente Olsen seguiu as instruções e encaixou mais uma cadeira na mesa.
- aproveita e limpa a mesa que está molhada. Mas toma cuidado prá não respingar em mim.
- você anda sumido, O que houve, anda devendo dinheiro prá alguém , perguntou Miltão.
- nada disso, estava trabalhando. Aliás, falando em dinheiro, quando vinha prá cá, encontrei aquele teu amigo, o Cardoso. Ele tentou por todas as maneiras me vender uns produtos de limpeza, insistiu tanto que quase comprei.
- Eu que arrumei prá ele vender esses produtos, disse Miltão e continuou. O Cardoso é aposentado e a aposentadoria dele é pequena e ele torra tudo em vinte dias e depois ficava atrás de todo mundo pedindo um qualquer. Uma vez ele me ligou dois dias depois  que eu recebi meu salário. Ele , assim como eu, sabe o dia que a gente recebe e me ligou cheio de alegria para conversar no bar e coisa e tal. Não demorou e me pediu dinheiro. Eu emprestei e no mês seguinte ele fez a mesma coisa , mas eu saquei , fui ao encontro mas não dei dinheiro prá ele. Disse que iria arrumar um negócio prá ele ganhar um dinheirinho e ele topou. Falei com um amigo meu e passei esses produtos prá ele vender. Comprei prá ajudar, aliás os produtos são uma merda. Nunca vi produto de limpeza que fede, mas tudo bem. E o Cardoso é bom de conversa, ele conseguiu empurrar até pro Seu Manuel, e olha que vender alguma coisa pro português não é fácil. Pelo menos agora ele não pede dinheiro, mas se encontrar com ele vai ser difícil não comprar os produtos.
- ele estava com o Toninho. O Toninho também tem uma aposentadoria baixa, não tem, perguntou Zé Maria.
- a aposentadoria do Toninho é igual a do Cardoso, mas a mãe do Toninho tem uma pensão muito boa do marido, milico, e o Toninho ajuda a gastar o dinheiro da velha.  Mas e aí, por onde você andou ?
- estive quase um mês no México, disse Zé maria.
- Ahhh! agora entendi a camisa de florzinha. Estava tirando onda em Acapulco, perguntou Jadir.
- nada disso, estava do lado oposto, no estado de Chiapas.
- Chiapas ???  Foi fazer alguma matéria sobre os zapatistas, perguntou Miltão.
- exatamente
- então conta aí, o que você descobriu por lá, disse jadir
- bem, eu fui  para o município de San Cristóbal de las Casas, reduto do movimento. Tudo começou com um grupo urbano , de orientação marxista, que foi para aquele estado com o intuito de conscientizar a população para uma revolução. Acontece que no contato com a população local, de maioria indígena Maia, os marxistas se surpreenderam com a cultura e valores daquele povo. Parece que a conscientização foi de mão dupla, e os  marxistas tiveram que assimilar grande parte da cultura indígena. O movimento se organizou mas não não tem um chefe, um líder, tudo é decidido em conselhos da comunidade. Tanto que   aquele que a imprensa chama de chefe tem o título de sub comandante, algo como um representante, primeiro ministro da população. Quando eles se fizeram conhecer, no início do ano passado, logo depois toda a esquerda mundial  foi para San Cristóbal, afinal , depois da queda do muro foi o primeiro grande movimento de contestatção ao sistema capitalista e ainda no dia em que o México assinava o acordo de livre comércio com os EUA e o Canadá. Muitos representantes da esquerda mundial, que lá estiveram, não conseguiram entender com muita profundidade o movimento, talvez por conta da riqueza e complexidade da cultura dos povos indígenas da região. Esperavam por um movimento revolucionário tradicionalmente marxista, mas  não é bem assim. Existem muitos e importantes elementos da cultura indígena na filosofia dos Zapatistas. Interessante, que no contato que tive com algumas lideranças indígenas, que eles sempre usavam palavras e expressões como proteger, cooperar, participar, bem viver, partilhar, preservar e outros nessa linha. Neste aspecto eles estão em perfeita sintonia com os movimentos ambientalistas, e nos aspectos de governança não abrem mão da participação popular e democrática. Outro aspecto que me chamou a atenção foram as referências aos ciclos da natureza, quase sempre presentes em muitas considerações. Disseram, inclusive, que alí se estava iniciando um novo ciclo, que iria se consolidar nos próximos trinta anos, onde o protagonismo dos  povos indígenas de todas as Américas seria cada vez mais forte, tanto no comando de governos quanto influenciando novos líderes das Américas. Disseram ainda que a América seria a referência para o mundo de uma nova democracia, com novas formas de produção e bem viver. Citaram a profecia de etnias indígenas americanas sobre a chegada dos guerreiros do arco-íris, aqueles que iriam lutar para salvar o mundo da devastação e destruição das formas de vida, Ainda falaram sobre sobre a profecia do líder boliviano, Tupac Katari, que ao morrer executado pelos espanhóis disse voltaria em milhões. A cultura daquele povo é riquíssima, profunda e complexa, tanto que me interessei em conhecer mais sobre eles.
- boas falas. Nesse marasmo de idiotice do tempo em que vivemos, saber que novas concepções de esquerda, novas idéias são bem-vindas, disse Miltão.
- é verdade e também é interessante que eles não rejeitam tecnologia, desde que não destrua a vida. Acredito que a tese deles é poderosa, conceitualmente e é bom não duvidar da força da cultura dos povos indígenas das Américas, disse Zé Maria .
- muito bom, disse Jadir e continuou. Vamos aproveitar e mandar o Nelsinho para o Xingú, quem sabe ele não vira cacique por lá e se ajeita.
Prá variar a conversa já descambava para gozação em Nelsinho, com Jadir e Miltão mirando no rapaz e fazendo uma bola de neve com cada vez mais bobagens. Zé Maria e eu nos desligamos da gozação e mantivemos uma conversa paralela, quando Zé me avisou que no dia seguinte iria a um ciclo de palestras , sobre os Maias, em uma loja de um sociedade secreta. Me convidou e no dia seguinte tivemos um dia fantástico. Começa, também para mim, um novo ciclo.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Diários de Botequim - 1 As Confissões de Lúcia

Diários de Botequim  - 1    As Confissões de Lúcia




No já distante ano de 1993 o Rio de Janeiro era governado por Leonel Brizola. A década perdida de 1990, anos de retrocesso por conta da hegemonia de um ideário nocivo a vida, teve, para os partidos de esquerda ,um início conturbado. Vivíamos ainda o impacto de novas idéias da Rio 92, a destituição de um presidente da república e uma onda de nostalgia trazida pelo novo presidente da república. Em meio  ao futuro, ao passado e  a um sentimento de alma lavada pela queda do presidente ainda se costuravam novas idéias por conta do então chamado fim das ideologias. Em nosso grupo era consenso que o socialismo não poderia ser tão imperfeito para desaparecer totalmente, assim como o capitalismo não era a perfeição desejada, como alardeavam os meios de comunicação. Sabíamos, mesmo que intuitivamente, que cedo ou tarde a História iria rugir pois os castelos ainda estavam de pé. Não poderia imaginar que somente nove meses depois daquele março de 1993, mais precisamente na passagem de ano para 1994, tomaria conhecimento, em companhia da amiga Lúcia no verde de Visconde Mauá no RJ, do grito que abalou o mundo oriundo das selvas mexicanas.  E  foi naquele março, em uma quinta-feira, que resolvi sair para caminhar pela orla marítima da cidade. Antes, porém, parei em um honesto botequim do bairro para saborear um caldo de feijão. No balcão, já terminando meu lanche ,vejo a aproximação de Ciro, amigo de longas conversas, proprietário de uma pequena agência de propaganda no bairro.
- que boa vida, disse enquanto se aproximava.
- o dia merece essa reverência. E você, o que anda fazendo por aqui nessas horas ?
- tenho uma boa prá você. Marquei com Nelsinho aqui as três e meia, agora, prá gente ir num baile lá Tijuca.
- baile ??? uma hora dessas de quinta-feira ? E lá na Tijuca ?
- e a coisa é boa. É a primeira vez que vou mas a referência que tenho é segura.
- mas baile de quê Ciro ?
- baile, cara, com orquestra ao vivo e tudo mais, em um clube lá do lugar.
Enquanto falava sobre o baile Nelsinho chegou todo arrumadinho, o que era raro.
- tá bonito , hein mermão. Será que hoje você consegue alguma coisa por lá, brincou Ciro.
- e aí ? Vamos nessa, disse Nelsinho ansioso.
- mas que história é essa. Que horas esse baile começa e vai até que horas, perguntei.
- começa agora as quatro e só vai até as oito. vamos nessa ? Vai lá, muda a roupa rápido.
- E foi o que fiz. Em poucos minutos já estava vestido para um baile. Entramos no carro de Nelsinho e fomos para Tijuca. Chegamos no local por volta das quatro e trinta e para minha surpresa, o salão do clube estava lotado. Tinha gente de tudo que é tipo. Homens e mulheres trajando roupas de trabalho, hippyes,  pessoas da terceira idade, adolescentes, gente de meia idade. Tudo isso ao som de uma animada orquestra. O detalhe que chamou a atenção foi que a maioria esmagadora  das pessoas estava desacompanhada. Ciro estava eufórico e foi logo dizendo.
- vamos procurar minha amiga. Marquei com ela .
Andando com dificuldades no meio daquela multidão, olhando nas mesas já todas ocupadas, Ciro encontrou sua amiga. Uma mulher loira, bem vestida, simpática  que estava acompanha de uma amiga. Depois das apresentações de praxe, fiquei sabendo que a amiga de Ciro era Telma e que sua amiga era Lúcia, uma morena, de estatura mediana, de meia idade e sorridente. Com dificuldade conseguimos mais três cadeiras e ocupamos a mesa com as duas mulheres. Como éramos três homens e duas mulheres, não perdi tempo em conversas e tirei Lúcia para dançar. De imediato rolou uma química na dança, o que facilitou nossa conversa. Enquanto dançávamos sem parar, para desespero do arrumadinho Nelsinho que ficou sozinho na mesa, trocávamos informações aprofundando o conhecimento sobre ambos. Ciro estava em êxtase com Telma, fazendo as mais variadas evoluções pelo salão.  Lúcia era jornalista, tinha quarenta e quatro anos e já era avó de dois meninos, que moravam com a filha única na cidade São Paulo.  Independente, bem sucedida na profissão, trabalhava como repórter há vinte anos em um grande grupo de comunicação do Rio de Janeiro, dedicando mais tempo a emissora de rádio do grupo, onde vivia pela cidade cobrindo a desgraça do Brizola, como ela costumava dizer. Nossa amizade foi imediata. Depois daquele baile, e dois outros mais em que nos encontramos no mesmo lugar, passamos a ter encontros frequentes em um bar do bairro de Botafogo, sempre pelo fim da tarde, que era reduto de profissionais da imprensa. Circulavam por lá jornalistas, repórteres de rua, motoristas, fotógrafos , cinegrafistas e outros profissionais de diferentes grupos de comunicação do Rio de Janeiro. Durante boa parte do ano de 1993 convivi com aquelas pessoas, até que em um dia, Lúcia me convidou para vivenciar um dia de trabalho seu. Conforme combinado, isso já pelo final daquele ano, entrei em um carro de reportagem do grupo.  O motorista, Lúcia e eu saímos em direção a zona norte da cidade. Logo de saída, o motorista tirou  um baseado do porta luvas do carro e acendeu sem a menor cerimônia compartilhando com Lúcia.
- mas já pela manhã, e no trabalho, peguntei.
- é todo dia, respondeu o motorista
- e vocês não tem medo de serem flagrados pela polícia, peguntei.
- a polícia não aborda veículos da imprensa, respondeu de imediato Lúcia.
- e por aqui prá onde a gente vai nós conhecemos todos eles, disse o motorista.
- muitos, inclusive , dão a informação correta onde se pode comprar coisa boa, ou até vendem prá gente. disse Lúcia.
- polícia boa, hein, comentei.
- existem várias polícias, disse Lúcia e continuou. Existem aqueles policiais que fazem o trabalho correto, não são corruptos. Existem aqueles, de um outro grupo, que são aliados do crime. E existe, ainda o terceiro grupo, daqueles que são concorrentes do crime. Esses últimos são os piores. Prá onde a gente está indo a polícia é aliada dos bandidos. Por lá a gente pode comprar tranquilo nossos cigarrinhos e até mesmo, servir de fornecedor para a classe média da cidade, principalmente na zona sul.
- vocês da imprensa, como fornecedores, perguntei.
- claro, disse o motorista. Ninguém pára carro da imprensa nas ruas e ainda dá prá melhorar o salário. A gente entrega em casa, só prá bacana de classe média alta e rica.
- quer dizer que imprensa e polícia por vezes são cúmplices , peguntei provocando Lúcia.
- a imprensa faz o jogo da polícia e a polícia faz o jogo da imprensa. As vezes, quando um caso tem grande repercussão, aí não dá para aliviar a polícia, mas na maioria das vezes quem paga é povo. Se alguém de uma comunidade carente tem um parente atingido e morto por uma bala perdida da polícia, o assunto pode até ser notícia, por um ou dois dias, mas depois o assunto cai propositalmente no esquecimento na imprensa, o policial não é punido e aquela conversa toda de análise de onde partiu o tiro é só enganação. Se for um caso de grande repercussão , os policias são até mesmo detidos, julgados, mas logo estão de volta. As pessoas pobres que se virem. Chega a dar pena. Elas pedem prá gente divulgar mas a gente sabe que se for pobre não tem espaço nas redações. Lúcia continuou. Agora mesmo nós vamos apurar uma denúncia que certamente servirá para atacar o governo do Brizola. Aliás, a gente não faz outra coisa. Notícia sobre o governo do Brizola , e isso é orientação do chefe, é para desgastar o governo. Coisa boa que o governo faz é proibido divulgar. Nem adianta tentar fazer uma matéria especial que não passa e ainda a gente corre o risco de perder o emprego.
- mas os fatos são os fatos. disse.
- isso é o que você pensa, disse em  meio a sorrisos dela e do motorista. A notícia não é o fato. A notícia , para a maioria da imprensa, é aquilo que ela, a imprensa, deseja que seja. E aí entram vários interesses, políticos , mercantis , religiosos e outros. O papel da maioria da imprensa, ou melhor o negócio da maioria da imprensa não é a informação e sim o exercício do  poder. A informação é a embalagem para o produto poder. Você passou a conviver conosco nesse meses, percebeu que frequentamos locais onde estão somente profissionais do setor. Por isso o corporativismo é forte, por que sabemos qual é a verdadeira realidade do jornalismo. Não existe pureza, honestidade, ética e muito menos credibilidade no trabalho da maioria da imprensa.
- mas existem profissionais honestos, não ?
- claro que existem, mas não podem sair da linha editorial da empresa, É uma honestidade com limites, com censura interna. Se sair da linha são mandados prá rua. Então, a gente prá não perder o emprego faz o jogo. Mas o interessante é que a maioria dos repórteres, pessoal de apoio, jornalistas de baixo são eleitores do Brizola ou do PT, ou seja , contrários aos interesses da alta direção.
- esquizofrênico, não ? perguntei
- bastante, mas é a realidade. Confesso que não tive coragem para jogar todo esse nojo pro alto. Você lembra das eleições municipais de 1992, perguntou Lúcia.
- claro, mas do que especificamente, perguntei.
- com o Brizola como governador veio uma orientação  de cima da empresa para atacar a candidata do PT. Prá eles era inaceitável que a cidade do Rio de Janeiro também ficasse nas mãos da esquerda. O Tonico sabe bem disse, disse olhando para o motorista. Naquela eleição foi montado um esquema, dez dias antes do primeiro turno, prá derrubar a Bené. Aquela onda de arrastões em prédios da zona sul da cidade foi organizada e colocada em prática por gente da imprensa. Pessoal que tem acesso as favelas  e incitou a violência, junto com os chefes do crime , pra espalhar pânico na classe média, dizendo que se a Bené vencesse as eleições, como iria vencer, ela como favelada iria favorecer os favelados, a cidade se tornaria um caos , etc... Em paralelo inflaram o Cesar Maia ,que só tinha  1% das intenções de voto, como o candidato bem preparado e culto, ideal para assumir a cidade. O resultado você sabe.
- mas isso é terrorismo, comentei.
- como eu disse prá você, o negócio da imprensa não é jornalismo, informação, esclarecimento. O negócio da imprensa é o exercício do poder.
Chegamos em local da zona norte, em uma comunidade carente, onde a polícia fazia uma operação.
- isso e só enganação, disse Lucia e continuou. É só prá aparecer que  estão trabalhando contra o crime. A matéria tem que seguir a linha de que o Brizola não deu,com o tempo, a devida atenção no combate ao crime. Já os fatos, que se danem.
- e a população , com é que fica ?
- não fica. Para a imprensa a população deve pensar e acreditar naquilo que imprensa deseja que a população acredite. Se você for espeto e bem informado, dá sobreviver, caso contrário será mais um que terá a consciência modelada.
O dia fora longo e surpreendente para mim. Ao chegar em casa liguei a TV para assistir as "notícias" e terminar o dia "bem informado".

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A Grande Imprensa Garimpando Um Golpe

 A Grande Imprensa Garimpando um Golpe



Exatos cinquenta anos atrás os Beatles gravaram seu primeiro compacto simples. Na mesma data o personagem  007-James Bond surgia para a eternidade. O dia 5 de outubro, ao que parece, é uma data ícone de grandes acontecimentos. Hoje, nos grandes jornais brasileiros, principalmente folha e globo, a cidade paraense de Parauapebas  ganha um destaque jamais visto em nosso planeta. Com uma população de 154.000 habitantes , encravada na serra de carajás no norte do país e tendo a mineração como a principal atividade econômica, Parauapebas se transformou em uma mina de alta rentabilidade eleitoral para os objetivos políticos daquilo que se convencionou chamar de grande imprensa no Brasil. No garimpo das possibilidades infinitas, visando atacar o Partido dos Trabalhadores na véspera das eleições, globo e folha partem para a extração a céu aberto de uma suposta atividade ilegal que envolve um milhão de reais para facilitar a eleição de um candidato a prefeito do município , obviamente pertencente ao PT. Em outras ocasiões, e não foram poucas, globo sempre que questionada por não divulgar supostos ilícitos, que também não foram poucos, em governos de seus aliados, afirmava que tratava-se de assuntos locais que não mereciam um destaque no seu telejornal nacional ou mesmo em outras mídias do grupo, ficando o assunto restrito ao noticiário do estado envolvido, quase sempre São Paulo. Os dois jornais apresentam uma foto com uma montanha de dinheiro que seria usado para facilitar o PT de Parauapebas. O globo ainda garimpou mais a notícia, colocando uma foto do julgamento do mensalão em que diz que o PT foi punido e logo abaixo a foto do dinheiro para o PT de Parauapebas. As notícias da primeira página dos marinhos garimpeiros não deixam margem para quaisquer dúvidas, conduzindo o leitor ao entendimento de um mar de lama e corrupção envolvendo o PT. Alucinados em meio a extração eleitoral, o globo ainda deslocou seu foco para jazidas  mais ao norte, trazendo, também em primeira página, notícia sobre as eleições na Venezuela, onde, segundo os garimpeiros alucinados, o governo Chavez estaria pagando eleitores para facilitar sua reeleição, que também acontece no próximo domingo. Todas as notícias apontam para supostos problemas de corrupção e ilegalidades no PT e no governo Chavez da Venezuela. Enquanto isso, a realidade da vida e do pais continua apesar da grande imprensa. Em São Paulo uma vereadora acusou o governo de Nunkassab, aliado do candidato aliado da grande imprensa, de superfaturar obras de instalação do SAMU, onze instalações no total, de péssima qualidade. Isso aconteceu hoje, na cidade de São Paulo, palco de uma disputa eleitoral onde o garimpo alucinado da grande imprensa pretende eleger, a ferro de Parauapebas se necessário for, o candidato campeão de rejeição do planeta. Caso voltemos um pouco no tempo próximo, temos o escândalo da quadrilha do contraventor Cachoeira, onde jornalistas da grande imprensa foram flagrados, através de garimpo legal, em diversas reuniões com bandidos com o intuito de produzir falsas informações , inclusive forjando dossiês e documentos secretos, para atingir o PT e seus membros. Curiosamente, talvez devido a grande profundidade das jazidas, o assunto  quadrilha cachoeira e seus membros tem tido pouca extração na grande imprensa, principalmente no momento atual onde todas as luzes para um trabalho ininterrupto, foram deslocadas para as eleições e togas deslumbradas. A sobrecarga, inclusive,  causou um apagão em metade do planalto central do país e também no conteúdo informativo da grande imprensa. Atingir o PT, o ex-presidente Lula e a Presidenta Dilma são os objetivos da grande imprensa que agora, com o perigoso respaldo de uma justiça deslumbrada, tentar revestir golpes de estado e punições de seus opositores com uma embalagem  de uma duvidosa legalidade, gravada a ferro e se possível  indelével para todo o sempre. As eleições de domingo e o julgamento do mensalão estão caminhado para um assalto a democracia e um estupro na justiça, onde em um passado  as inesquecíveis imagens dos garimpeiros em busca de ouro em outras áreas de extração mineral  , podem muito bem representar a obsessão indigente e incontrolável da grande imprensa dos dias atuais em alterar e subtrair  as riquezas conquistadas e aprovadas pelo povo brasileiro nos últimos dez anos.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O Globo Atravessa o Samba

  Rio de Janeiro - 18    O Globo Atravessa o Samba




Na reta final da campanha na Venezuela, a grande imprensa brasileira, sempre em bloco barulhento, lança sua ofensiva contra uma possível eleição do candidato Hugo Chavez. No comício do candidato da oposição, apresentado como um grande carnaval da multidão em um reduto do núcleo duro da oposição, foi lançada a proposta de interromper a internacionalização da revolução bolivariana brilhantemente conduzida pelo presidente Hugo Chavez. O jornal o globo, de hoje, em chamada de primeira página afirma que o candidato da oposição não irá permitir que a estatal venezuelana de petróleo, a PDVSA, apoie projetos culturais na América Latina. Em referência ao fato, o diário dos Marinhos cita a escola de samba Unidos de Vila Isabel, do Rio de Janeiro, que recebeu patrocínio da PDVSA, para o carnaval de 2006, em um enredo que falava de nossa latinidade e que ainda homenageou em carro alegórico o líder Simom Bolívar. Na ocasião a Unidos de Vila Isabel venceu o carnaval carioca, o que certamente desagradou a tv globo, detentora exclusiva dos direitos de transmissão do desfile. No ano de 2013, ano em que a Alemanha é homenageada no Brasil, a escola Unidos da Tijuca apresentará um enredo que homenageia aquele país. A escola Estação Primeira de Mangueira tem como enredo, para este ano, a cidade de Cuiabá. Não seria nada de anormal se essas escolas recebessem patrocínio e apoio financeiro do país e cidade homenageadas. Cabe lembrar que no carnaval deste ano uma escola do Rio de Janeiro homenageou a cidade Londres, por ocasião da realização dos jogos olímpicos que aconteceram no mês de julho na capital inglesa. O jornal o globo, com sua chamada de capa, mirou, com a sua obsessão anti revolução popular bolivariana, em Hugo Chavez e na escola Unidos de Vila Isabel, que nos últimos carnavais tem se apresentado com enredos que valorizam nossa cultura e também enredos de cunho trabalhista popular.De 2007 para cá, a Vila já apresentou os seguintes enredos: Teatro Municipal do RJ, Trabalhador em referência as conquistas da era Vargas, Noel Rosa, Angola, além de outros . No ano de 2013 , a escola do bairro de Vila Isabel apresenta um enredo sobre a vida no campo, com enfoque para o pequeno trabalhador rural e a produção de alimentos por esse pequeno trabalhador.Certamente não são enredos que a tv globo gostaria de apresentar em sua transmissão. Cabe lembrar, também que a escola Acadêmicos do Salgueiro apresentará no ano de 2013 um enredo que tem o nome de Fama, que nos bastidores comenta-se que tem o patrocínio da revista Caras e que certamente trará inúmeras celebridades para o desfile, o que agrada a tv globo. Vale ainda lembrar, que outra escola , a Unidos de São Clemente, apresentará um enredo com o tema, Horário Nobre, em uma referência as novelas, principalmente as da tv globo. Na eleição da Venezuela, o globo atravessou o samba, perdeu pontos e caiu para o segundo grupo, mesmo patrocinando Celebridades e seu Horário Nobre.





quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Primavera Popular


Primavera Popular




A primavera começou cinzenta e os desequilíbrios no clima, pesado em nossas terras, indicam um cenário sem flores. A primavera que chega para todos talvez não seja a primavera desejada por todos. A predominância de cores escuras, por vezes obscuras, indica que as trevas  ainda sequestram as luzes do povo. Prefiro escrever sobre política porém o momento exige que falemos sobre a natureza. Um espetáculo sem flores, sem precedentes na história do país, rouba a cena na estação das flores.  Com uma dedicação, que tangencia a obsessão, a grande imprensa brasileira abre todos os jardins da noite para o julgamento da ação penal 470, que acontece no Supremo Tribunal Federal - STF - amplamente divulgada com o nome de mensalão. Apesar do noticiário diário, por meses, o povo pouco sabe, ou nada sabe, do que venha a ser, de fato, o chamado mensalão. No imaginário popular, nas esquinas cinzentas da primavera o povo fala de corrupção que ele sabe da existência desde longínquas primaveras .Na primavera cinzenta, de poucas cores, nomes de empresários e políticos desfilam diariamente nos grandes meios de comunicação. A ação em julgamento é fruto de um suposto esquema de compra de votos ocorrido em um dos governos populares, com início na primavera do povo em 2002,  do Partido dos Trabalhadores - PT - na época do então Presidente Lula, retirante nordestino, operário, líder sindical, deputado constituinte, presidente do PT. Nunca na história das primaveras brasileiras se viu tanto empenho, tanta  dedicação para que possíveis envolvidos em atos ilegais sejam exemplarmente julgados, punidos e privados do contato com as flores. O STF, e seus ministros membros, jamais desfrutaram de tanta visibilidade. O jargão do Direito, reproduzido dedicadamente pela grande imprensa todos os dias, dialoga em recintos fechados ,abertos ao povo pelas lentes e câmeras das mídias. O andamento do julgamento, mediado pela grande imprensa, é percebido pelo povo nos nomes e fotos de possíveis culpados, independentemente de quaisquer outras considerações sobre o processo ou mesmo sobre práticas semelhantes, mesmo que não julgadas e punidas , em outras primaveras próximas na história política do país. Na primavera cinzenta o povo se pergunta, nas esquinas ainda sem flores, se os acusados serão punidos como medida exemplar , ou se apenas pelo fato de serem de origem humilde, popular, como sempre ocorre no país.  Nos jardins e parques encharcados pela chuva, que é necessária para florir, o povo comenta fatos passados próximos e presentes, em que representantes das elites econômicas do país, como um banqueiro tido como brilhante por essas mesmas elites, chegou a ser detido pela polícia federal ,em operação legal, por crimes financeiros. Em uma abordagem discreta e de poucas cores, a grande imprensa pouco tempo dedicou ao banqueiro, que para espanto e surpresa do povo, foi contemplado com dois habeas corpus de soltura, em um período de três dias, por um dos juízes ,que hoje, na primavera chuvosa , julga a ação contra políticos do povo. Se não bastasse, o mesmo juiz é citado em outro processo , atualmente em CPI do Congresso Nacional em que elites econômicas e partidos da oposição, sem origem popular, estão envolvidos em esquema de corrupção onde até representantes do crime organizado se fazem presentes. Quanto a esse assunto, o povo, na esperança da primavera popular ainda sem cores, se pergunta e pergunta a quem de direito, ou a quem interessar possa, o motivo de tamanha timidez e economia de informação por parte da grande imprensa. No espetáculo midiático que se transformou o julgamento do mensalão, políticos que não estão em julgamento vem sendo julgados pela grande imprensa como se fizessem parte dos acusados e , para espanto do povo ,dos pássaros e recolhimento das flores, ministros do STF repercutem o julgamento proferido nos bancos dos parques noturnos da grande imprensa.  Cabe ainda lembrar, neste início de primavera, que um jornalista da revista Veja, flagrado em conversas criminosas,  é acusado de fazer parte de uma quadrilha para plantar, na mídia das noites sem flores, acusações falsas sobre o governo e políticos do povo. Nada disso é disponibilizado , pela grande imprensa, para o povo. No julgamento midiático, espetacular do mensalão, ministros do STF levaram um puxão de orelha, até mesmo pela presidenta Dilma, pelo fato de terem produzidas  informações falsas e sem conteúdo em suas teses de justificativas de voto que seriam para punir políticos do povo. Também afloram no plenário de togas sem cores, expressões de desequilíbrio e autoritarismo por parte ministros envolvidos no julgamento. Na primavera, o povo nas ruas já percebeu que querem culpá-lo, condená-lo por crimes as vezes confusos de serem provados. Mais uma vez o povo pergunta se será ele, o único culpado. E os outros, conhecidamente e historicamente corruptos, mesmo que não estejam no escopo do julgamento do mensalão, continuarão livres, roubando o dinheiro público e julgando e prendendo os pobres e de origem popular ? A primavera popular e das cores pode estar apenas começando.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Diários de Motocicleta - 5 A Ressurreição de Madalena

Diário de Motocicleta - 5    A Ressurreição de Madalena





Depois de um dia em uma cidade da região dos lagos no estado do Rio de Janeiro, saí bem cedo,  na manhã de uma sábado , com destino ao Rio de Janeiro. Na segunda-feira próxima retornaria ao trabalho. Fazia frio e uma chuva fina me acompanhou durante as duas horas de viagem. Chegando em casa, ao estacionar a motocicleta na garagem, me lembrei do lugar mais distante que tinha alcançado naqueles dias de férias. Por algum tempo, enquanto desfazia a bagagem, passava um filme da viagem. Foi quando o telefone tocou. Era Madalena, amiga que vive na cidade de São Paulo  de onde me ligava. Estava me convidando para passar o final de semana em sua casa, em São Paulo, como já fizera de outras vezes. Expliquei que tinha acabado de chegar de uma longa viagem, mas que talvez fosse uma boa ideia. Estava se aproximando das 10 horas e então combinei que pegaria a ponte aérea das 13 horas, no que ela disse que me aguardaria no aeroporto de Congonhas. Disse para que fosse bem agasalhado pois o dia era típico de São Paulo, com muito frio e chuva fina. Desliguei o telefone, e ainda repleto de estrada comecei a reunir uma nova bagagem. Madalena é uma pessoa especial. Filha única, de uma família de imigrantes italianos,  é herdeira de um grupo de industrias do setor metal mecânico localizadas na grande São Paulo. Formada em Administração de Empresas, com mestrado em uma universidade dos EUA, conduzia os negócios da família ao lado do pai, um sujeito conservador e autoritário, tanto na condução dos negócios quanto na relação com a filha. Conheci Madalena, já há quase três anos, por ocasião de uma auditoria que conduzi em uma das indústrias do grupo. Na ocasião, ela era , como ainda é hoje, responsável pela implementação e condução de um programa de gestão da qualidade nas empresas. Na auditoria me chamou a atenção o fato de que aquela mulher, mesmo com toda a resistência do pai, implantava com competência e de forma cuidadosa e criteriosa uma cultura democrática e participativa nas empresas. Para mim, que já conhecera dezenas de empresas, a visão de Madalena era algo raro no setor, entretanto coincidia com a compreensão que tinha sobre uma cultura para a Qualidade nas empresas.  O padrão dominante nas indústrias, no tocante a  uma cultura para a Qualidade, era meramente cartorial, objetivando a certificação que garantiria o trânsito livre nas relações comerciais empresa-empresa, sendo a Qualidade apenas um discurso da moda, desprovido de profundidade e até mesmo para muitos empresários, algo ameaçador e perturbador da ordem nas empresas. Assim como eu, Madalena não via dessa forma. Acreditava que democratizando  a gestão e dando voz aos empregados, que ela  tratava de fato como colaboradores, poderia ter sucesso na modificação de uma cultura autoritária vertical para uma cultura horizontal participativa. Mesmo sendo uma pessoa endinheirada, sem qualquer tipo de preocupação financeira, não se identificava com os valores predominantes nas elites econômicas do país. Eleitora do Partido dos Trabalhadores, defensora de um socialismo democrático, sua opção política produzia arrepios  no pai e nos amigos milicos do velho naqueles tempos de final da ditadura militar. Entretanto a sua competência na condução dos negócios da família , a satisfação dos acionistas, o respeito e adoração que recebia de seus colaboradores, intimidavam, mas não eliminavam nunca, os arrepios do pai. Nesse eterno conflito em que a relação pai- filha e chefe -subordinada se misturavam no dia-a dia da empresa, Madalena conseguia equilibrar e manter uma relativa distância sobre o autoritarismo do pai, conduzindo o programa com uma determinação exemplar. Nossa afinidade se manifestou logo na primeira vez em que auditei a empresa, durante três dias. A partir dali mantivemos contatos frequentes sobre congressos, seminários , mesas redondas de interesse comum. Trocávamos, também, informações sobre livros e novas tendências na administração de empresas em que  a visão alternativa emergente predominava. Apesar de seus trinta e poucos anos era dona de uma cultura vastíssima. Com o tempo nossa amizade foi ganhando novas cores e como meu trabalho exigia deslocamentos constantes para a cidade de São Paulo, nossos encontros se tornaram cada vez mais frequentes. Apaixonada pelas artes e totalmente alinhada com a visão alternativa emergente, acreditava que aquele era um caminho sem volta e que o tempo seria o revelador daquela nova compreensão da realidade. Com uma aparência simples, próximo ao casual, circulava com desenvoltura em todas as situações. Avessa ao exibicionismo e a ostentação dos endinheirados, pois como ela mesmo dizia " já nasci rica em ambiente de dinheiro e cultura"  tinha como marca o bem viver e o bom gosto. Foi com Madalena que conheci uma cidade de São Paulo que não aparece na tv.  Uma cidade para todos, pobres e ricos . A São Paulo de Madalena não tinha pobreza nem riqueza extremas, fosse na escolha de um restaurante, numa exposição de arte, em um show musical. Uma cidade fascinante que transbordava cultura, bom gosto e até mesmo um toque artesanal, em todas os locais por onde circulávamos. Morava só, em uma confortável cobertura em um prédio próximo ao Parque do Ibirapuera, onde sempre podia ser vista nas caminhadas ou mesmo em reuniões de trabalho com colaboradores, para desespero de alguns poucos engravatados e de algumas de saias justas. Principal executiva de um grupo empresarial onde a cultura é predominantemente machista em um universo de arquétipos masculinos, Madalena não se rendia e com rara habilidade fazia valer suas ideias, exercitando tais arquétipos através de um filtro feminino, sem abandonar  suas características.  Fora do trabalho levava uma vida em defesa de seus ideais humanistas e socialistas, o que, como ela mesmo dizia, dava um leve caráter esquizofrênico na totalidade de sua vida.  Aspecto esse que também se fazia presente em nossa amizade, pois assim como ela, trabalhava em uma empresa que construía uma central nuclear mas era  contrário ao uso da energia nuclear. Sua casa dizia muito de sua personalidade. Apesar de morar em uma confortável cobertura, as dimensões do imóvel eram modestas para quem dispunha de tantos recursos. A decoração combinava o pós moderno com o antigo, tanto nas peças do mobiliário como nas obras de arte, valorizando em todos os casos a originalidade e a produção limitada. A primeira vista qualquer pessoa teria dificuldade de entender o ambiente entretanto,  com um pouco tempo ficava marcante que o aspecto impessoal e padronizado não se manifestava naquele ambiente. Tudo foi cuidadosamente elaborado, funcional e de bom gosto que no conjunto produziam uma harmonia, as vezes cult, outras non sense e até um pouco brega, mas que transbordava arte. Cheguei no aeroporto Santos Dumont ainda um tanto tonto de tanta estrada, as vezes me questionando como poderia estar embarcando para São Paulo, para passar um pouco mais de 24 horas naquela cidade. Comprei o bilhete e telefonei para Madalena confirmando o horário de embarque. Embarquei no barulhento confortável electra e decolamos. A viagem , com o tempo chuvoso em todo o percurso, não foi muito diferente dos últimos dias, até mesmo no tocante  aos trancos e solavancos devido aos buracos da estrada. Felizmente o electra pousou em Congonhas e depois de fazer seu habitual estardalhaço no momento de reversão dos motores, parou na pista para desembarque. O frio estava de rachar, o céu cinzento e uma chuva bem fina. Estava em São Paulo. Cruzei o setor de desembarque para o saguão do aeroporto e avistei Madalena. Quando me viu abriu um belo sorriso. Enfiada em uma calça jeans e cheia de agasalhos e casacos deixava a mostra a pele bem clara de seu rosto com seus cabelos castanhos, soltos, a altura dos ombros. Estava um pouco mais magra do que da última vez que nos encontramos, o que certamente a deixa mais feliz pois vive brigando com a balança por causa de sua inclinação incontrolável pela culinária italiana.
- que cor bonita, disse ela se referindo ao meu bronzeado
- mudei de emprego. agora trabalho como salva-vidas. disse em meio a um abraço.
Caminhamos para o estacionamento do aeroporto trocando elogios sinceros a cerca de nossas aparências, o que não poderia ser diferente em se tratando de Madalena. Já em sua casa, saboreando um  providencial chá, bem quente, disse que tinha muitas novidades para me contar. Posicionou-se no sofá, cruzou as pernas, inclinou-se para o meu lado e começou a falar.
- você não imagina os resultados que estamos alcançando com as equipes. De início foi uma tremenda dificuldade para dar início ao processo. Primeiro vencer as resistências de papai, depois encontrar um horário para que as equipes pudessem fazer as reuniões. Não tinha como pedir aos colaboradores para que ficassem depois do horário de expediente na empresa e também não seria produtivo depois de um dia de trabalho discutir assuntos relativos ao trabalho. Durante o horário do expediente seria o ideal, mas se o fizesse , papai invadiria a fábrica. Consegui que os grupos passassem a funcionar antes do início da jornada de trabalho.
- de madrugada, Madalena ?
- não é bem assim. A jornada inicia às 07:15 e começamos as reuniões ás 06:15. Achei por bem fazer as reuniões em um ambiente de café da manhã. Você sabe, antes de entrar no trabalho todos tem o café da manhã na empresa e o que fiz foi transformar o café em algo mais prolongado e farto. O pessoal aprovou e os grupos funcionam bem.
- e todos os colaboradores gostaram da ideia de discutir questões relativas ao trabalho ?
- tive algumas surpresas nesse aspecto. Durante o estágio preparatório, através de consultas e palestras que fiz com todos, notei que um número significativo de colaboradores, longe de ser a maioria mas mesmo assim significativo, não se sente bem em um ambiente participativo, preferindo a postura passiva e cômoda de receber ordens e executar.
- não correm risco em se expor, não é isso ?
- um pouco disso e outras questões até mesmo de foro íntimo, mas o elemento predominante é  a identificação , ou a falta de identificação, com o trabalho fazendo com que essas pessoas minimizem suas responsabilidades apenas para aquilo que executam. Qualquer ordem  que recebam, eles executam e caso venha a ocorrer um erro , não na execução mas no conceito daquilo que foi pedido e executado, eles de imediato dizem estar cumprindo ordens.
- é como disse , não querem se expor.
- em parte, mas o principal elemento  que move esse tipo de comportamento é a falta de identificação com a empresa e com o trabalho, e em segundo lugar  os conflitos com os supervisores ou gerentes imediatos. E foi aí que consegui reverter boa parte dessa resistência colocando operários e gerentes nos grupos discutindo assuntos relativos ao trabalho sem que os aspectos de hierarquia prevalecessem na discussões. Foi ótimo.
- e os gerentes e supervisores, como se comportaram ?
- então, de início, nas primeiras reuniões, ainda tentavam impor a condição de superiores perante os operários, mas com as  intervenções dos moderadores de grupos  essa postura praticamente desapareceu . E a partir daí os resultados tem sido fantásticos. Apenas um exemplo, na linha de fabricação de fixadores para trilhos  e dormentes, tivemos um ganho de produtividade de 20%, uma redução fantástica do índice de acidentes, um índice de sucata perto de zero, e uma melhor maneira de executar as tarefas. São impressionantes a qualidade e profundidade das sugestões apresentadas pelos colaboradores. No caso dessa equipe, que é a mais antiga, as reuniões estão evoluindo até mesmo para o crescimento pessoal dos envolvidos .Uma vez esgotado os assuntos mais técnicos são abordados aspectos do relacionamento interpessoal, tanto entre colaboradores como entre colaboradores e supervisores e gerentes. Em alguns casos , até mesmo as relações familiares crescem e evoluem, pois são os motivadores e significantes para determinados tipos de comportamento no trabalho. É uma revolução.
- e seu pai, o que acha disso tudo ?
- então, como estamos tendo excelentes resultados , e para ele só interessa o resultado financeiro, ele não reprova , mas também não diz que aprova. Você sabe, ele fica dizendo que minhas ideias são de comunista, que isso é coisa de socialista...
- seu pai lê o globo ?
- não. lê outros jornais daqui, mas assiste todos os telejornais da tv globo.
- está explicado.
- então, as equipes estão crescendo, os colaboradores mais satisfeitos, a participação na tomada de decisões ainda que apenas nos aspectos produtivos operacionais se faz naturalmente.
- mas tenho uma dúvida. Com a participação de todos nas tomadas de decisões o processo decisório não fica mais lento ?
- com certeza. Democracia participativa exige muita discussão, mas aí entra a importância dos moderadores , dos gerentes e dos supervisores , para evitar que se tergiverse ou que se volte para um ponto que já foi decidido. Eles foram treinados para esses aspectos. Outro dado importante é que a qualidade das decisões melhorou muito, fazendo com que sejam duradouras as ações decorrentes de decisões tomadas neste ambiente. Aquilo que foi decidido raramente sofre modificação com o tempo, o que não acontecia quando a decisão era de uma única pessoa, ou de um único degrau da hierarquia. Visões diferentes  enriquecem o processo decisório e , com o passar do tempo também produz um ganho na produtividade. Então, aquilo que parece lento  no início, e de fato é mais lento, produz um resultado melhor no curto prazo devido a solidez, precisão e completeza do processo decisório. Seria tão bom se toda a empresa , em todos os processos, se envolvesse nesse ambiente. Seria melhor ainda, se todos os governos, municipais, estaduais e federal  exercitassem  a participação popular nas tomadas de decisões. Isso é a verdadeira democracia, o verdadeiro e mais autêntico poder, pois emana do povo e por ele também é exercido. Infelizmente ainda estamos em uma ditadura, agonizante, mas ainda estamos longe do povo no poder. Então, estou satisfeita e acredito que iremos evoluir muito mais. Como já disse pra você, esse é um caminho sem volta. Mas tem outras coisa que quero dividir com você. Recentemente estive nos EUA para fóruns e palestras. Adoro esses encontros , servem como uma ressurreição , um renascimento para mim .Primeiro estive com o pessoal de um fórum econômico e de negócios e depois em um outro encontro com pensadores em uma universidade. Foi fantástico, você não imagina. O pessoal do fórum econômico alertou, como já vinha fazendo em outras ocasiões, para o processo em curso  de desregulamentação da economia mundial nesta década.
- exacerbação de práticas mercadológicas ?
- pode ser mas o principal é que tudo isso eles já tinham alertado na última reunião e você sabe, aqui na ditadura agonizante  não temos a melhor ideia do vem pela frente, mesmo sendo um governo civil com acreditamos que vai acontecer. Por isso que tenho que viajar com frequência para os fóruns para conhecer os rumos e tendências.
- mas tem alguma coisa que não entendo. Você está empolgada com democracia participativa, com os resultados que consegue na empresa, fala que é um caminho sem volta, que é a emergência de uma nova cultura etc... mas o que que você aponta como tendência para o futuro, fruto de suas participações nos fóruns, é exatamente o oposto. Com é que fica ?
- então, a visão do fórum econômico está correta, no tocante aos rumos da economia , mas não tem profundidade como dizem os pensadores dos fóruns acadêmicos. Segundo os pensadores da academia o mundo nas próximas duas décadas, seguindo a tendência em curso,produzirá uma riqueza jamais vista em outras épocas, mas com um custo social e ambiental devastador. As massas monetárias serão gigantescas mas cada vez mais poucos irão desfrutar da riqueza. A exclusão e a pobreza irão aumentar. Eles acreditam que esse processo em curso, que aqui no Brasil ainda nem se sonha sobre ele, não pode se sustentar por mais de duas décadas e, que certamente todas as idéias bloqueadas há poucos anos atrás vão voltar , mas com novas maquiagens e embalagens. Você sabe, aquilo que emerge, como estrutura de conceitos científicos solapa grande parte dos conceitos dominantes. A própria compreensão da natureza se modifica, onde o feminino prevalece sobre o masculino.
- que história é essa , Madalena ?
- o conceito de natureza passa a ser cooperativo, bem diferente de tudo que se sabe e vivencia no dias atuais.
- e o que isso tem a ver com o feminino ?
- então, quando me refiro ao feminino falo de arquétipos, aliás já conversamos sobre isso. Essa nova versão do capitalismo , e até mesmo o capitalismo, é baseado na competição, vai ser um salve-se quem puder. A competição, em todos os aspectos, é uma expressão masculina, assim como a liderança, a chefia , o comando, independente de quem esteja envolvido com esses processos , homem ou mulher. No momento em que estou no comando de minhas empresas, dirigindo, estou exercendo arquétipos masculinos de direção, sem que para isso eu tenha que ser igual aos homens nessas expressões. Se me comportasse como um homem se comporta nessas questões, estaria em desvantagem pois sendo mulher os homens fariam melhor. Ao comandar, mesmo sendo um arquétipo masculino, o faço através de meu filtro feminino. E essa emergência do feminino vem desde as novas estruturas do conhecimento científico, obviamente  até em uma nova forma de poder.
- você fala de uma emergência do feminino. Não consigo enxergar nada disso a minha volta.
- e nem pode. Falo de uma cultura que ainda não nasceu, mas que é um caminho sem volta e que em pouco tempo será dominante.
- agora também é profeta ?
- você sabe que não dou a mínima para essas bobagens de profecias. Falo de pensadores, acadêmicos que trabalham com cenários e modelos. Profecia deixo para aquela turma daquela palestra que fomos, lembra?
- aqueles teus amigos etruscos ?
- não é pelo fato que sejam italianos e místicos que são etruscos.
- mas você me mostrou uma representação , em uma pintura, que seria de figuras etruscas.
- sim. eles são depositários de uma parte da cultura etrusca, mas não seguem nenhuma prática daquele povo. Eles é que gostam de profecias. Lembra que naquela palestra eles falaram que o ano 2000 viria a emergência do feminino ?
- Lembro e acho que essa história do feminino emergente ainda vai dar muito pano prá manga.
- hummmmm, isso está me cheirando a machismo. Parece até meu pai  ?
- me comparando com teu pai.  Que bandeira.
- deixa de bobagem. você é meio mandão, mas não tem nada de papai. Então. Os movimentos de emancipação e libertação da mulher caminham nesse sentido, de uma maior participação do feminino. Vocês homens, vão ter que reaprender a serem homens.
- que papo é esse. colocando a gente na fita, dizendo que tem que  reaprender. Disse com um expressão saindo de banda.
- vocês não sabem fazer nada, ou quase nada. Foram condicionados, ao longo do tempo, a matar um leão por dia para sustentar a família. Fora isso, necessitam de cuidados das mães e das mulheres. Com a emancipação da mulher novos desafios se apresentam para o homem, e a maioria em expressões de arquétipos femininos.
você não fala essas coisas para os seus funcionários, fala ? Se falar vão meter você numa laminadora e você vai virar trilho.
- claro que não, isso eu converso com pessoas próximas. É ai que eu digo que é um caminho sem volta.
- mas essa história do feminino vem de longa data. Se a tua tese de emergência do feminino estiver correta , como é que fica a religião. Já tem toda essa polêmica sobre a história da tua homônima, que foi uma história plantada  de prostituta etc e tal. E ai, com fica, vai ser uma confusão dos diabos, ou melhor, dos santos. São quase dois mil anos do masculino.
- Isso é uma outra história, você está misturando as coisas. Tudo bem que que pode ter respingos, mas não entro nessa esfera. De fato , sei, que o que emerge é feminino. Essas confusões com Madalena não me interessam.  Então, me diga o que você acha de tudo isso .
- não dá. é muita coisa, muito conceito. você passa semanas com feras do pensamento científico, político, econômico e filosófico e quer que eu tenho uma opinião sobre tudo isso.Vou precisar de um bom tempo para analisar, refletir e ter uma opinião própria. E ainda estou chegando de viagem, onde vivi experiências impactantes...
- Tudo bem, então me conta sobre sua viagem. disse e já se posicionou no sofá para ouvir
- não posso.
- como ? Não pode ?
- ainda não terminou.