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segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Um título hediondo


UM TÍTULO HEDIONDO


Por Guilherme Jungstedt

UMA MANCHA NA HISTÓRIA DA LIGA DOS CAMPEÕES

ambiente parecia calmo no vestiário da Juventus. O treinador Giovanni Trapattoni havia acabado de cumprimentar e desejar sorte a cada um de seus jogadores antes da grande decisão da Champions League de 1985, contra o forte e equilibrado time do Liverpool. O capitão italiano Gaetano Scirea já envergava a camisa 6 bianconera e, mesmo antes de pôr a braçadeira, começava a liderar o alinhamento do time para os corredores que davam acesso ao campo de jogo. Foi quando um dos delegados da partida apareceu com a notícia: “Houve um problema entre as torcidas e precisamos resolvê-lo antes que vocês entrem em campo.”

Tudo normal, até então. A máxima conseqüência destes acontecimentos seria um atraso no pontapé inicial. Nada que o futebol já não tenha vivido. O que parecia incomum era o fato de o jogo mais importante da temporada europeia de clubes acontecer em um estádio que, na melhor das hipóteses, poderia ser classificado como inapropriado para o evento. Ou então, “um barraco decrépito”, nas palavras de Ian Rush, camisa 9 do Liverpool na ocasião. A estrutura do Heysel Stadium, em Bruxelas, já não era a mesma de anos atrás, quando foi palco de três finais do torneio — em 1958, 66 e 74.

A UEFA acabou escolhendo como sede para aquela final a convalescente arena da capital belga. O motivo pela escolha, ainda não se sabe. Mas tanto Juventus quanto Liverpool protestaram formalmente contra a escolha do local.

Eram necessárias boa estrutura e logística adequada para manter a estabilidade na atmosfera de uma disputa de tamanho apelo, apimentada por um componente extra: a final seria disputada por um time inglês, o que automaticamente atrairia a presença de hooligans, que viviam sua década mais explosiva. Como praxe, as torcidas ocupariam lugares opostos no Heysel Stadium. Mas a UEFA teve outra “brilhante” ideia.

Decidiu-se destinar um setor das arquibancadas a torcedores neutros: pensando nos belgas que apreciam o futebol. Mas ninguém sequer considerou a forte presença de imigrantes italianos em Bruxelas, ou que qualquer um poderia comprar, fossem ingleses ou mesmo torcedores vindos da Itália e, naturalmente, aquele espaço foi ocupado por mais torcedores da Juventus — que já não podiam mais comprar ingressos para o superpovoado setor destinado a seus conterrâneos.

Para coroar a estupidez, esses tifosi foram acomodados ao lado da torcida do Liverpool, separados apenas por frágeis grades de metal. Supostamente provocada pelos juventinos, a torcida dos Reds começou a avançar sobre eles, provocando um desesperado deslocamento dos italianos até o muro oposto à grade que separava as torcidas. Mais e mais torcedores subiam o muro para escapar da investida dos hooligans. A pressão foi tamanha que a contenção de concreto veio abaixo, levando à morte de 39 torcedores da Juventus.





O contingente policial não parecia preparado para controlar a contenda. Todo o efetivo havia sido deslocado para o local e, aqueles que não auxiliavam na contagem dos corpos — que iam sendo cobertos com pequenas bandeiras da própria torcida alvinegra – estavam alinhados em frente ao alambrado, virados para a torcida inglesa, sem sequer contar com a possibilidade de reação do outro lado do estádio. No setor da Juventus, alguns torcedores conseguiram romper a grade que separava o campo da arquibancada e, pouco a pouco, ocupavam parte da pista de atletismo que rodeava o gramado, atirando pedras — obtidas graças à arruinada estrutura das arquibancadas — e provocando tanto ingleses quanto policiais a vários metros de distância. A polícia continuava de costas para o gramado. De olho nos torcedores do Liverpool.

Já chegava a uma hora o atraso no aguardado kick-off, quando os zagueiros Antonio Cabrini e Sergio Brio já afrouxavam as chuteiras, inconformados com a falta de definição sobre o episódio. Foi então que chegou a eles a informação de que a UEFA queria a realização da partida de qualquer jeito. Os jogadores ajustaram novamente os calçados e entraram em campo para tentar apaziguar os ânimos de sua própria torcida – atribuição que poderia ser dada a qualquer envolvido com o jogo, exceto aos jogadores, como se já não fossem suficientes as tensões inerentes à dimensão esportiva daquela final.

Cabrini, Brio e Michel Platini irromperam corajosamente no meio da multidão para pedir calma aos fãs. Logo depois, Luciano Favero e Massimo Bonini chegaram com os “reforços” de outros jogadores. Muitos torcedores abraçavam os ídolos e a fome dos fotógrafos também contribuía para o stress do momento. Eles entraram em campo não para jogar, mas para cumprir a determinação da UEFA de que o espetáculo deveria continuar, sob pena de haver mais violência, caso o evento fosse cancelado.

E assim foi. Com o auxílio de forças paramilitares belgas, as torcidas foram controladas e, por volta da meia-noite, a Juventus erguia a taça de campeã europeia. Segundo Marco Tardelli — lendário camisa 8 do clube italiano — os times se apresentaram para o jogo sem ter conhecimento sobre as mortes. Ainda assim, Michel Platini foi duramente criticado por sua efusiva comemoração depois do gol de pênalti que garantiu o título.

Após a partida e já ciente da extensão da fatalidade, o francês declarou, emocionado e com a voz embargada: “Depois que a UEFA decidiu pela realização do jogo, não pensamos em mais nada. Ficamos felizes por haver conquistado o título para os torcedores italianos. O futebol está no meu coração, mas sofremos um duro golpe no dia de hoje.” Depois disso, silêncio. Constrangido, o repórter agradeceu e retirou-se, tal qual fez Platini.

O que sobrou da tragédia para a Vecchia Signora foi um título hediondo, assombrado por um incidente macabro. Para o futebol inglês, suspensão de todas as competições internacionais de clubes por seis anos. Para as famílias das 39 vítimas fatais, a dolorosa memória das perdas irreparáveis.

Fonte: REVISTA CORNER
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O ano foi de 1985, mas as imagens de pessoas encurraladas em muros e cercas do estádio belga estão vivas até hoje.

Foram cenas que chocaram o mundo.

Quinze anos após a tragédia da final da Champions League, no Brasil, por pouco tragédia similar não acontecia.

O ano era 2000, a competição era o campeonato brasileiro, batizado naquele ano de Copa João Havelange.

A partida final entre Vasco da Gama e São Caetano foi marcada para o estádio da equipe carioca, em São Januário, no bairro imperial de São Cristóvão na cidade do Rio de Janeiro.

O estádio apresentava superlotação, estava abarrotado de torcedores, quando uma cerca de proteção da arquibancada se rompeu e torcedores caíram no campo de jogo. Estirados pelo chão, feridos pela irresponsabilidade dos dirigentes tal qual cenas de devastação produzidas por tornados e eventos climáticos similares.










Eurico Miranda, atual presidente do C.R. Vasco da Gama e na época membro da diretoria do clube, entrou em campo, tentando de todas as formas minimizar o acidente e fazer com que o jogo acontecesse. O jogo, apesar das tentativas de Eurico, não pôde ser realizado naquele dia e, segundo o regulamento da competição, o Vasco perderia o mando de campo e o jogo seria jogado na casa do adversário, o São Caetano.

Não foi o que aconteceu. A Diretoria do C.R. Vasco da Gama conseguiu manter o mando de campo e a final foi jogada no Maracanã. O Vasco foi campeão, e também teve seu título hediondo.