terça-feira, 8 de agosto de 2017

A era dos raivosos




é exatamente o que acontece comigo, todos os dias, ao longo de anos. Um batalhão de acéfalos raivosos, comandados por alguns animadores de público ainda mais raivosos, descarregam sobre mim toda ignorância e toda raiva que habitam suas pobres e limitadas almas. Apesar do batalhão com suas ofensivas diárias, minhas opiniões prevalecem, não porque sejam melhores que as opiniões dos raivosos, mas prevalecem porque os raivosos não tem opinião. Tudo isso é um corte, talvez um retrato, de um pouco, ou muito, de aspectos comportamentais do Brasil atual. Quando confrontados com conceitos ou opiniões em que não possam ou não saibam como questionar, os raivosos atacam, de diferentes maneiras, aqueles que emitem tais conceitos e opiniões.

O grito Franciscano

O grito dos franciscanos e franciscanas do Brasil: “dirão que é comunismo, mas é Evangelho”
Publicado em 7 de agosto de 2017


Franciscanos e franciscana no Capítulo Nacional das Esteiras, em Aparecida

Um encontro histórico dos franciscanos e franciscanas de todo o Brasil proclamou em carta aprovada por unanimidade neste domingo (6) a adesão incondicional ao papado de Francisco e definiu como missão: “participar da reconstrução da Igreja com o Papa Francisco e reconstruir o Brasil em ruínas”. Trata-se de uma citação de um dos momentos mais conhecidos e cruciais da trajetória de São Francisco que, em 1205, na abandonada igreja de São Damião, em Assis, ao contemplar um crucifixo ouviu o que lhe parece uma mensagem direta: “Não vês como está a minha Igreja? Está em ruínas. Vai, e reconstrói a minha Igreja”. O mantra do encontro, repetido por quase todos os palestrantes e nas homilias durante as missas foi: voltar a Assis –retomar o espírito original de São Francisco.

Mais de mil franciscanos e franciscanas estiveram presentes à Conferência da Família Franciscana do Brasil, que se reuniu desde a quinta-feira (3) em Aparecida (SP). O “sabor de Francisco” convergiu com o reencontro dos parâmetros fundamentais da Teologia da Libertação latino-americana e, em sua carta, os franciscanos afirmaram em espírito de oração: “’Óh Mãe preta, óh Mariama, Claro que dirão, Mariama, que é política, que é subversão, que é comunismo. É Evangelho de Cristo, Mariama!’, ainda assim, invocamos suas bênçãos sobre toda a nossa família e sobre um Brasil sedento de Paz – fruto da justiça, do bem e da Misericórdia de Deus” –a frase é inspirada na “invocação a Mariama”, de dom Hélder Câmara. Leia a íntegra da Carta de Aparecida ao final.

Um dos trechos da carta é todo vazado a partir da melhor tradição da teologia latino-americana, severamente reprimida durante os 35 anos da restauração conservadora sob João Paulo II e Bento XVI: “A realidade ecológica e sócio-política-econômica do nosso país nos exige compromisso profético de denúncia e anúncio. Assistimos, tomados de ira sagrada, à violação dos direitos conquistados, através de muitos esforços, empenhos e articulação pelo povo brasileiro. Por isso, não podemos deixar de nos empenhar junto aos movimentos sociais na luta ‘por nenhum direito a menos’, contra golpes, reformas retrógadas e abusivas conduzidas por um governo ilegítimo, um parlamento divorciado dos interesses da população e uma justiça que tem se revelado fora dos parâmetros da equidade que no lugar de fortalecer o papel do Estado para atender às necessidade e os direitos do mais fragilizados, favorece os interesses do grande capital”.

Foram quatro dias marcados pela emoção e o compromisso, com representantes dos mais de 20 mil religiosos da Primeira Ordem (Frades Menores, Frades Menores Capuchinhos, Frades Menores Conventuais), da Segunda Ordem (Irmãs Clarissas), da Ordem Franciscana Secular (leigos), da Juventude Franciscana (leigos), da Terceira Ordem Regular (TOR), das Congregações e Movimentos simpatizantes de Francisco e Clara de Assis presentes no Brasil -se você quiser ler uma cobertura detalhada do encontro pode clica no site da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil(aqui).

O encontro teve o título de Capítulo Nacional das Esteiras, símbolo da simplicidade, pobreza e disponibilidade franciscana. O espírito de retomada esteve patente, conforme assinalou a carta: “As partilhas realizadas nesses dias nos levam a afirmar: vivemos um verdadeiro Pentecostes. Neste sentido, o Capítulo nos chamou a um revigoramento do Carisma e nos levou a fazer memória da herança, da inspiração originária que deu início ao movimento franciscano. A experiência das esteiras nos leva a retomar nossa vocação enquanto peregrinos e forasteiros.”

Franciscanos e franciscanas conclamaram à construção de “um novo horizonte utópico” fundado nas bases históricas do país “marcadas pelo sangue dos pobres e pequenos, indígenas, mulheres e jovens negros, por um extrativismo desmedido e destruidor, por uma economia que exclui a maioria, por destruição de povos, culturas e da natureza.”

Um dos centros da reflexão do encontro foi a Laudato si – sobre o cuidado da casa comum, encíclica de Francisco sobre o planeta, que se abre exatamente com uma oração de São Francisco: “’LAUDATO SI’, mi’ Signore – Louvado sejas, meu Senhor’, cantava São Francisco de Assis. Neste gracioso cântico, recordava-nos que a nossa casa comum se pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços: ‘Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras’” –a íntegra da encíclica aqui.

[Mauro Lopes]

Leia a íntegra da carta dos franciscanos:

CARTA DE APARECIDA

“ Ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres. ” LS,49

A Conferência da Família Franciscana do Brasil, celebrando o Capitulo Nacional das Esteiras, consciente de sua missão de “levar ao mundo a misericórdia de Deus”, dirige-se a todas as pessoas de boa vontade: àquelas que continuam acreditando em um mundo de justiça e fraternidade e àquelas que, em meio às contradições e crueldades de nosso tempo, vivem a dor da desilusão e da falta de esperança.

As partilhas realizadas nesses dias nos levam a afirmar: vivemos um verdadeiro Pentecostes. Neste sentido, o Capítulo nos chamou a um revigoramento do Carisma e nos levou a fazer memória da herança, da inspiração originária que deu início ao movimento franciscano. A experiência das esteiras nos leva a retomar nossa vocação enquanto peregrinos e forasteiros.

As bases nas quais foram construídas a nossa história estão marcadas pelo sangue dos pobres e pequenos, indígenas, mulheres e jovens negros, por um extrativismo desmedido e destruidor, por uma economia que exclui a maioria, por destruição de povos, culturas e da natureza. À luz do nosso carisma, compreendemos que se faz necessário construir um novo horizonte utópico que nos comprometa com a construção de um projeto de país com justiça e paz em respeito à integridade da criação.

Somos sensíveis ao grito dos empobrecidos e da Mãe Terra! É preciso agir com misericórdia para com eles e, com indignação diante desse sistema que exclui, empobrece e maltrata, e convocarmos a todos para se unirem à luta que hoje assumimos juntos: participar da reconstrução da Igreja com o Papa Francisco e reconstruir o Brasil em ruínas.

É chegado o momento de recolhermos nossas esteiras e as lançarmos sobre o chão das periferias do mundo, transformando continuamente nossa maneira de Ser, Estar e Consumir em reposta aos apelos do Papa Francisco.

A realidade ecológica e sócio-política-econômica do nosso país nos exige compromisso profético de denúncia e anúncio. Assistimos, tomados de ira sagrada, à violação dos direitos conquistados, através de muitos esforços, empenhos e articulação pelo povo brasileiro. Por isso, não podemos deixar de nos empenhar junto aos movimentos sociais na luta “por nenhum direito a menos”, contra golpes, reformas retrógadas e abusivas conduzidas por um governo ilegítimo, um parlamento divorciado dos interesses da população e uma justiça que tem se revelado fora dos parâmetros da equidade “que no lugar de fortalecer o papel do Estado para atender às necessidade e os direitos do mais fragilizados, favorece os interesses do grande capital”¹.

Dessa Cidade de Aparecida, Nossa Senhora, Padroeira do Brasil, resgatada das águas de um rio, hoje poluído e degradado, nos faz eleger dentre os diversos apelos um compromisso particular com a Irmã Água. Deste modo, nos empenharemos na construção de um processo de reflexão e ação em defesa da água como bem comum, que se dará através da participação da família em jornadas, fóruns e nas iniciativas de fortalecimento dos trabalhos ligados à promoção da Justiça e da Integridade da Criação.

Tudo isso acontece, irmãs e irmãos, porque São Francisco nos ensinou que nos momentos mais difíceis de nossas vidas devemos voltar à Casa da Mãe. Ele e seus irmãos voltavam, com frequência, à pequena igreja de Santa Maria dos Anjos, a Porciúncula. Nós voltamos ao Santuário de Nossa Senhora Aparecida, nestes 300 anos de caminhada com os pequenos desta terra.

“Óh Mãe preta, óh Mariama, Claro que dirão, Mariama, que é política, que é subversão, que é comunismo. É Evangelho de Cristo, Mariama!”, ainda assim, invocamos suas bênçãos sobre toda a nossa família e sobre um Brasil sedento de “Paz – fruto da justiça, do bem e da Misericórdia de Deus”.

Conferência da Família Franciscana do Brasil – CFFB

06 de agosto de 2017Esse post foi publicado em Igreja, Sociedade e marcado Franciscanos, Igreja, Igreja e os pobres, Papa Francisco por Mauro Lopes. Guardar link permanente.

8 IDEIAS SOBRE “O GRITO DOS FRANCISCANOS E FRANCISCANAS DO BRASIL: “DIRÃO QUE É COMUNISMO, MAS É EVANGELHO””

Fonte: OUTRAS PALAVRAS

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

#uerjresiste#



Várias pessoas nas redes sociais aderiram a campanha em defesa da UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro - que está entregue às baratas, ou melhor, ao governo de Pezão. As baratas são mais dignas do que o governo Pezão. Para mim que estudei e me formei em Engenharia Química naquela Universidade, e ainda fiz metade do curso de Licenciatura em Química por lá, é doloroso ver um centro de excelência do ensino sendo largado, sucateado, talvez propositalmente para então ser privatizada. No entanto, não é apenas a UERJ que vem sendo atacada. A quadrilha que assaltou o país com o golpe de estado contra Dilma, deseja, claramente, transformar tudo em mercadoria. A educação pública, a saúde pública, a segurança pública, os transportes, a gestão dos recursos hídricos e quem sabe, nos próximos anos, até mesmo o ar que respiramos, instalando nas pessoas uma modalidade de chip com medidor do volume de ar que respiramos, para que no final do mês tenhamos uma conta a pagar. Tudo em nome de uma suposta modernidade civilizatória, que de fato, se revela um grande retrocesso, um caminho para a barbárie. Para justificar tais medidas, os arautos da exacerbação mercadológica se utilizam de um conjunto de bazófias sem nenhum lastro, porém, altamente sedutoras para uma parcela da população.
Por outro lado, acredito, ou me inclino a acreditar, que as pessoas que aderiram a campanha pela UERJ, assim estejam se manifestando por uma sensibilidade social - e não por idiossincrasias pessoais ou questões de foro íntimo - em defesa de serviços públicos gratuitos e de qualidade para toda a população. Além da UERJ, a Universidade Federal de Uberlândia está na fita para ser privatizada, a Universidade Federal da Integração Latino Americana (Unila) e a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afrobrasileira (Unilab) podem ser extintas, fechadas pelo governo do golpe. Isso significa, que os serviços, hoje públicos, serão privados, e a população terá que pagar por tais serviços. Quem não puder pagar, morre, ou que procure meios alternativos, ancestrais. Uma vez consolidada essa agenda do governo do golpe, que nada mais é do que um darwinismo social, o caos será ainda maior nas cidades brasileiras. Cabe lembrar que o darwinismo social, a lei do mais forte, não foi proposto por Darwin, ao contrário, Darwin expõe claramente que a sobrevivência se dá pelos mais hábeis. Se valesse a lei do mais forte, o planeta Terra seria habitado apenas pelo homem, o que, aliás, pode acontecer em um futuro próximo por conta dos estragos que o homem promove na fauna e na flora terrestre, acelerando a extinção de espécies. Ainda em relação aos serviços públicos, ou que deveriam ser públicos, merece destaque, negativo, claro, os transportes do Rio de Janeiro. No mês passado, com a prisão do capo dos transportes coletivos rodoviários do Rio de Janeiro, ficamos sabendo que o ex-governador Sérgio Cabral, em férias forçadas em uma colônia penal na zona norte da cidade, recebia grande quantidade em dinheiro sempre que reajustava a tarifa dos transportes coletivos rodoviários da cidade, aliás, todos privatizados. Estudos acadêmicos, mesmo oriundos da UERJ, demonstram que o carioca poderia pagar por uma viagem em transportes coletivos 1/3 do valor que paga hoje, caso o transporte coletivo não fosse privado. Atualmente na cidade do Rio de Janeiro, é público, notório e visível, o número cada vez maior de pessoas morando nas ruas. Isso deve-se ao fato do caos instalado no país, com desemprego e recessão, mas também sabe-se que muitas pessoas que necessitam de duas ou mais modalidades de transporte coletivo pra chegar ao trabalho, são obrigadas a economizar, e assim sendo, não voltam para suas casas e dormem duas ou três noites da semana de trabalho nas ruas da cidade. Esse modelo supostamente modernizante, que na realidade é algo chucro, deve ser combatido por todos os meios, de forma que o tecido social , altamente tensionado, não se destrua por completo.
Assim sendo, a UERJ, algo indelével em minha vida e que no momento tem sido abraçada por um grande número de pessoas, sirva como elemento de reflexão para uma luta mais abrangente, que inclua a defesa intransigente não apenas de uma instituição de ensino pública, mas da educação pública, da saúde pública, da segurança pública, da gestão dos recursos hídricos e transporte público, acessíveis e de qualidade para toda as pessoas.


Maravilhoso mundo novo do pós-golpe

Diversidade, desigualdade, o maravilhoso mundo novo do pós-golpe

Diversidade é o que havia na minha escola pública. O que temos hoje é desigualdade e cada um confinado ao seu gueto. Isso não é pós-moderno, é pré-antigo
Reginaldo Moraes - Brasil Debate



Quanta desigualdade pode suportar uma democracia? E quanta democracia pode suportar a desigualdade? Não, este artigo não vai enveredar por essa discussão que arrisca resumir-se na famosa charada Tostines: vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais? Não, aqui vai uma reflexão mais subjetiva, feita de memória, em tempos de pouca memória.

Se nunca escutou, escute Lulu Santos cantando Minha Vida. Vale pelo balanço da balada tropical, mas vale também pelas tiradas. Uma das que mais gosto: “… Aí veio a adolescência e pintou a diferença… a garota mais bonita também era a mais rica”. Pois é. Ou melhor, assim era, hoje não é. Já houve tempo em que a mesma escola abrigava a garota rica e o garoto pobre. Lembro-me disso no meu curso ginasial no começo dos anos 60. I’m sorry, periferia, isto não existe mais.

Eu morava na Vila Leopoldina. Naquele que então era um bairro operário a 40 minutos da Lapa. Hoje é uma selva de prédios metidos a besta, as fábricas e casas operárias, construídas em finais de semana, foram “reurbanizadas”, ou seja, nadificadas. Naquele tempo dizia Jesus a seus apóstolos: uns e outros vão juntos para a escola. E iam. Eu tinha colegas que moravam na elegante City Lapa, palacetes ajardinados. Alguns dirigiam (mesmo sem idade para tanto) e fumavam Marlboro importado. Calça Lee, também importada. Mas frequentavam aquela escola e jogavam futebol na mesma quadra. Eu xingava a mãe deles e vice-versa. De vez em quando, uns socos trocados marcavam a convivência de pobres e não-pobres.

De vez em quando eu emprestava a bicicleta de meu tio, que estava suando no torno da fábrica, e ia para mais a oeste, em direção ao Jardim Piratininga e Rochdale, bairros de Osasco. Era a mancha urbana se espalhando, com ruas e casas ainda mais precárias. O eixo imaginário City Lapa- Piratininga era o máximo de estratificação que podia ver.

Dizia o jingle da TV: O tempo passa, o tempo voa e a poupança Bamerindus continua numa boa. O Bamerindus afundou, mas as rendas de poupanças sobem, os salários estancam. O edifício social continua com dois andares, mas agora não há escada entre eles e nenhum espaço de convivência comum. Viva a diversidade? Não me venham com esta. Diversidade é o que havia na minha escola pública. O que temos hoje é desigualdade e cada um confinado ao seu gueto. Isso não é pós-moderno, é pré-antigo.

A menina mais rica já não vai atormentar Lulu, ela estuda em um colégio de 3 mil reais ao mês, mora em condomínio fechado, frequenta círculos seletos de seus iguais e passa férias em Miami ou algo assim. Não é o pessoal da Praia Grande nos finais de semana. Nem do churrasco na laje. Quando essa menina vê um desses espécimes da plebe tem um sentimento distinto – medo, repulsa, asco? Pessoas que têm cachorros de raça acabam ficando com o cérebro do cachorro, diz um jornalista espanhol. Faz sentido.

A confortável teoria do sacrifício temporário
Um economista antigo dizia que era assim, tinha que ser: o desenvolvimento inicialmente aumenta as diferenças, depois a riqueza dos de cima vai pingando para os de baixo e melhorando a vida da plebe. É só no começo, dizia ele, depois melhora. Diziam-nos isso nos anos fervilhantes do desenvolvimentismo dos anos 50. Depois repetiram a coisa no milagre dos 70: primeiro o bolo cresce, depois ele se espalha e se divide… Venderam-nos os tais “ajustes estruturais” do World Bank com a mesma ladainha. E agora… Volta a fábula, com palavras flamejantes: aprimoramento do mercado de trabalho, desengessamento, liberalização e meritocracia.

Um exemplar cético do pelotão de baixo pode ruminar: é conversa para boi dormir. E de fato os bois dormem. Um ou outro, porém, pode pensar e, quem sabe, murmurar: sai dessa, vaqueiro, sei bem que nós dois vamos pro mesmo churrasco, mas você vai mastigando e eu vou mastigado.

Mais uma vez com Lulu Santos: assim caminha a humanidade, com passos de formiga e sem vontade. A boiada segue. Torço para ouvir o famoso “mas um dia me montei” do Vandré. Bem ou mal, faço o que posso para que a paisagem mude, porque gado a gente marca, tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente. Talvez seja diferente, mas, depois da tal reforma trabalhista, estou sentindo no lombo uma queimadura incômoda… E vejo nele a marca, o nome de nossos senhores. Sai Lulu, entra Stanislaw Ponte Preta: E foi proclamada a escravidão.

Fonte: CARTA MAIOR
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Sábados

Encontros Cariocas - 5
Crianças & Sábados 


   

Hoje não tem escola.

Não tem aula nem bronca, não tem prova nem cola.

Hoje é dia de brincadeiras com os amigos do bairro, do condomínio.

Hoje é dia de diversão, andar de bicicleta, jogar futebol, virtual , de campo ou de salão

.Hoje é o dia que as crianças esperam, por dias, cinco dias, para fazer o que mais gostam, durante todo o dia

Hoje é sábado.

O sábado não é um dia qualquer, é o mais esperado, desejado, festejado.

É um dia de encontros, com outros, com os próprios desejos, com o ideal que se deseja.

As manhãs de sábado , aqui em Ipanema, ou em outros lugares como Saquarema, Itapema, Guararema, Diadema, são sempre manhãs de sábado.

Manhãs estendidas até a metade do dia, afinal sábado não é apenas mais um dia.

Inevitável não sair às ruas, enquanto as crianças brincam.

Momento de rever os "amigos" do bairro", que nunca cumprimentamos, mas que conhecemos por décadas.

Referências mútuas, insumos para assuntos de vidas enfadonhas

Em sociedades em que o trabalho significa apenas uma forma de ganhar a vida, as manhãs de sábado são válvulas de escape.

A maioria aguarda, por dias, cinco dias, pelo dia sem obrigações, sem bronca do chefe, sem cartão de ponto.

Caminhando por Ipanema, mas poderia ser Diadema, Itapema, Saquarema vou revendo os "amigos".

Alguns posso avistar ainda à distância, anunciando um cruzamento pelo passeio.

Logo que sou identificado , a expressão do "amigo" muda.

Olha em direção ao chão, como se estivesse verificando algo nos pés, quando na realidade busca referências internas sobre mim para que possa rearrumar o rosto, e ter a expressão correta para o cruzamento inevitável.

Ao cruzar comigo, os rostos falam no cumprimento mudo, entre "amigos" de décadas que nunca se cumprimentaram mas que dizem tudo o que pesam um do outro, sem saber que a verdade foi dita pelo susto , expresso na face, ao avistar o "amigo"

Avisto um colega com quem trabalhei em uma empresa, há alguns anos.

Estrangeiro, viveu dez anos na cidade, em Ipanema e voltou para seu país.

Certamente estava de férias.

Seu caminhar, pelo calçadão da praia, demonstrava segurança, satisfação, revelando , para ele e outros atentos, conhecimento da cidade, dos hábitos, das esquisitices das pessoas.

Fazemos o mesmo quando visitamos cidades em que já conhecemos.

Sábado é um dia fantástico,para as crianças e adultos.

É no sábado, por exemplo, que se vai comprar aquilo que se viu em um "amigo", ou "amiga", no sábado anterior e que foi motivo de longas conversas na família, entre crianças, adultos.

Na sociedade do consumo turbinado e insustentável, sábado é o dia do consumo.

Consumo de bens, a maioria dispensável, consumo de referências, necessidade de pertencimento, do bairro , da cidade de ser igual entre os "amigos" que se conhecem há décadas.

As crianças, entre amigos, brincam com seus brinquedos.

Os adultos , homens na maioria, levam seus carros para lavagem em um posto de combustível.

Sim, o sábado é o dia nacional da lavagem de carros.

Muitos ficam horas nos postos de combustível aguardando pacientemente o momento em que seus carros serão tocados por mãos estranhas, ameaçadoras, descuidadas, perigosas e, que por isso , devem ser observados atentamente até o momento final, quando o veículo, com um brilho diamantino, é devolvido para o êxtase de seus proprietários.

No meu caminhar, na manhã de sábado em Ipanema, que poderia ser em Saquarema, Diadema, Itapema, avisto um grupo , umas quatro pessoas, todos homens, parados na calçada em descontraída conversa.

Reconheço um dos participantes, com quem mantive contatos em situações profissionais.

Ao me reconhecer, sua expressão de sorriso vai diminuindo, fora flagrado em descontração, sua boca se contrai, necessário uma nova face para o encontro repentino, mesmo que mudo, apenas um cumprimento com movimentos de rostos.


Sábado é o dia do consumo.
 

Consumo que na sociedade de consumo se transformou em um valor em si.

Consumo que é estimulado para adultos e crianças.

Crianças que pedem aos pais e ganham seus brinquedos e, a medida que crescem, descartam alguns, e partem para outros.

Adultos que tem no consumo uma válvula para amenizar angústias, sofrimentos, vazios existenciais, que logo voltarão para mais consumo, pequenos momentos de felicidade, com a novidade.

Na sociedade de consumo de crescimento ilimitado, de bens descartáveis que cada vez duram menos, onde o valor do conhecimento não é um valor, o vazio existencial impera.

No momento em que a conferência da ONU discute a sustentabilidade, o modelo de consumo é insustentável para o planeta, e o consumo como valor não sustenta as pessoas, não garante felicidade.

A sustentabilidade, assim compreendida, é muito mais que a preservação dos recursos naturais do planeta.

O sábado, também, é o dia da insustentabilidade.

As crianças brincando, inevitavelmente, nos levam ao pensamento de Nietzsche;
 

" Maturidade é quando atingimos a seriedade, o comprometimento, a dedicação, a transparência, a sinceridade das crianças quando brincam"

Hoje é sábado , aqui em Ipanema, em outra cidade grande ou pequena,ou em outra localidade agitada ou serena, que pensa em momento de reflexão sobre sustentabilidade, que a vida apenas pelo consumo não vale a pena

sábado, 5 de agosto de 2017

Estácio

Mário Magalhães
✔@mariomagalhaes_


Três crias do morro de São Carlos: 
Luiz Melodia, Gonzaguinha e Carlos Lamarca. Tudo é história

Fonte: CARTA MAIOR
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