A crise hegemônica em escala mundial
A decadência da hegemonia norte-americana no mundo e o
esgotamento do modelo neoliberal são evidentes mas ainda não surgiu uma
alternativa em nível global.
por Emir Sader em 01/01/2014 às 14:38
Nunca como agora foi verdade a
tensão entre um mundo que se esgota mas teima em sobreviver e um mundo
novo, com grandes dificuldades para nascer.
Nesse vazio se insere um mundo instável, turbulento e uma ampla disputa hegemônica em escala mundial.
A
decadência da hegemonia norte-americana no mundo e o esgotamento do
modelo neoliberal são evidentes mas, ao mesmo tempo, não surge no
horizonte nem uma potência ou um grupo de países que possam exercer a
hegemonia mundial no lugar dos EUA. Nem aparece um modelo que possa
disputar com o neoliberalismo a hegemonia em escala economica global. Os
governos posneoliberais latinoamerianos não tem ainda força para que
seu modelo alternativo possa se impor em escala mundial.
A
vitória na guerra fria não significou que a imposição da Pax Americana
trouxesse estabilidade ao mundo. Ao contrário, nunca proliferaram tantos
conflitos violentos, porque os EUA se valem da sua superioridade
militar para tratar de transferir os conflitos para o plano do
enfrentamento violento. Foi assim no Afeganistão, no Iraque, na Líbia,
sem no entanto ter capacidade para impor estabilidade política sobre os
escombros das intervenções militares. Esses países continuam a fazer
parte dos epicentros de guerra no mundo.
No caso da Siria –
e, por extensão, no Irã -, os EUA sequer foram capazes de criar as
condições políticas mínimas para novas intervenções militares, tendo que
dedicar-se a processos de negociação de paz.
Porém, os EUA
seguem sendo a única potência mundial, que articula seu poder econômico,
tecnológico, político, militar e cultural, para se impor como país de
maior influência no mundo, o único a ter uma estratégia global. Nem a
China, nem a enfraquecida UE, nem a América Latina, ou um conjunto de
forças articuladas entre si, consegue se opor à hegemonia norteamericana
no mundo.
A profunda e prolongada crise econômica no centro
do capitalismo demonstrou como setores da periferia – na Ásia e na
América Latina – conseguiram se defender, sofrendo os efeitos da
recessão, mas não entraram nela, como havia acontecido em todas as
outras grandes crises no centro do sistema. Porque já existe no mundo
certo grau de multilateralismo econômico, que permite que os
intercâmbios Sul-Sul, ademais dos realizados pelos processos de
integração regional na America do Sul, unidos à enorme expansão do
mercado interno de consumo popular, possamos nos defender de cair em
recessão. No entanto, as fortes pressões recessivas não deixam de
atingir-nos, demandando que tenhamos respostas integradas para a
reativação das nossas economias.
Mas, apesar do desprestígio das
políticas neoliberais, responsáveis pela crise no centro do sistema e
impotentes, até aqui, para superá-la, o modelo neoliberal continua a ser
dominante em grande parte do sistema econômico mundial. As medidas
postas em prática pelos governos europeus são de caráter neoliberal,
para reagir a uma crise neoliberal, isto é, álcool no fogo.
Porque
o neoliberalismo não é apenas uma política econômica, é um modelo
hegemônico, que corresponde à hegemonia do capital financeiro em escala
mundial, à do bloco EUA-Grã Bretanha, assim como a um modo de vida
(chamada de modo de vida norteamericano) centrado no consumo, na
mercantilização da vida e dos shopping-centers. É um ponto de não
retorno do capitalismo em escala global, que coloca os limites das
propostas de ação as grandes potências políticas e dos grandes
organismos internacionais.
Assim, o mundo seguirá vivendo, pelo
menos na primeira metade do novo século, um período de turbulências, em
que a decadente hegemonia norteamericana se mantêm, embora com
crescentes dificuldades. Da mesma forma que a predominância do modelo
neoliberal também sobrevive, embora debilitado e condenando a economia
mundial a processos de maior concentração de renda, de exclusão de
direitos e a contínua recessão econômica.
Uma profunda e
extensa crise de hegemonia se impõe dessa forma em escala mundial, com
persistência dos velhos modelos e dificuldades para afirmar por parte
das alternativas.
Fonte: CARTA MAIOR
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Revoltas 2014: contra governos ou o capitalismo?
A mídia, naturalmente, não enxerga. Mas movimentos
expressam, no fundo, colapso das relações econômicas e políticas
hegemônicas em todo o mundo
Por Paul Mason, no Outras Palavras

(Foto: Reprodução/Outras Palavras)
Foi como uma faixa de CD saltada, ou um vídeo que derrapa de repente
para a cena seguinte. Eu filmava uma barricada em Istambul, tentando
ficar fora do alcance das bombas de gás disparadas pela polícia, quando
uma delas me atingiu na testa. O rombo que ela fez em meu capacete é
hoje parte de uma apresentação em PowerPoint, para cursos de treinamento
sobre a segurança de jornalistas.
Durante a
Ocupação do Gezi Park,
gente típica de classe média ergueu barricadas que mantiveram a polícia
turca à distância por quatro noites. No interior do parque, organizaram
uma versão-maquete da sociedade em que gostariam de viver. Estocaram
montes de comida grátis, cantaram e beberam cerveja, em desafio ao
governo conservador religioso.
De dia, os gramados abrigavam estudantes fazendo suas tarefas. À
noite, as ruas no entorno enchiam-se de jovens mascarados – e os fãs de
futebol trocavam flâmulas, para sinalizar uma trégua, no ódio de cem
anos entre os clubes de Istambul. Quando perguntava sobre suas
profissões, sussuravam: “Arquiteto, despachante de cargas, engenheiro de
software”.
Os acontecimentos do Gezi Park marcaram uma virada nas revoltas
globais de nosso tempo. Embora não seja oficialmente parte dos BRICS, a
Turquia tem a maior parte das características destes – alto crescimento,
população jovem, um Estado repressor associado a corrupção e atos
arbitrários. Depois de Gezi, não foi surpresa ver um milhão de pessoas
nos movimentos de protesto do Brasil. Nem as 17 milhões que participaram
das manifestações que derrubaram Mohamed Morsi, no Egito, nem os
protestos da Ucrânia, que ainda estão em curso. Estas sociedades foram,
supostamente, beneficiárias da globalização. Mas as classes médias
sentiram-se batidas. Por isso, agora, o “garoto mascarado que frequenta
academia e odeia a corrupção” somou-se ao “diplomado sem futuro”, na
lista de arquétipos sociais por meio dos quais procuramos entender a
revolta.
Quem lê a
última tentativa da
revista Economist para entender onde ela vai eclodir em 2014 percebe
como é árduo fazê-lo por meio do pensamento convencional. O cálculo tem
como parâmetro a suposta presença de alta desigualdade, alta corrupção,
crise econômica e colapso de confiança nas instituições. Por isso, a
Nigéria (maior economia da África), Egito e Argentina estão no topo da
lista de países onde há “risco muito alto” de conflito capaz de ameaçar a
ordem política – enquanto Brasil, África do Sul e China figuram abaixo,
como locais de “risco alto”. Embora seja um avanço em relação ao
pensamento simplório que ligava as revoltas apenas à crise econômica
pós-2008, ainda acho que falta algo. Quando alguém me pergunta sobre
onde o movimento vai eclodir de novo, respondo: “na mente das pessoas”.
A repressão tornou-se tão intensa, mesmo nas democracias estáveis,
que aqueles que se queixam hesitam mais, antes de embarcar em ações que
podem resultar em prisão. Não há uma Convenção de Genebra sobre os
conflitos contemporâneos entre tropas de choque e manifestantes. Por
isso, os sinais de consentimento são, muitas vezes, falsos. O que parece
ser ordem social é apenas a epiderme de uma desordem profunda. A China
conhece este conceito. Na internet chinesa, fervilha descontentamento,
ainda que todos, em público, reverenciem a linha oficial. Mas o mesmo
ocorre no mundo “desenvolvido”. No passado, havia poucos motivos para
temer movimentos que eram cheios de ideias, mas vazios de ação. Porém,
agora vivemos numa economia da informação. As ideias críticas têm
materialidade e a repressão parece impulsionar a crítica.
Chelsea Manning e
Edward Snowden não
são vistos como heróis do povo, na mídia ocidental. Mas no mundo
informal, o da conversação online, eles são metáforas sobre “o que
acontece”. Desafie a vigilância ilegal do Estado, jogue luzes sobre as
atrocidades militares no Iraque e você se tornará candidato ao tipo de
tortura mental praticada em Guantánamo. Nestas circunstâncias, as velhas
“métricas” – pobreza, desigualdade, colapso da confiança – tornaram-se
menos relevantes para prever as revoltas.
Apesar disso, o Grupo
Gartner prevê,
há alguns meses, que “um movimento do tipo Occupy, em escala maior, vai
começar até o final de 2014”. Os analistas do Gartner estão mais
próximos da realidade. A tecnologia da informação está reduzindo, “em
escala sem precedentes”, a quantidade de trabalho presente nos bens e
serviços. A relação entre capital e trabalho dobrou, com a urbanização
do Sul global e a mercantilização dos antigos países socialistas. Mas
não há uma rota que leve as maiorias a salários altos, ou a estilos de
vida associados à prosperidade. Em consequência, prevê o Gartner, por
volta de 2020 este cenário levará a “uma exigência de novos modelos
econômicos, em muitas sociedades maduras”.
A articulação em redes das sociedades modernas torna imprecisas as
previsões de revolta que têm por foco países específicos. Na realidade,
há uma entidade política que importa. Hoje, ela é mais desigual do que
nunca. Seu modelo econômico central está destruído. O consentimento dos
cidadãos, diante de quem os governa, corroeu-se. Esta entidade é o
mundo.
Tradução: Antonio Martins
Fonte: REVISTA FÓRUM
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A crise se alastra e vai provocando mais e mais conflitos.
No início, não da crise e sim da hegemonia neoliberal lá pelo início dos anos da década de 1990, considerando que o neoliberalismo em essência não é uma crise, tudo era alegria já que a civilização em seu processo modernizante e evolutivo reinava absoluta.
Pessoas , até então militantes de esquerda, abandonavam suas utopias e ideologias e se resignavam com o prazer, o hedonismo, com sua face que decretava o fim da sociedade e a vitória do indivíduo.
Nunca dantes na história da humanidade se falou tanta besteira como naqueles obscuros anos da década de 1990.
Foi decretado o fim da história, a cultura ganhava forte inclinação para a homogeneização e a arte era apenas puro e escandaloso extravasamento pessoal.
A partir da década de 2000, começava-se a admitir no meio do hedonismo que a história continuava seu curso, que a padronização surgia como uma limitação do próprio ideário neoliberal, pobre em ideologia e conceituação filosófica.
Em contraponto aos crescentes argumentos e movimentos que já emparedavam o neoliberalismo, eis que reaparece de forma avassaladora no mundo o terrorismo, logo apontado pelos senhores do planeta como uma ameaça aos valores modernizantes e civilizatórios e , assim sendo, deveria ser combatido sem tréguas para que o mundo livre pudesse seguir seu caminho evolutivo e próspero.
O que se seguiu foi mais um festival de asneiras, demonstração de força e um grande festival midiático bélico pirotécnico, onde cidades, cavernas, palácios , pessoas voavam pelos ares como resultado das explosões de bombas último modelo, ali apresentadas em seu teatro de operações favorito, ao vivo e real, algo de grande potencial para novos negócios de venda de armamentos militares.
Em paralelo, e sempre em nome do combate ao inimigo que não gosta de nossa cultura e de nossos valores, o mundo livre , democrático e próspero, viu e vivenciou atos de extrema violência contra as liberdades individuais, a democracia e a liberdade de expressão . Um retrocesso civilizacional sem precedentes.
" se não concorda com nossas idéias , então é inimigo" afirmavam os senhores do planeta com amplo apoio da velha mídia ocidental.
Reduziam-se os espaços para o debate, o diálogo, e o arbítrio fundamentalista cristão ameaçava o mundo.
Encurralada e emparedada, mesmo assim a razão foi ganhando espaço e reestabelecendo as verdades, ainda que somente através das mídias digitais, naquela época , metade da primeira década do século , já despontando como um novo e poderoso espaço de divulgação de idéias, informações e debates.
Em seguida, aquilo que já demonstrava estar combalido cria um caos no mundo, com a crise financeira que se inciou no final de 2007 e até os dias atuais, com os remédios aplicados, traça um lastro de maldades e violências nos povos mais afetados.
É o retrocesso civilizacional em marcha.
Enquanto isso, aqui pela América Latina, mesmo com o modelo mundial em estado agonizante, o continente não vai mal.
No Brasil, a velha e decadente mídia, que enterrou a história, as ideologias e utopias e a sociedade, hoje discute esquerda e direita e paradoxalmente, ou esquizofrênicamente, necessita da sociedade para ir às ruas, e com isso tentar mudar o quadro político.
Sem mais nenhum argumento que possa sustentar seu ideário, a velha mídia e a oposição apostam na sociedade, justo aquilo que não conseguem mobilizar.
Paradoxalmente, como forma de manter seu ideário e não perder mais terreno, também apostam no individualismo, e até mesmo como estratégia de confronto.
Hoje, o jornal o globo, apresenta em primeira página chamada de matéria em que afirma que o insulto agora é moda, não apenas pela internete. Afirma ainda, que a violência sofrida pelo outro pode ser um motivo de prazer para sociedade, no que é acompanhado pelo portal bol, também de hoje.
Ao valorizar tais comportamentos, globo se refugia e também se agarra no conflito pessoal e na violência como forma de tentar manter um ideário que agoniza.
Na esquizofrênia ou na bipolaridade, na sociedade ou no indivíduo, globo aposta na violência com estratégia de intimidação e chama a sociedade para a barbárie.
Isso significa, que ao longo do ano de eleições globo traça sua estratégia.
No campo da esquerda, a violência é desnecessária, porém, toda e qualquer forma de intimidação ou agressão não será respondida com flores e , se necessário for, com a violência e até mesmo com mais intensidade.