quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Diários de Botequim - 1 As Confissões de Lúcia

Diários de Botequim  - 1    As Confissões de Lúcia




No já distante ano de 1993 o Rio de Janeiro era governado por Leonel Brizola. A década perdida de 1990, anos de retrocesso por conta da hegemonia de um ideário nocivo a vida, teve, para os partidos de esquerda ,um início conturbado. Vivíamos ainda o impacto de novas idéias da Rio 92, a destituição de um presidente da república e uma onda de nostalgia trazida pelo novo presidente da república. Em meio  ao futuro, ao passado e  a um sentimento de alma lavada pela queda do presidente ainda se costuravam novas idéias por conta do então chamado fim das ideologias. Em nosso grupo era consenso que o socialismo não poderia ser tão imperfeito para desaparecer totalmente, assim como o capitalismo não era a perfeição desejada, como alardeavam os meios de comunicação. Sabíamos, mesmo que intuitivamente, que cedo ou tarde a História iria rugir pois os castelos ainda estavam de pé. Não poderia imaginar que somente nove meses depois daquele março de 1993, mais precisamente na passagem de ano para 1994, tomaria conhecimento, em companhia da amiga Lúcia no verde de Visconde Mauá no RJ, do grito que abalou o mundo oriundo das selvas mexicanas.  E  foi naquele março, em uma quinta-feira, que resolvi sair para caminhar pela orla marítima da cidade. Antes, porém, parei em um honesto botequim do bairro para saborear um caldo de feijão. No balcão, já terminando meu lanche ,vejo a aproximação de Ciro, amigo de longas conversas, proprietário de uma pequena agência de propaganda no bairro.
- que boa vida, disse enquanto se aproximava.
- o dia merece essa reverência. E você, o que anda fazendo por aqui nessas horas ?
- tenho uma boa prá você. Marquei com Nelsinho aqui as três e meia, agora, prá gente ir num baile lá Tijuca.
- baile ??? uma hora dessas de quinta-feira ? E lá na Tijuca ?
- e a coisa é boa. É a primeira vez que vou mas a referência que tenho é segura.
- mas baile de quê Ciro ?
- baile, cara, com orquestra ao vivo e tudo mais, em um clube lá do lugar.
Enquanto falava sobre o baile Nelsinho chegou todo arrumadinho, o que era raro.
- tá bonito , hein mermão. Será que hoje você consegue alguma coisa por lá, brincou Ciro.
- e aí ? Vamos nessa, disse Nelsinho ansioso.
- mas que história é essa. Que horas esse baile começa e vai até que horas, perguntei.
- começa agora as quatro e só vai até as oito. vamos nessa ? Vai lá, muda a roupa rápido.
- E foi o que fiz. Em poucos minutos já estava vestido para um baile. Entramos no carro de Nelsinho e fomos para Tijuca. Chegamos no local por volta das quatro e trinta e para minha surpresa, o salão do clube estava lotado. Tinha gente de tudo que é tipo. Homens e mulheres trajando roupas de trabalho, hippyes,  pessoas da terceira idade, adolescentes, gente de meia idade. Tudo isso ao som de uma animada orquestra. O detalhe que chamou a atenção foi que a maioria esmagadora  das pessoas estava desacompanhada. Ciro estava eufórico e foi logo dizendo.
- vamos procurar minha amiga. Marquei com ela .
Andando com dificuldades no meio daquela multidão, olhando nas mesas já todas ocupadas, Ciro encontrou sua amiga. Uma mulher loira, bem vestida, simpática  que estava acompanha de uma amiga. Depois das apresentações de praxe, fiquei sabendo que a amiga de Ciro era Telma e que sua amiga era Lúcia, uma morena, de estatura mediana, de meia idade e sorridente. Com dificuldade conseguimos mais três cadeiras e ocupamos a mesa com as duas mulheres. Como éramos três homens e duas mulheres, não perdi tempo em conversas e tirei Lúcia para dançar. De imediato rolou uma química na dança, o que facilitou nossa conversa. Enquanto dançávamos sem parar, para desespero do arrumadinho Nelsinho que ficou sozinho na mesa, trocávamos informações aprofundando o conhecimento sobre ambos. Ciro estava em êxtase com Telma, fazendo as mais variadas evoluções pelo salão.  Lúcia era jornalista, tinha quarenta e quatro anos e já era avó de dois meninos, que moravam com a filha única na cidade São Paulo.  Independente, bem sucedida na profissão, trabalhava como repórter há vinte anos em um grande grupo de comunicação do Rio de Janeiro, dedicando mais tempo a emissora de rádio do grupo, onde vivia pela cidade cobrindo a desgraça do Brizola, como ela costumava dizer. Nossa amizade foi imediata. Depois daquele baile, e dois outros mais em que nos encontramos no mesmo lugar, passamos a ter encontros frequentes em um bar do bairro de Botafogo, sempre pelo fim da tarde, que era reduto de profissionais da imprensa. Circulavam por lá jornalistas, repórteres de rua, motoristas, fotógrafos , cinegrafistas e outros profissionais de diferentes grupos de comunicação do Rio de Janeiro. Durante boa parte do ano de 1993 convivi com aquelas pessoas, até que em um dia, Lúcia me convidou para vivenciar um dia de trabalho seu. Conforme combinado, isso já pelo final daquele ano, entrei em um carro de reportagem do grupo.  O motorista, Lúcia e eu saímos em direção a zona norte da cidade. Logo de saída, o motorista tirou  um baseado do porta luvas do carro e acendeu sem a menor cerimônia compartilhando com Lúcia.
- mas já pela manhã, e no trabalho, peguntei.
- é todo dia, respondeu o motorista
- e vocês não tem medo de serem flagrados pela polícia, peguntei.
- a polícia não aborda veículos da imprensa, respondeu de imediato Lúcia.
- e por aqui prá onde a gente vai nós conhecemos todos eles, disse o motorista.
- muitos, inclusive , dão a informação correta onde se pode comprar coisa boa, ou até vendem prá gente. disse Lúcia.
- polícia boa, hein, comentei.
- existem várias polícias, disse Lúcia e continuou. Existem aqueles policiais que fazem o trabalho correto, não são corruptos. Existem aqueles, de um outro grupo, que são aliados do crime. E existe, ainda o terceiro grupo, daqueles que são concorrentes do crime. Esses últimos são os piores. Prá onde a gente está indo a polícia é aliada dos bandidos. Por lá a gente pode comprar tranquilo nossos cigarrinhos e até mesmo, servir de fornecedor para a classe média da cidade, principalmente na zona sul.
- vocês da imprensa, como fornecedores, perguntei.
- claro, disse o motorista. Ninguém pára carro da imprensa nas ruas e ainda dá prá melhorar o salário. A gente entrega em casa, só prá bacana de classe média alta e rica.
- quer dizer que imprensa e polícia por vezes são cúmplices , peguntei provocando Lúcia.
- a imprensa faz o jogo da polícia e a polícia faz o jogo da imprensa. As vezes, quando um caso tem grande repercussão, aí não dá para aliviar a polícia, mas na maioria das vezes quem paga é povo. Se alguém de uma comunidade carente tem um parente atingido e morto por uma bala perdida da polícia, o assunto pode até ser notícia, por um ou dois dias, mas depois o assunto cai propositalmente no esquecimento na imprensa, o policial não é punido e aquela conversa toda de análise de onde partiu o tiro é só enganação. Se for um caso de grande repercussão , os policias são até mesmo detidos, julgados, mas logo estão de volta. As pessoas pobres que se virem. Chega a dar pena. Elas pedem prá gente divulgar mas a gente sabe que se for pobre não tem espaço nas redações. Lúcia continuou. Agora mesmo nós vamos apurar uma denúncia que certamente servirá para atacar o governo do Brizola. Aliás, a gente não faz outra coisa. Notícia sobre o governo do Brizola , e isso é orientação do chefe, é para desgastar o governo. Coisa boa que o governo faz é proibido divulgar. Nem adianta tentar fazer uma matéria especial que não passa e ainda a gente corre o risco de perder o emprego.
- mas os fatos são os fatos. disse.
- isso é o que você pensa, disse em  meio a sorrisos dela e do motorista. A notícia não é o fato. A notícia , para a maioria da imprensa, é aquilo que ela, a imprensa, deseja que seja. E aí entram vários interesses, políticos , mercantis , religiosos e outros. O papel da maioria da imprensa, ou melhor o negócio da maioria da imprensa não é a informação e sim o exercício do  poder. A informação é a embalagem para o produto poder. Você passou a conviver conosco nesse meses, percebeu que frequentamos locais onde estão somente profissionais do setor. Por isso o corporativismo é forte, por que sabemos qual é a verdadeira realidade do jornalismo. Não existe pureza, honestidade, ética e muito menos credibilidade no trabalho da maioria da imprensa.
- mas existem profissionais honestos, não ?
- claro que existem, mas não podem sair da linha editorial da empresa, É uma honestidade com limites, com censura interna. Se sair da linha são mandados prá rua. Então, a gente prá não perder o emprego faz o jogo. Mas o interessante é que a maioria dos repórteres, pessoal de apoio, jornalistas de baixo são eleitores do Brizola ou do PT, ou seja , contrários aos interesses da alta direção.
- esquizofrênico, não ? perguntei
- bastante, mas é a realidade. Confesso que não tive coragem para jogar todo esse nojo pro alto. Você lembra das eleições municipais de 1992, perguntou Lúcia.
- claro, mas do que especificamente, perguntei.
- com o Brizola como governador veio uma orientação  de cima da empresa para atacar a candidata do PT. Prá eles era inaceitável que a cidade do Rio de Janeiro também ficasse nas mãos da esquerda. O Tonico sabe bem disse, disse olhando para o motorista. Naquela eleição foi montado um esquema, dez dias antes do primeiro turno, prá derrubar a Bené. Aquela onda de arrastões em prédios da zona sul da cidade foi organizada e colocada em prática por gente da imprensa. Pessoal que tem acesso as favelas  e incitou a violência, junto com os chefes do crime , pra espalhar pânico na classe média, dizendo que se a Bené vencesse as eleições, como iria vencer, ela como favelada iria favorecer os favelados, a cidade se tornaria um caos , etc... Em paralelo inflaram o Cesar Maia ,que só tinha  1% das intenções de voto, como o candidato bem preparado e culto, ideal para assumir a cidade. O resultado você sabe.
- mas isso é terrorismo, comentei.
- como eu disse prá você, o negócio da imprensa não é jornalismo, informação, esclarecimento. O negócio da imprensa é o exercício do poder.
Chegamos em local da zona norte, em uma comunidade carente, onde a polícia fazia uma operação.
- isso e só enganação, disse Lucia e continuou. É só prá aparecer que  estão trabalhando contra o crime. A matéria tem que seguir a linha de que o Brizola não deu,com o tempo, a devida atenção no combate ao crime. Já os fatos, que se danem.
- e a população , com é que fica ?
- não fica. Para a imprensa a população deve pensar e acreditar naquilo que imprensa deseja que a população acredite. Se você for espeto e bem informado, dá sobreviver, caso contrário será mais um que terá a consciência modelada.
O dia fora longo e surpreendente para mim. Ao chegar em casa liguei a TV para assistir as "notícias" e terminar o dia "bem informado".

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A Grande Imprensa Garimpando Um Golpe

 A Grande Imprensa Garimpando um Golpe



Exatos cinquenta anos atrás os Beatles gravaram seu primeiro compacto simples. Na mesma data o personagem  007-James Bond surgia para a eternidade. O dia 5 de outubro, ao que parece, é uma data ícone de grandes acontecimentos. Hoje, nos grandes jornais brasileiros, principalmente folha e globo, a cidade paraense de Parauapebas  ganha um destaque jamais visto em nosso planeta. Com uma população de 154.000 habitantes , encravada na serra de carajás no norte do país e tendo a mineração como a principal atividade econômica, Parauapebas se transformou em uma mina de alta rentabilidade eleitoral para os objetivos políticos daquilo que se convencionou chamar de grande imprensa no Brasil. No garimpo das possibilidades infinitas, visando atacar o Partido dos Trabalhadores na véspera das eleições, globo e folha partem para a extração a céu aberto de uma suposta atividade ilegal que envolve um milhão de reais para facilitar a eleição de um candidato a prefeito do município , obviamente pertencente ao PT. Em outras ocasiões, e não foram poucas, globo sempre que questionada por não divulgar supostos ilícitos, que também não foram poucos, em governos de seus aliados, afirmava que tratava-se de assuntos locais que não mereciam um destaque no seu telejornal nacional ou mesmo em outras mídias do grupo, ficando o assunto restrito ao noticiário do estado envolvido, quase sempre São Paulo. Os dois jornais apresentam uma foto com uma montanha de dinheiro que seria usado para facilitar o PT de Parauapebas. O globo ainda garimpou mais a notícia, colocando uma foto do julgamento do mensalão em que diz que o PT foi punido e logo abaixo a foto do dinheiro para o PT de Parauapebas. As notícias da primeira página dos marinhos garimpeiros não deixam margem para quaisquer dúvidas, conduzindo o leitor ao entendimento de um mar de lama e corrupção envolvendo o PT. Alucinados em meio a extração eleitoral, o globo ainda deslocou seu foco para jazidas  mais ao norte, trazendo, também em primeira página, notícia sobre as eleições na Venezuela, onde, segundo os garimpeiros alucinados, o governo Chavez estaria pagando eleitores para facilitar sua reeleição, que também acontece no próximo domingo. Todas as notícias apontam para supostos problemas de corrupção e ilegalidades no PT e no governo Chavez da Venezuela. Enquanto isso, a realidade da vida e do pais continua apesar da grande imprensa. Em São Paulo uma vereadora acusou o governo de Nunkassab, aliado do candidato aliado da grande imprensa, de superfaturar obras de instalação do SAMU, onze instalações no total, de péssima qualidade. Isso aconteceu hoje, na cidade de São Paulo, palco de uma disputa eleitoral onde o garimpo alucinado da grande imprensa pretende eleger, a ferro de Parauapebas se necessário for, o candidato campeão de rejeição do planeta. Caso voltemos um pouco no tempo próximo, temos o escândalo da quadrilha do contraventor Cachoeira, onde jornalistas da grande imprensa foram flagrados, através de garimpo legal, em diversas reuniões com bandidos com o intuito de produzir falsas informações , inclusive forjando dossiês e documentos secretos, para atingir o PT e seus membros. Curiosamente, talvez devido a grande profundidade das jazidas, o assunto  quadrilha cachoeira e seus membros tem tido pouca extração na grande imprensa, principalmente no momento atual onde todas as luzes para um trabalho ininterrupto, foram deslocadas para as eleições e togas deslumbradas. A sobrecarga, inclusive,  causou um apagão em metade do planalto central do país e também no conteúdo informativo da grande imprensa. Atingir o PT, o ex-presidente Lula e a Presidenta Dilma são os objetivos da grande imprensa que agora, com o perigoso respaldo de uma justiça deslumbrada, tentar revestir golpes de estado e punições de seus opositores com uma embalagem  de uma duvidosa legalidade, gravada a ferro e se possível  indelével para todo o sempre. As eleições de domingo e o julgamento do mensalão estão caminhado para um assalto a democracia e um estupro na justiça, onde em um passado  as inesquecíveis imagens dos garimpeiros em busca de ouro em outras áreas de extração mineral  , podem muito bem representar a obsessão indigente e incontrolável da grande imprensa dos dias atuais em alterar e subtrair  as riquezas conquistadas e aprovadas pelo povo brasileiro nos últimos dez anos.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O Globo Atravessa o Samba

  Rio de Janeiro - 18    O Globo Atravessa o Samba




Na reta final da campanha na Venezuela, a grande imprensa brasileira, sempre em bloco barulhento, lança sua ofensiva contra uma possível eleição do candidato Hugo Chavez. No comício do candidato da oposição, apresentado como um grande carnaval da multidão em um reduto do núcleo duro da oposição, foi lançada a proposta de interromper a internacionalização da revolução bolivariana brilhantemente conduzida pelo presidente Hugo Chavez. O jornal o globo, de hoje, em chamada de primeira página afirma que o candidato da oposição não irá permitir que a estatal venezuelana de petróleo, a PDVSA, apoie projetos culturais na América Latina. Em referência ao fato, o diário dos Marinhos cita a escola de samba Unidos de Vila Isabel, do Rio de Janeiro, que recebeu patrocínio da PDVSA, para o carnaval de 2006, em um enredo que falava de nossa latinidade e que ainda homenageou em carro alegórico o líder Simom Bolívar. Na ocasião a Unidos de Vila Isabel venceu o carnaval carioca, o que certamente desagradou a tv globo, detentora exclusiva dos direitos de transmissão do desfile. No ano de 2013, ano em que a Alemanha é homenageada no Brasil, a escola Unidos da Tijuca apresentará um enredo que homenageia aquele país. A escola Estação Primeira de Mangueira tem como enredo, para este ano, a cidade de Cuiabá. Não seria nada de anormal se essas escolas recebessem patrocínio e apoio financeiro do país e cidade homenageadas. Cabe lembrar que no carnaval deste ano uma escola do Rio de Janeiro homenageou a cidade Londres, por ocasião da realização dos jogos olímpicos que aconteceram no mês de julho na capital inglesa. O jornal o globo, com sua chamada de capa, mirou, com a sua obsessão anti revolução popular bolivariana, em Hugo Chavez e na escola Unidos de Vila Isabel, que nos últimos carnavais tem se apresentado com enredos que valorizam nossa cultura e também enredos de cunho trabalhista popular.De 2007 para cá, a Vila já apresentou os seguintes enredos: Teatro Municipal do RJ, Trabalhador em referência as conquistas da era Vargas, Noel Rosa, Angola, além de outros . No ano de 2013 , a escola do bairro de Vila Isabel apresenta um enredo sobre a vida no campo, com enfoque para o pequeno trabalhador rural e a produção de alimentos por esse pequeno trabalhador.Certamente não são enredos que a tv globo gostaria de apresentar em sua transmissão. Cabe lembrar, também que a escola Acadêmicos do Salgueiro apresentará no ano de 2013 um enredo que tem o nome de Fama, que nos bastidores comenta-se que tem o patrocínio da revista Caras e que certamente trará inúmeras celebridades para o desfile, o que agrada a tv globo. Vale ainda lembrar, que outra escola , a Unidos de São Clemente, apresentará um enredo com o tema, Horário Nobre, em uma referência as novelas, principalmente as da tv globo. Na eleição da Venezuela, o globo atravessou o samba, perdeu pontos e caiu para o segundo grupo, mesmo patrocinando Celebridades e seu Horário Nobre.





quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Primavera Popular


Primavera Popular




A primavera começou cinzenta e os desequilíbrios no clima, pesado em nossas terras, indicam um cenário sem flores. A primavera que chega para todos talvez não seja a primavera desejada por todos. A predominância de cores escuras, por vezes obscuras, indica que as trevas  ainda sequestram as luzes do povo. Prefiro escrever sobre política porém o momento exige que falemos sobre a natureza. Um espetáculo sem flores, sem precedentes na história do país, rouba a cena na estação das flores.  Com uma dedicação, que tangencia a obsessão, a grande imprensa brasileira abre todos os jardins da noite para o julgamento da ação penal 470, que acontece no Supremo Tribunal Federal - STF - amplamente divulgada com o nome de mensalão. Apesar do noticiário diário, por meses, o povo pouco sabe, ou nada sabe, do que venha a ser, de fato, o chamado mensalão. No imaginário popular, nas esquinas cinzentas da primavera o povo fala de corrupção que ele sabe da existência desde longínquas primaveras .Na primavera cinzenta, de poucas cores, nomes de empresários e políticos desfilam diariamente nos grandes meios de comunicação. A ação em julgamento é fruto de um suposto esquema de compra de votos ocorrido em um dos governos populares, com início na primavera do povo em 2002,  do Partido dos Trabalhadores - PT - na época do então Presidente Lula, retirante nordestino, operário, líder sindical, deputado constituinte, presidente do PT. Nunca na história das primaveras brasileiras se viu tanto empenho, tanta  dedicação para que possíveis envolvidos em atos ilegais sejam exemplarmente julgados, punidos e privados do contato com as flores. O STF, e seus ministros membros, jamais desfrutaram de tanta visibilidade. O jargão do Direito, reproduzido dedicadamente pela grande imprensa todos os dias, dialoga em recintos fechados ,abertos ao povo pelas lentes e câmeras das mídias. O andamento do julgamento, mediado pela grande imprensa, é percebido pelo povo nos nomes e fotos de possíveis culpados, independentemente de quaisquer outras considerações sobre o processo ou mesmo sobre práticas semelhantes, mesmo que não julgadas e punidas , em outras primaveras próximas na história política do país. Na primavera cinzenta o povo se pergunta, nas esquinas ainda sem flores, se os acusados serão punidos como medida exemplar , ou se apenas pelo fato de serem de origem humilde, popular, como sempre ocorre no país.  Nos jardins e parques encharcados pela chuva, que é necessária para florir, o povo comenta fatos passados próximos e presentes, em que representantes das elites econômicas do país, como um banqueiro tido como brilhante por essas mesmas elites, chegou a ser detido pela polícia federal ,em operação legal, por crimes financeiros. Em uma abordagem discreta e de poucas cores, a grande imprensa pouco tempo dedicou ao banqueiro, que para espanto e surpresa do povo, foi contemplado com dois habeas corpus de soltura, em um período de três dias, por um dos juízes ,que hoje, na primavera chuvosa , julga a ação contra políticos do povo. Se não bastasse, o mesmo juiz é citado em outro processo , atualmente em CPI do Congresso Nacional em que elites econômicas e partidos da oposição, sem origem popular, estão envolvidos em esquema de corrupção onde até representantes do crime organizado se fazem presentes. Quanto a esse assunto, o povo, na esperança da primavera popular ainda sem cores, se pergunta e pergunta a quem de direito, ou a quem interessar possa, o motivo de tamanha timidez e economia de informação por parte da grande imprensa. No espetáculo midiático que se transformou o julgamento do mensalão, políticos que não estão em julgamento vem sendo julgados pela grande imprensa como se fizessem parte dos acusados e , para espanto do povo ,dos pássaros e recolhimento das flores, ministros do STF repercutem o julgamento proferido nos bancos dos parques noturnos da grande imprensa.  Cabe ainda lembrar, neste início de primavera, que um jornalista da revista Veja, flagrado em conversas criminosas,  é acusado de fazer parte de uma quadrilha para plantar, na mídia das noites sem flores, acusações falsas sobre o governo e políticos do povo. Nada disso é disponibilizado , pela grande imprensa, para o povo. No julgamento midiático, espetacular do mensalão, ministros do STF levaram um puxão de orelha, até mesmo pela presidenta Dilma, pelo fato de terem produzidas  informações falsas e sem conteúdo em suas teses de justificativas de voto que seriam para punir políticos do povo. Também afloram no plenário de togas sem cores, expressões de desequilíbrio e autoritarismo por parte ministros envolvidos no julgamento. Na primavera, o povo nas ruas já percebeu que querem culpá-lo, condená-lo por crimes as vezes confusos de serem provados. Mais uma vez o povo pergunta se será ele, o único culpado. E os outros, conhecidamente e historicamente corruptos, mesmo que não estejam no escopo do julgamento do mensalão, continuarão livres, roubando o dinheiro público e julgando e prendendo os pobres e de origem popular ? A primavera popular e das cores pode estar apenas começando.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Diários de Motocicleta - 5 A Ressurreição de Madalena

Diário de Motocicleta - 5    A Ressurreição de Madalena





Depois de um dia em uma cidade da região dos lagos no estado do Rio de Janeiro, saí bem cedo,  na manhã de uma sábado , com destino ao Rio de Janeiro. Na segunda-feira próxima retornaria ao trabalho. Fazia frio e uma chuva fina me acompanhou durante as duas horas de viagem. Chegando em casa, ao estacionar a motocicleta na garagem, me lembrei do lugar mais distante que tinha alcançado naqueles dias de férias. Por algum tempo, enquanto desfazia a bagagem, passava um filme da viagem. Foi quando o telefone tocou. Era Madalena, amiga que vive na cidade de São Paulo  de onde me ligava. Estava me convidando para passar o final de semana em sua casa, em São Paulo, como já fizera de outras vezes. Expliquei que tinha acabado de chegar de uma longa viagem, mas que talvez fosse uma boa ideia. Estava se aproximando das 10 horas e então combinei que pegaria a ponte aérea das 13 horas, no que ela disse que me aguardaria no aeroporto de Congonhas. Disse para que fosse bem agasalhado pois o dia era típico de São Paulo, com muito frio e chuva fina. Desliguei o telefone, e ainda repleto de estrada comecei a reunir uma nova bagagem. Madalena é uma pessoa especial. Filha única, de uma família de imigrantes italianos,  é herdeira de um grupo de industrias do setor metal mecânico localizadas na grande São Paulo. Formada em Administração de Empresas, com mestrado em uma universidade dos EUA, conduzia os negócios da família ao lado do pai, um sujeito conservador e autoritário, tanto na condução dos negócios quanto na relação com a filha. Conheci Madalena, já há quase três anos, por ocasião de uma auditoria que conduzi em uma das indústrias do grupo. Na ocasião, ela era , como ainda é hoje, responsável pela implementação e condução de um programa de gestão da qualidade nas empresas. Na auditoria me chamou a atenção o fato de que aquela mulher, mesmo com toda a resistência do pai, implantava com competência e de forma cuidadosa e criteriosa uma cultura democrática e participativa nas empresas. Para mim, que já conhecera dezenas de empresas, a visão de Madalena era algo raro no setor, entretanto coincidia com a compreensão que tinha sobre uma cultura para a Qualidade nas empresas.  O padrão dominante nas indústrias, no tocante a  uma cultura para a Qualidade, era meramente cartorial, objetivando a certificação que garantiria o trânsito livre nas relações comerciais empresa-empresa, sendo a Qualidade apenas um discurso da moda, desprovido de profundidade e até mesmo para muitos empresários, algo ameaçador e perturbador da ordem nas empresas. Assim como eu, Madalena não via dessa forma. Acreditava que democratizando  a gestão e dando voz aos empregados, que ela  tratava de fato como colaboradores, poderia ter sucesso na modificação de uma cultura autoritária vertical para uma cultura horizontal participativa. Mesmo sendo uma pessoa endinheirada, sem qualquer tipo de preocupação financeira, não se identificava com os valores predominantes nas elites econômicas do país. Eleitora do Partido dos Trabalhadores, defensora de um socialismo democrático, sua opção política produzia arrepios  no pai e nos amigos milicos do velho naqueles tempos de final da ditadura militar. Entretanto a sua competência na condução dos negócios da família , a satisfação dos acionistas, o respeito e adoração que recebia de seus colaboradores, intimidavam, mas não eliminavam nunca, os arrepios do pai. Nesse eterno conflito em que a relação pai- filha e chefe -subordinada se misturavam no dia-a dia da empresa, Madalena conseguia equilibrar e manter uma relativa distância sobre o autoritarismo do pai, conduzindo o programa com uma determinação exemplar. Nossa afinidade se manifestou logo na primeira vez em que auditei a empresa, durante três dias. A partir dali mantivemos contatos frequentes sobre congressos, seminários , mesas redondas de interesse comum. Trocávamos, também, informações sobre livros e novas tendências na administração de empresas em que  a visão alternativa emergente predominava. Apesar de seus trinta e poucos anos era dona de uma cultura vastíssima. Com o tempo nossa amizade foi ganhando novas cores e como meu trabalho exigia deslocamentos constantes para a cidade de São Paulo, nossos encontros se tornaram cada vez mais frequentes. Apaixonada pelas artes e totalmente alinhada com a visão alternativa emergente, acreditava que aquele era um caminho sem volta e que o tempo seria o revelador daquela nova compreensão da realidade. Com uma aparência simples, próximo ao casual, circulava com desenvoltura em todas as situações. Avessa ao exibicionismo e a ostentação dos endinheirados, pois como ela mesmo dizia " já nasci rica em ambiente de dinheiro e cultura"  tinha como marca o bem viver e o bom gosto. Foi com Madalena que conheci uma cidade de São Paulo que não aparece na tv.  Uma cidade para todos, pobres e ricos . A São Paulo de Madalena não tinha pobreza nem riqueza extremas, fosse na escolha de um restaurante, numa exposição de arte, em um show musical. Uma cidade fascinante que transbordava cultura, bom gosto e até mesmo um toque artesanal, em todas os locais por onde circulávamos. Morava só, em uma confortável cobertura em um prédio próximo ao Parque do Ibirapuera, onde sempre podia ser vista nas caminhadas ou mesmo em reuniões de trabalho com colaboradores, para desespero de alguns poucos engravatados e de algumas de saias justas. Principal executiva de um grupo empresarial onde a cultura é predominantemente machista em um universo de arquétipos masculinos, Madalena não se rendia e com rara habilidade fazia valer suas ideias, exercitando tais arquétipos através de um filtro feminino, sem abandonar  suas características.  Fora do trabalho levava uma vida em defesa de seus ideais humanistas e socialistas, o que, como ela mesmo dizia, dava um leve caráter esquizofrênico na totalidade de sua vida.  Aspecto esse que também se fazia presente em nossa amizade, pois assim como ela, trabalhava em uma empresa que construía uma central nuclear mas era  contrário ao uso da energia nuclear. Sua casa dizia muito de sua personalidade. Apesar de morar em uma confortável cobertura, as dimensões do imóvel eram modestas para quem dispunha de tantos recursos. A decoração combinava o pós moderno com o antigo, tanto nas peças do mobiliário como nas obras de arte, valorizando em todos os casos a originalidade e a produção limitada. A primeira vista qualquer pessoa teria dificuldade de entender o ambiente entretanto,  com um pouco tempo ficava marcante que o aspecto impessoal e padronizado não se manifestava naquele ambiente. Tudo foi cuidadosamente elaborado, funcional e de bom gosto que no conjunto produziam uma harmonia, as vezes cult, outras non sense e até um pouco brega, mas que transbordava arte. Cheguei no aeroporto Santos Dumont ainda um tanto tonto de tanta estrada, as vezes me questionando como poderia estar embarcando para São Paulo, para passar um pouco mais de 24 horas naquela cidade. Comprei o bilhete e telefonei para Madalena confirmando o horário de embarque. Embarquei no barulhento confortável electra e decolamos. A viagem , com o tempo chuvoso em todo o percurso, não foi muito diferente dos últimos dias, até mesmo no tocante  aos trancos e solavancos devido aos buracos da estrada. Felizmente o electra pousou em Congonhas e depois de fazer seu habitual estardalhaço no momento de reversão dos motores, parou na pista para desembarque. O frio estava de rachar, o céu cinzento e uma chuva bem fina. Estava em São Paulo. Cruzei o setor de desembarque para o saguão do aeroporto e avistei Madalena. Quando me viu abriu um belo sorriso. Enfiada em uma calça jeans e cheia de agasalhos e casacos deixava a mostra a pele bem clara de seu rosto com seus cabelos castanhos, soltos, a altura dos ombros. Estava um pouco mais magra do que da última vez que nos encontramos, o que certamente a deixa mais feliz pois vive brigando com a balança por causa de sua inclinação incontrolável pela culinária italiana.
- que cor bonita, disse ela se referindo ao meu bronzeado
- mudei de emprego. agora trabalho como salva-vidas. disse em meio a um abraço.
Caminhamos para o estacionamento do aeroporto trocando elogios sinceros a cerca de nossas aparências, o que não poderia ser diferente em se tratando de Madalena. Já em sua casa, saboreando um  providencial chá, bem quente, disse que tinha muitas novidades para me contar. Posicionou-se no sofá, cruzou as pernas, inclinou-se para o meu lado e começou a falar.
- você não imagina os resultados que estamos alcançando com as equipes. De início foi uma tremenda dificuldade para dar início ao processo. Primeiro vencer as resistências de papai, depois encontrar um horário para que as equipes pudessem fazer as reuniões. Não tinha como pedir aos colaboradores para que ficassem depois do horário de expediente na empresa e também não seria produtivo depois de um dia de trabalho discutir assuntos relativos ao trabalho. Durante o horário do expediente seria o ideal, mas se o fizesse , papai invadiria a fábrica. Consegui que os grupos passassem a funcionar antes do início da jornada de trabalho.
- de madrugada, Madalena ?
- não é bem assim. A jornada inicia às 07:15 e começamos as reuniões ás 06:15. Achei por bem fazer as reuniões em um ambiente de café da manhã. Você sabe, antes de entrar no trabalho todos tem o café da manhã na empresa e o que fiz foi transformar o café em algo mais prolongado e farto. O pessoal aprovou e os grupos funcionam bem.
- e todos os colaboradores gostaram da ideia de discutir questões relativas ao trabalho ?
- tive algumas surpresas nesse aspecto. Durante o estágio preparatório, através de consultas e palestras que fiz com todos, notei que um número significativo de colaboradores, longe de ser a maioria mas mesmo assim significativo, não se sente bem em um ambiente participativo, preferindo a postura passiva e cômoda de receber ordens e executar.
- não correm risco em se expor, não é isso ?
- um pouco disso e outras questões até mesmo de foro íntimo, mas o elemento predominante é  a identificação , ou a falta de identificação, com o trabalho fazendo com que essas pessoas minimizem suas responsabilidades apenas para aquilo que executam. Qualquer ordem  que recebam, eles executam e caso venha a ocorrer um erro , não na execução mas no conceito daquilo que foi pedido e executado, eles de imediato dizem estar cumprindo ordens.
- é como disse , não querem se expor.
- em parte, mas o principal elemento  que move esse tipo de comportamento é a falta de identificação com a empresa e com o trabalho, e em segundo lugar  os conflitos com os supervisores ou gerentes imediatos. E foi aí que consegui reverter boa parte dessa resistência colocando operários e gerentes nos grupos discutindo assuntos relativos ao trabalho sem que os aspectos de hierarquia prevalecessem na discussões. Foi ótimo.
- e os gerentes e supervisores, como se comportaram ?
- então, de início, nas primeiras reuniões, ainda tentavam impor a condição de superiores perante os operários, mas com as  intervenções dos moderadores de grupos  essa postura praticamente desapareceu . E a partir daí os resultados tem sido fantásticos. Apenas um exemplo, na linha de fabricação de fixadores para trilhos  e dormentes, tivemos um ganho de produtividade de 20%, uma redução fantástica do índice de acidentes, um índice de sucata perto de zero, e uma melhor maneira de executar as tarefas. São impressionantes a qualidade e profundidade das sugestões apresentadas pelos colaboradores. No caso dessa equipe, que é a mais antiga, as reuniões estão evoluindo até mesmo para o crescimento pessoal dos envolvidos .Uma vez esgotado os assuntos mais técnicos são abordados aspectos do relacionamento interpessoal, tanto entre colaboradores como entre colaboradores e supervisores e gerentes. Em alguns casos , até mesmo as relações familiares crescem e evoluem, pois são os motivadores e significantes para determinados tipos de comportamento no trabalho. É uma revolução.
- e seu pai, o que acha disso tudo ?
- então, como estamos tendo excelentes resultados , e para ele só interessa o resultado financeiro, ele não reprova , mas também não diz que aprova. Você sabe, ele fica dizendo que minhas ideias são de comunista, que isso é coisa de socialista...
- seu pai lê o globo ?
- não. lê outros jornais daqui, mas assiste todos os telejornais da tv globo.
- está explicado.
- então, as equipes estão crescendo, os colaboradores mais satisfeitos, a participação na tomada de decisões ainda que apenas nos aspectos produtivos operacionais se faz naturalmente.
- mas tenho uma dúvida. Com a participação de todos nas tomadas de decisões o processo decisório não fica mais lento ?
- com certeza. Democracia participativa exige muita discussão, mas aí entra a importância dos moderadores , dos gerentes e dos supervisores , para evitar que se tergiverse ou que se volte para um ponto que já foi decidido. Eles foram treinados para esses aspectos. Outro dado importante é que a qualidade das decisões melhorou muito, fazendo com que sejam duradouras as ações decorrentes de decisões tomadas neste ambiente. Aquilo que foi decidido raramente sofre modificação com o tempo, o que não acontecia quando a decisão era de uma única pessoa, ou de um único degrau da hierarquia. Visões diferentes  enriquecem o processo decisório e , com o passar do tempo também produz um ganho na produtividade. Então, aquilo que parece lento  no início, e de fato é mais lento, produz um resultado melhor no curto prazo devido a solidez, precisão e completeza do processo decisório. Seria tão bom se toda a empresa , em todos os processos, se envolvesse nesse ambiente. Seria melhor ainda, se todos os governos, municipais, estaduais e federal  exercitassem  a participação popular nas tomadas de decisões. Isso é a verdadeira democracia, o verdadeiro e mais autêntico poder, pois emana do povo e por ele também é exercido. Infelizmente ainda estamos em uma ditadura, agonizante, mas ainda estamos longe do povo no poder. Então, estou satisfeita e acredito que iremos evoluir muito mais. Como já disse pra você, esse é um caminho sem volta. Mas tem outras coisa que quero dividir com você. Recentemente estive nos EUA para fóruns e palestras. Adoro esses encontros , servem como uma ressurreição , um renascimento para mim .Primeiro estive com o pessoal de um fórum econômico e de negócios e depois em um outro encontro com pensadores em uma universidade. Foi fantástico, você não imagina. O pessoal do fórum econômico alertou, como já vinha fazendo em outras ocasiões, para o processo em curso  de desregulamentação da economia mundial nesta década.
- exacerbação de práticas mercadológicas ?
- pode ser mas o principal é que tudo isso eles já tinham alertado na última reunião e você sabe, aqui na ditadura agonizante  não temos a melhor ideia do vem pela frente, mesmo sendo um governo civil com acreditamos que vai acontecer. Por isso que tenho que viajar com frequência para os fóruns para conhecer os rumos e tendências.
- mas tem alguma coisa que não entendo. Você está empolgada com democracia participativa, com os resultados que consegue na empresa, fala que é um caminho sem volta, que é a emergência de uma nova cultura etc... mas o que que você aponta como tendência para o futuro, fruto de suas participações nos fóruns, é exatamente o oposto. Com é que fica ?
- então, a visão do fórum econômico está correta, no tocante aos rumos da economia , mas não tem profundidade como dizem os pensadores dos fóruns acadêmicos. Segundo os pensadores da academia o mundo nas próximas duas décadas, seguindo a tendência em curso,produzirá uma riqueza jamais vista em outras épocas, mas com um custo social e ambiental devastador. As massas monetárias serão gigantescas mas cada vez mais poucos irão desfrutar da riqueza. A exclusão e a pobreza irão aumentar. Eles acreditam que esse processo em curso, que aqui no Brasil ainda nem se sonha sobre ele, não pode se sustentar por mais de duas décadas e, que certamente todas as idéias bloqueadas há poucos anos atrás vão voltar , mas com novas maquiagens e embalagens. Você sabe, aquilo que emerge, como estrutura de conceitos científicos solapa grande parte dos conceitos dominantes. A própria compreensão da natureza se modifica, onde o feminino prevalece sobre o masculino.
- que história é essa , Madalena ?
- o conceito de natureza passa a ser cooperativo, bem diferente de tudo que se sabe e vivencia no dias atuais.
- e o que isso tem a ver com o feminino ?
- então, quando me refiro ao feminino falo de arquétipos, aliás já conversamos sobre isso. Essa nova versão do capitalismo , e até mesmo o capitalismo, é baseado na competição, vai ser um salve-se quem puder. A competição, em todos os aspectos, é uma expressão masculina, assim como a liderança, a chefia , o comando, independente de quem esteja envolvido com esses processos , homem ou mulher. No momento em que estou no comando de minhas empresas, dirigindo, estou exercendo arquétipos masculinos de direção, sem que para isso eu tenha que ser igual aos homens nessas expressões. Se me comportasse como um homem se comporta nessas questões, estaria em desvantagem pois sendo mulher os homens fariam melhor. Ao comandar, mesmo sendo um arquétipo masculino, o faço através de meu filtro feminino. E essa emergência do feminino vem desde as novas estruturas do conhecimento científico, obviamente  até em uma nova forma de poder.
- você fala de uma emergência do feminino. Não consigo enxergar nada disso a minha volta.
- e nem pode. Falo de uma cultura que ainda não nasceu, mas que é um caminho sem volta e que em pouco tempo será dominante.
- agora também é profeta ?
- você sabe que não dou a mínima para essas bobagens de profecias. Falo de pensadores, acadêmicos que trabalham com cenários e modelos. Profecia deixo para aquela turma daquela palestra que fomos, lembra?
- aqueles teus amigos etruscos ?
- não é pelo fato que sejam italianos e místicos que são etruscos.
- mas você me mostrou uma representação , em uma pintura, que seria de figuras etruscas.
- sim. eles são depositários de uma parte da cultura etrusca, mas não seguem nenhuma prática daquele povo. Eles é que gostam de profecias. Lembra que naquela palestra eles falaram que o ano 2000 viria a emergência do feminino ?
- Lembro e acho que essa história do feminino emergente ainda vai dar muito pano prá manga.
- hummmmm, isso está me cheirando a machismo. Parece até meu pai  ?
- me comparando com teu pai.  Que bandeira.
- deixa de bobagem. você é meio mandão, mas não tem nada de papai. Então. Os movimentos de emancipação e libertação da mulher caminham nesse sentido, de uma maior participação do feminino. Vocês homens, vão ter que reaprender a serem homens.
- que papo é esse. colocando a gente na fita, dizendo que tem que  reaprender. Disse com um expressão saindo de banda.
- vocês não sabem fazer nada, ou quase nada. Foram condicionados, ao longo do tempo, a matar um leão por dia para sustentar a família. Fora isso, necessitam de cuidados das mães e das mulheres. Com a emancipação da mulher novos desafios se apresentam para o homem, e a maioria em expressões de arquétipos femininos.
você não fala essas coisas para os seus funcionários, fala ? Se falar vão meter você numa laminadora e você vai virar trilho.
- claro que não, isso eu converso com pessoas próximas. É ai que eu digo que é um caminho sem volta.
- mas essa história do feminino vem de longa data. Se a tua tese de emergência do feminino estiver correta , como é que fica a religião. Já tem toda essa polêmica sobre a história da tua homônima, que foi uma história plantada  de prostituta etc e tal. E ai, com fica, vai ser uma confusão dos diabos, ou melhor, dos santos. São quase dois mil anos do masculino.
- Isso é uma outra história, você está misturando as coisas. Tudo bem que que pode ter respingos, mas não entro nessa esfera. De fato , sei, que o que emerge é feminino. Essas confusões com Madalena não me interessam.  Então, me diga o que você acha de tudo isso .
- não dá. é muita coisa, muito conceito. você passa semanas com feras do pensamento científico, político, econômico e filosófico e quer que eu tenho uma opinião sobre tudo isso.Vou precisar de um bom tempo para analisar, refletir e ter uma opinião própria. E ainda estou chegando de viagem, onde vivi experiências impactantes...
- Tudo bem, então me conta sobre sua viagem. disse e já se posicionou no sofá para ouvir
- não posso.
- como ? Não pode ?
- ainda não terminou.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A Foto

A Foto




Hoje a Presidenta Dilma aparece em foto nas principais mídias, estranhamente e generosamente financiadas com verbas de propaganda do governo federal, em uma campanha pela redução dos acidentes no trânsito. Vestida com uma camisa com a foto de um filho de uma atriz da rede globo, morto em acidente de  trânsito, a foto da Presidenta pode ser comparada a uma extensão do programa vídeo show da mesma emissora. Os acidentes de trânsito com vítimas , no Brasil, tem números alarmantes que podem ser comparados as vítimas de uma guerra civil, por exemplo. Diariamente dezenas de pessoas morrem nas ruas e estradas do Brasil por conta do descaso, imprudência, irresponsabilidade de todos envolvidos com a selva e a fauna , principalmente nos grandes centros urbanos. Na condução de veículos os animais  exalam, através de suas descargas anímicas, toda sorte de frustrações acreditando que a armadura que os envolve é uma extensão deles próprios, parte de seu corpo, de seu habitat, extensão de suas pernas, anexo de suas residências. Tudo isso, e um pouco mais,  contribui para uma sensação de poder, imbatível, veloz, indomável, assim como os velozes e furiosos da ficção, ou a emoção na condução sugerida pela propaganda, ou ainda a paisagem paradisíaca com opção de aquisição daquele veículo, como também sugere a propaganda. Na década de 1960, atento ao movimento consumista que ganhava contornos de nitidez inquestionável, os irmãos Valle brindaram a todos com uma canção onde a presença do automóvel determinava a existência, ou não, das pessoas em uma sociedade. Dependendo do veículo adquirido, os Silvas, Souzas, Guimarães, Santos e outros, ganhariam até o reconhecimento de uma linhagem da nobreza. Dizia  assim:

" a questão social industrial, não permite não quer que eu ande a pé,  na vitrine o mustangue cor de sangue,
    tem um novo ideal sexual, abandono a mulher virgem no altar, na vitrine o corcel cor de mel.
    no farol vejo o seu olhar, minha mão toca a direção, no painel vejo seu amor e meu corpo invade o interior"

Não necessariamente nessa ordem ou  com a totalidade dos versos, a canção mostrava a importância que automóvel assumia na vida das pessoas, a ponto , se fosse o caso, trocar a mulher no altar por um conjunto bem organizado de ferros brilhantes e reluzentes. A indústria automobilística crescia no Brasil, assim como o culto ao automóvel, eliminando praticamente todos os outros meios de transporte. Uma outra canção dizia:

"  ponta de areia ,ponto final, da Bahia a Minas estrada natural, que ligava Minas ao porto ao mar, caminho de ferro  
    mandaram arrancar" 

E assim aconteceu até os dias atuais, onde os animais urbanos tem no automóvel suas garras, suas mandíbulas, suas patas sempre prontas para o ataque. O resultado tem sido desastroso e centenas de milhares de pessoas já morreram e morrem  diariamente. Pessoas como o cidadão que foi atropelado, em rodovia próximo a cidade do Rio de Janeiro, por um veículo que atinge velocidade de 300 km por hora. O nome dele , nem a foto , aparece na imagem da  camiseta da Presidenta. Podia ser um Santos um Souza , um Guimarães, um Silva, mas é apenas uma estatística sem o status de celebridade que teve o mesmo fim e repousa em igualdade de condições com o menino da foto. Enquanto o governo federal financia veículos de mídia que desejam derrubar o próprio governo, enquanto a morte de um filho de uma simples mortal atriz de tv for mais importante que os mortos diários no trânsito, enquanto o governo federal não mudar sua submissão aos interesses das grandes corporações do setor, enquanto esse mesmo governo não criar a aplicar políticas de mobilidade que priorizem o meio ambiente  e a facilidade de deslocamento das pessoas ( como fez a Índia com veículos baratos e práticos ) , o trânsito continuará produzindo estatísticas onde somente os Souzas, Silvas , Santos e Guimarães  que possuam visibilidade, que seja mesmo uma fútil visibilidade, terão foto  e serão marcas para campanhas do governo federal.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Pedras e Vidraças - A Imprensa Que Virou Suco

Pedras e Vidraças - A Imprensa que Virou Suco





A globo já era, é passado. Já vem de um bom tempo que o interesse político está presente em todos os programas da grade da globo. Independente do jornalismo, a orientação política da emissora é facilmente percebida em filmes, novelas, programas infantis, programas de auditório, programas de entrevista e até no futebol. O objetivo é sempre o mesmo: formatar a consciência do telespectador naquilo que a globo julga ser importante para o país. O que a globo julga ser importante para o país é definido pelos seus principais parceiros, no caso os setores ultraconservadores dos EUA. A globo é uma extensão dos interesses americanos no Brasil e trabalha de forma incansável de maneira que tais interesses sejam devidamente propagados,solidificados, consolidados e preservados, para todo o sempre ,nos corações e mentes de uma parcela da população brasileira que mistura a susceptibilidade com inocência na recepção de tais conteúdos. Isso significa que uma parcela da audiência da emissora tem um perfil nazi-fascista, consciente ou não, harmonizado com os valores e conceitos políticos que a emissora propaga diariamente, enquanto outra parcela absorve tais conceitos pelos canais da ingenuidade e desinformação histórica. Isso forma uma parcela da população brasileira, que oscila entre 20 e 25%,totalmente alinhada com valores ultraconservadores do campo da direita. Essa parcela pode oscilar, para mais ou para menos, em períodos de eleições, dependendo do sucesso das campanhas conservadoras conduzidas , não apenas pela globo , mas pela maioria dos veículos da grande mídia. Esse quadro começou a ser modificado no ínício dos anos 2000, com o crescimento da internete e com a eleição de um presidente de origem popular. Apesar da intensa campanha conduzida pela grande mídia para desestabilizar, e até derrubar os governos Lula, o que se viu foram vitórias sucessivas do campo popular em 2002, 2006 e 2010. O interesse pelos menos favorecidos, ainda que não seja pleno e revolucionário como ocorre na Venezuela, se fez e está presente nestes governos, o que contraria a tese da grande mídia de que o povo alinha-se com os ideários que esta mesma mídia veicula diariamente. Isso pode ser comprovado nas eleições, quando o poder de formação da opinião pública não mais se restringiu aos grandes meios de comunicação, surgindo na internete uma capilaridade múltipla informativa que diluiu o poder da grande mídia em influenciar as decisões do eleitorado. Uma nova manipulação como a de Collor em 1989 se desfaz em menos de 24 horas,com um efeito disseminador sobre a farsa que pode representar , para os farsantes, um tiro no próprio pé. Nessa nova realidade a grande imprensa acordou e passou a ocupar espaço na internete, não necessariamente para informar mas para disseminar seus valores e conceitos se apropriando dos jargões e estilos predominantes na rede de computadores. Assim chegamos ao pleito em curso, onde a eleição na cidade de São Paulo e o julgamento daquilo que se convencionou chamar de mensalão, misturam-se em análises diárias na grade da emissora, de formas direta e indireta, com o intuito de sedimentar na consciência do eleitor a opção pelos resultados desejados em ambos processos, de maneira que os interesses da emissora sejam favorecidos. Assim sendo, e assim se apresenta para os críticos e atentos, para a globo Lula e o Partido dos Trabalhadores devem ser penalizados de morte, de maneira que o candidato da grande mídia em São Paulo,José Serra, possa ser bem sucedido em sua corrida para chegar a prefeitura de São Paulo e, em 2014, deixar a prefeitura para concorrer na eleição presidencial, como uma alternativa desesperada do ultraconservadorismo brasileiro em alterar a vontade popular, a agenda vitoriosa em prática no governo federal,a aprovação inquestionável do povo brasileiro pelos governos de Lula e Dilma. A grande mídia vem perdendo a batalha das idéias e não mais consegue influenciar e alterar de forma significativa, como no passado , a percepção da maioria do povo brasileiro. De referência hoje ela é referida na imprensa emergente, que evidencia suas práticas e seu semi-jornalismo e, ainda é citada , diariamente, no envolvimento de crimes contra o patrimônio e interesse públicos,alinhado-se em quadrilha criminosa como no caso cachoeira. Mesmo dispondo de palanque privilegiado, por conta de uma legislação ultrapassada sobre meios de comunicação, para disparar suas pedras, não consegue manter nenhuma de suas vidraças intactas.