terça-feira, 30 de agosto de 2016

Eles moram longe


Latuff Dilma e congressistas


renato_aroeira-julgamento_impeachment



Cobras, ratos e abutres julgando uma presidenta.

Perfeito.

Certa ocasião, tempos atrás, embarquei em um ônibus no centro do Rio de Janeiro com destino a cidade de Maricá, localizada na região metropolitana de Niterói. Embarquei por volta das 18 horas, horário que muitas pessoas que moram em Maricá e trabalham no Rio também estão voltando para suas casas. O ônibus passa por alguns bairros da cidade de Niterói e também do município São Gonçalo. Nesse horário, o morador de Maricá fica por volta de uma hora e quarenta minutos dentro do coletivo, até chegar em seu destino. Muitos moradores de bairros de São Gonçalo também usam a linha Maricá - Centro do Rio. Para os moradores de São Gonçalo a viagem é mais curta algo em torno de 50, 60 minutos.

Sentado na fileira dos últimos bancos do coletivo, ao meu lado estava um casal bem vestido, voltando do trabalho e pelo que ouvi da conversa entre ambos eram moradores de São Gonçalo:

homem - até que hoje o trânsito está bom
mulher - ainda bem, assim vai rápido
homem - São Gonçalo não é tão longe.
mulher - é verdade. Olha só essa gentinha que mora em Maricá. Esses aí sofrem um bocado. Moram longe e moram mal.
homem -são pobres.

Quieto, no meu canto, mas super atento ao diálogo, registrei a pérola.

O diálogo reflete muito bem o que é a classe média brasileira e seus parâmetros de medição e comparação, isso em todos os níveis sociais.

Para aquele casal, os moradores de Maricá eram inferiores na escala social, Eram pobres, enquanto eles, o casal , era a classe média.

Esse comportamento da classe média vem de longa data e foi, e tem sido, incentivado pelas elites endinheiradas do país.

Dessa forma, e de alguma forma, todos são classe média aspirantes a elite, até mesmo o morador de rua que tem apenas um colchão e um cachorro e o outro ao seu lado tem apenas uns pedaços de papelão.

Esse comportamento criou uma obsessão em uma parcela da população em ser chamada de elite. Tanto é assim que essa classe média está sempre disponível - tal qual o antológico hímen complacente citado pelo Dr. Ulisses Guimarães no plenário da Câmara dos Deputados - para sugestões de ideias e comportamentos lançados pelas elites endinheiradas.

Essa parcela da classe média, que não é pequena, é estreita intelectualmente e com um alcance de visão quase nulo.

De uma maneira geral são analfabetos políticos e seguem as orientações das elites, que tanto veneram e imitam.

Uma parte dessa classe média esteve nas ruas defendendo o fora Dilma e principalmente o fora PT. Principalmente o fora PT, porque esse PT tem essa mania metida de valorizar a cultura nacional. Eu odeio isso. Se não foi dito pelo casal que não mora longe, foi dito , certamente por alguém nos dias atuais.

Uma outra parcela se omite, não se compromete, pois acredita que não é de sua conta, e ainda flerta, timidamente, com o afastamento da presidenta, já que suas referências de elite afirmam que a mudança promovida pelo impeachment lançará o Brasil na modernidade. A palavra modernidade proferida pelas elites, cria uma excitação incontrolável nessa parcela da população.

A tal modernidade tem sido exaltada, quase diariamente nesses dias que antecedem o julgamento, por diferentes pessoas da força tarefa golpista.

O ex-presidente Fernando Henrique, semana passada, disse que a modernidade é necessária, já que os governos Lula e Dilma estão implantando no país um Estado de Bem Estar Social, tardio. FHC, utiliza a palavra tardio no sentido de obsoleto, ultrapassado, em comparação com os estados europeus que implantaram essa políticas de segurança social nos anos das décadas de 50, 60 e 70 do século passado, e que, com "a modernidade ultraneoliberal " estão sendo desmantelados.

Mesmo em países europeus, com desigualdades sociais que nem de longe se assemelham ao Brasil, o desmantelamento do estado de bem estar social, tem gerado o aumento da pobreza e mesmo da miséria nesses países.

A "modernidade" que se desenha para o Brasil com o governo do golpe, é sinônimo de genocídio para um povo, algo que a classe média não alcança, não entende, não enxerga, mas que sentirá de forma dramática os efeitos.

Ao contrário da retórica manipuladora e oportunista de FHC, os governos Lula e Dilma agiram de forma correta com a implementação de políticas e programas de segurança social.

Arrisco a dizer que a promoção do equilíbrio social, do equilíbrio ambiental, formas de economia compartilhada e solidária, são , de fato, elementos de um modernidade emergente, que nada tem em comum com a "modernidade" dos mercados em transe, improdutivos, que se pretende, aí, sim, de forma tardia e obsoleta implantar no país através de um golpe de estado grosseiro, violento, produzido por pessoas e grupos sociais supostamente bem educados. Quando nas fronteiras do conhecimento científico os conceitos que emergem falam de equilíbrio, interdependência, sustentabilidade, cooperação, a "modernidade" do golpe ainda se apega a uma dependência estrutural, real, verdadeira, porém superada em todas as dimensões de uma concepção sócio ambiental.

Na era da disputa das narrativas, os golpes são linguísticos, sem tanques nem armas, Como disse um ministro do Supremo Tribunal Federal em uma palestra e amplamente divulgado na mídia:

- crimes a gente encontra, cria se necessário. A partir daí se constrói uma narrativa, julga-se e condena-se quem se deseja condenar.

Sacco e Vanzetti vivenciaram essa farsa. 


Eles moravam longe.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Momento de vergonha para os brasileiros

image

Omissos contribuem para o golpe

Brasil a um passo da depravação moral. Todos serão condenados, mas só um lado suportará a culpa

29 DE AGOSTO DE 2016 POR LUCIANA OLIVEIRA


A presidenta eleita Dilma Roussef deu os últimos passos rumo ao cadafalso armado por golpistas, sem renunciar aos princípios basilares da democracia. O Congresso Nacional deu os primeiros passos rumo a ponte pro passado, para a perversão dos valores que dão ao povo o poder de participar ativamente da política elegendo seus representantes.

O mundo assiste o desbunde moral de uma sociedade que há dois anos gozava de prestígio como uma das mais promissoras democracias.

Por mais que esperneiem os que ardilosamente colocaram a corda no pescoço e os que enforcaram uma presidenta sem crime, Dilma entra pra história como vítima. Pior, vítima dos que praticaram e seguem praticando crimes, por ação ou omissão, contra o povo brasileiro.

Só condenados injustamente sabem o que Dilma sentiu ao olhar para a bandalha que a julga sem moral e motivada por interesses nefastos.

Não há nada contra a presidente que justifique a perda do mandato, mas há provas inequívocas de que houve um golpe parlamentar-judicial-midiático para usurpar o poder, sobretudo o poder do povo de decidir seu destino.

O pacto contra a democracia foi revelado à sociedade, mas prevaleceu a artilharia midiática pesada para convencer do contrário.

Uma parcela gigantesca da sociedade se rendeu à depravação moral, a mesma que há pouco tempo tomou as ruas cobrando moralidade política.

O golpe unirá essa parcela a mais de 54 milhões de vontades em sentido contrário na travessia da ponte para o passado, mas jamais se confundirão.

Um lado elegeu uma presidenta democraticamente e outro catapultou um presidente por meio de um golpe.

Cada brasileiro também terá seu papel marcado na história e os que fizeram coro aos golpistas vão vestir a própria mortalha e seguir o próprio funeral.

Fonte: Blog da Luciana Oliveira
____________________________________________________________
Através do impeachment de Dilma o golpe será consumado e a Democracia será condenada.

Uma parcela da população brasileira foi às ruas apoiar o golpe.


Uma outra parcela da população também foi às ruas para se manifestar contra o golpe.


Já a grande maioria da população brasileira permaneceu omissa, observando os acontecimentos.


Não há nada pior que omissos.

Um discurso histórico

O JULGAMENTO DA DEMOCRACIA - HOJE

Captura de Tela 2016-08-29 às 10.43.52
O JULGAMENTO DA DEMOCRACIA - ONTEM






Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski
Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal Renan Calheiros,
Excelentíssimas Senhoras Senadoras e Excelentíssimos Senhores Senadores,
Cidadãs e Cidadãos de meu amado Brasil,

No dia 1° de janeiro de 2015 assumi meu segundo mandato à Presidência da República Federativa do Brasil. Fui eleita por mais de 54 milhões de votos.
Na minha posse, assumi o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, bem como o de observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.

Ao exercer a Presidência da República respeitei fielmente o compromisso que assumi perante a nação e aos que me elegeram. E me orgulho disso. Sempre acreditei na democracia e no Estado de direito, e sempre vi na Constituição de 1988 uma das grandes conquistas do nosso povo.
Jamais atentaria contra o que acredito ou praticaria atos contrários aos interesses daqueles que me elegeram.
Nesta jornada para me defender do impeachment me aproximei mais do povo, tive oportunidade de ouvir seu reconhecimento, de receber seu carinho. Ouvi também críticas duras ao meu governo, a erros que foram cometidos e a medidas e políticas que não foram adotadas. Acolho essas críticas com humildade.
Até porque, como todos, tenho defeitos e cometo erros.
Entre os meus defeitos não está a deslealdade e a covardia. Não traio os compromissos que assumo, os princípios que defendo ou os que lutam ao meu lado. Na luta contra a ditadura, recebi no meu corpo as marcas da tortura. Amarguei por anos o sofrimento da prisão. Vi companheiros e companheiras sendo violentados, e até assassinados.
Na época, eu era muito jovem. Tinha muito a esperar da vida. Tinha medo da morte, das sequelas da tortura no meu corpo e na minha alma. Mas não cedi. Resisti. Resisti à tempestade de terror que começava a me engolir, na escuridão dos tempos amargos em que o país vivia. Não mudei de lado. Apesar de receber o peso da injustiça nos meus ombros, continuei lutando pela democracia.
Dediquei todos esses anos da minha vida à luta por uma sociedade sem ódios e intolerância. Lutei por uma sociedade livre de preconceitos e de discriminações. Lutei por uma sociedade onde não houvesse miséria ou excluídos. Lutei por um Brasil soberano, mais igual e onde houvesse justiça.
Disso tenho orgulho. Quem acredita, luta.
Aos quase setenta anos de idade, não seria agora, após ser mãe e avó, que abdicaria dos princípios que sempre me guiaram.
Exercendo a Presidência da República tenho honrado o compromisso com o meu país, com a Democracia, com o Estado de Direito. Tenho sido intransigente na defesa da honestidade na gestão da coisa pública.
Por isso, diante das acusações que contra mim são dirigidas neste processo, não posso deixar de sentir, na boca, novamente, o gosto áspero e amargo da injustiça e do arbítrio.
E por isso, como no passado, resisto.
Não esperem de mim o obsequioso silêncio dos covardes. No passado, com as armas, e hoje, com a retórica jurídica, pretendem novamente atentar contra a democracia e contra o Estado do Direito.
Se alguns rasgam o seu passado e negociam as benesses do presente, que respondam perante a sua consciência e perante a história pelos atos que praticam. A mim cabe lamentar pelo que foram e pelo que se tornaram.
E resistir. Resistir sempre. Resistir para acordar as consciências ainda adormecidas para que, juntos, finquemos o pé no terreno que está do lado certo da história, mesmo que o chão trema e ameace de novo nos engolir.
Não luto pelo meu mandato por vaidade ou por apego ao poder, como é próprio dos que não tem caráter, princípios ou utopias a conquistar. Luto pela democracia, pela verdade e pela justiça. Luto pelo povo do meu País, pelo seu bem-estar.
Muitos hoje me perguntam de onde vem a minha energia para prosseguir. Vem do que acredito. Posso olhar para trás e ver tudo o que fizemos. Olhar para a frente e ver tudo o que ainda precisamos e podemos fazer. O mais importante é que posso olhar para mim mesma e ver a face de alguém que, mesmo marcada pelo tempo, tem forças para defender suas ideias e seus direitos.
Sei que, em breve, e mais uma vez na vida, serei julgada. E é por ter a minha consciência absolutamente tranquila em relação ao que fiz, no exercício da Presidência da República que venho pessoalmente à presença dos que me julgarão. Venho para olhar diretamente nos olhos de Vossas Excelências, e dizer, com a serenidade dos que nada tem a esconder que não cometi nenhum crime de responsabilidade. Não cometi os crimes dos quais sou acusada injusta e arbitrariamente.
Hoje o Brasil, o mundo e a história nos observam e aguardam o desfecho deste processo de impeachment.
No passado da América Latina e do Brasil, sempre que interesses de setores da elite econômica e política foram feridos pelas urnas, e não existiam razões jurídicas para uma destituição legítima, conspirações eram tramadas resultando em golpes de estado.
O Presidente Getúlio Vargas, que nos legou a CLT e a defesa do patrimônio nacional, sofreu uma implacável perseguição; a hedionda trama orquestrada pela chamada “República do Galeão, que o levou ao suicídio.
O Presidente Juscelino Kubitscheck, que construiu essa cidade, foi vítima de constantes e fracassadas tentativas de golpe, como ocorreu no episódio de Aragarças.
O presidente João Goulart, defensor da democracia, dos direitos dos trabalhadores e das Reformas de Base, superou o golpe do parlamentarismo mas foi deposto e instaurou-se a ditadura militar, em 1964.
Durante 20 anos, vivemos o silêncio imposto pelo arbítrio e a democracia foi varrida de nosso País. Milhões de brasileiros lutaram e reconquistaram o direito a eleições diretas.
Hoje, mais uma vez, ao serem contrariados e feridos nas urnas os interesses de setores da elite econômica e política nos vemos diante do risco de uma ruptura democrática. Os padrões políticos dominantes no mundo repelem a violência explícita. Agora, a ruptura democrática se dá por meio da violência moral e de pretextos constitucionais para que se empreste aparência de legitimidade ao governo que assume sem o amparo das urnas. Invoca-se a Constituição para que o mundo das aparências encubra hipocritamente o mundo dos fatos.
As provas produzidas deixam claro e inconteste que as acusações contra mim dirigidas são meros pretextos, embasados por uma frágil retórica jurídica.
Nos últimos dias, novos fatos evidenciaram outro aspecto da trama que caracteriza este processo de impeachment. O autor da representação junto ao Tribunal de Contas da União que motivou as acusações discutidas nesse processo, foi reconhecido como suspeito pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal. Soube-se ainda, pelo depoimento do auditor responsável pelo parecer técnico, que ele havia ajudado a elaborar a própria representação que auditou. Fica claro o vício da parcialidade, a trama, na construção das teses por eles defendidas.
São pretextos, apenas pretextos, para derrubar, por meio de um processo de impeachment sem crime de responsabilidade, um governo legítimo, escolhido em eleição direta com a participação de 110 milhões de brasileiros e brasileiras. O governo de uma mulher que ousou ganhar duas eleições presidenciais consecutivas.
São pretextos para viabilizar um golpe na Constituição. Um golpe que, se consumado, resultará na eleição indireta de um governo usurpador.
A eleição indireta de um governo que, já na sua interinidade, não tem mulheres comandando seus ministérios, quando o povo, nas urnas, escolheu uma mulher para comandar o país. Um governo que dispensa os negros na sua composição ministerial e já revelou um profundo desprezo pelo programa escolhido pelo povo em 2014.
Fui eleita presidenta por 54 milhões e meio de votos para cumprir um programa cuja síntese está gravada nas palavras “nenhum direito a menos”.
O que está em jogo no processo de impeachment não é apenas o meu mandato. O que está em jogo é o respeito às urnas, à vontade soberana do povo brasileiro e à Constituição.
O que está em jogo são as conquistas dos últimos 13 anos: os ganhos da população, das pessoas mais pobres e da classe média; a proteção às crianças; os jovens chegando às universidades e às escolas técnicas; a valorização do salário mínimo; os médicos atendendo a população; a realização do sonho da casa própria.
O que está em jogo é o investimento em obras para garantir a convivência com a seca no semiárido, é a conclusão do sonhado e esperado projeto de integração do São Francisco. O que está em jogo é, também, a grande descoberta do Brasil, o pré-sal. O que está em jogo é a inserção soberana de nosso País no cenário internacional, pautada pela ética e pela busca de interesses comuns.
O que está em jogo é a auto-estima dos brasileiros e brasileiras, que resistiram aos ataques dos pessimistas de plantão à capacidade do País de realizar, com sucesso, a Copa do Mundo e as Olimpíadas e Paraolimpíadas.
O que está em jogo é a conquista da estabilidade, que busca o equilíbrio fiscal mas não abre mão de programas sociais para a nossa população.
O que está em jogo é o futuro do País, a oportunidade e a esperança de avançar sempre mais.
Senhoras e senhores senadores,
No presidencialismo previsto em nossa Constituição, não basta a eventual perda de maioria parlamentar para afastar um Presidente. Há que se configurar crime de responsabilidade. E está claro que não houve tal crime.
Não é legítimo, como querem os meus acusadores, afastar o chefe de Estado e de governo pelo “conjunto da obra”. Quem afasta o Presidente pelo “conjunto da obra” é o povo e, só o povo, nas eleições. E nas eleições o programa de governo vencedor não foi este agora ensaiado e desenhado pelo Governo interino e defendido pelos meus acusadores.
O que pretende o governo interino, se transmudado em efetivo, é um verdadeiro ataque às conquistas dos últimos anos.
Desvincular o piso das aposentadorias e pensões do salário mínimo será a destruição do maior instrumento de distribuição de renda do país, que é a Previdência Social. O resultado será mais pobreza, mais mortalidade infantil e a decadência dos pequenos municípios.
A revisão dos direitos e garantias sociais previstos na CLT e a proibição do saque do FGTS na demissão do trabalhador são ameaças que pairam sobre a população brasileira caso prospere o impeachment sem crime de responsabilidade.
Conquistas importantes para as mulheres, os negros e as populações LGBT estarão comprometidas pela submissão a princípios ultraconservadores.
O nosso patrimônio estará em questão, com os recursos do pré-sal, as riquezas naturais e minerárias sendo privatizadas.
A ameaça mais assustadora desse processo de impeachment sem crime de responsabilidade é congelar por inacreditáveis 20 anos todas as despesas com saúde, educação, saneamento, habitação. É impedir que, por 20 anos, mais crianças e jovens tenham acesso às escolas; que, por 20 anos, as pessoas possam ter melhor atendimento à saúde; que, por 20 anos, as famílias possam sonhar com casa própria.
Senhor Presidente Ricardo Lewandowski, Sras. e Srs. Senadores,
A verdade é que o resultado eleitoral de 2014 foi um rude golpe em setores da elite conservadora brasileira.
Desde a proclamação dos resultados eleitorais, os partidos que apoiavam o candidato derrotado nas eleições fizeram de tudo para impedir a minha posse e a estabilidade do meu governo. Disseram que as eleições haviam sido fraudadas, pediram auditoria nas urnas, impugnaram minhas contas eleitorais, e após a minha posse, buscaram de forma desmedida quaisquer fatos que pudessem justificar retoricamente um processo de impeachment.
Como é próprio das elites conservadoras e autoritárias, não viam na vontade do povo o elemento legitimador de um governo. Queriam o poder a qualquer preço.
Tudo fizeram para desestabilizar a mim e ao meu governo.
Só é possível compreender a gravidade da crise que assola o Brasil desde 2015, levando-se em consideração a instabilidade política aguda que, desde a minha reeleição, tem caracterizado o ambiente em que ocorrem o investimento e a produção de bens e serviços.
Não se procurou discutir e aprovar uma melhor proposta para o País. O que se pretendeu permanentemente foi a afirmação do “quanto pior melhor”, na busca obsessiva de se desgastar o governo, pouco importando os resultados danosos desta questionável ação política para toda a população.
A possibilidade de impeachment tornou-se assunto central da pauta política e jornalística apenas dois meses após minha reeleição, apesar da evidente improcedência dos motivos para justificar esse movimento radical.
Nesse ambiente de turbulências e incertezas, o risco político permanente provocado pelo ativismo de parcela considerável da oposição acabou sendo um elemento central para a retração do investimento e para o aprofundamento da crise econômica.
Deve ser também ressaltado que a busca do reequilíbrio fiscal, desde 2015, encontrou uma forte resistência na Câmara dos Deputados, à época presidida pelo Deputado Eduardo Cunha. Os projetos enviados pelo governo foram rejeitados, parcial ou integralmente. Pautas bombas foram apresentadas e algumas aprovadas.
As comissões permanentes da Câmara, em 2016, só funcionaram a partir do dia 5 de maio, ou seja, uma semana antes da aceitação do processo de impeachment pela Comissão do Senado Federal. Os Srs. e as Sras. Senadores sabem que o funcionamento dessas Comissões era e é absolutamente indispensável para a aprovação de matérias que interferem no cenário fiscal e encaminhar a saída da crise.
Foi criado assim o desejado ambiente de instabilidade política, propício a abertura do processo de impeachment sem crime de responsabilidade.
Sem essas ações, o Brasil certamente estaria hoje em outra situação política, econômica e fiscal.
Muitos articularam e votaram contra propostas que durante toda a vida defenderam, sem pensar nas consequências que seus gestos trariam para o país e para o povo brasileiro. Queriam aproveitar a crise econômica, porque sabiam que assim que o meu governo viesse a superá-la, sua aspiração de acesso ao poder haveria de ficar sepultada por mais um longo período.
Mas, a bem da verdade, as forças oposicionistas somente conseguiram levar adiante o seu intento quando outra poderosa força política a elas se agregou: a força política dos que queriam evitar a continuidade da “sangria” de setores da classe política brasileira, motivada pelas investigações sobre a corrupção e o desvio de dinheiro público.
É notório que durante o meu governo e o do Presidente Lula foram dadas todas as condições para que estas investigações fossem realizadas. Propusemos importantes leis que dotaram os órgãos competentes de condições para investigar e punir os culpados.
Assegurei a autonomia do Ministério Público, nomeando como Procurador Geral da República o primeiro nome da lista indicado pelos próprios membros da instituição. Não permiti qualquer interferência política na atuação da Polícia Federal.
Contrariei, com essa minha postura, muitos interesses. Por isso, paguei e pago um elevado preço pessoal pela postura que tive.
Arquitetaram a minha destituição, independentemente da existência de quaisquer fatos que pudesse justificá-la perante a nossa Constituição.
Encontraram, na pessoa do ex-Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha o vértice da sua aliança golpista.
Articularam e viabilizaram a perda da maioria parlamentar do governo. Situações foram criadas, com apoio escancarado de setores da mídia, para construir o clima político necessário para a desconstituição do resultado eleitoral de 2014.
Todos sabem que este processo de impeachment foi aberto por uma “chantagem explícita” do ex-Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, como chegou a reconhecer em declarações à imprensa um dos próprios denunciantes. Exigia aquele parlamentar que eu intercedesse para que deputados do meu partido não votassem pela abertura do seu processo de cassação.​
Nunca aceitei na minha vida ameaças ou chantagens. Se não o fiz antes, não o faria na condição de Presidenta da República. É fato, porém, que não ter me curvado a esta chantagem motivou o recebimento da denúncia por crime de responsabilidade e a abertura deste d processo, sob o aplauso dos derrotados em 2014 e dos temerosos pelas investigações.
Se eu tivesse me acumpliciado com a improbidade e com o que há de pior na política brasileira, como muitos até hoje parecem não ter o menor pudor em fazê-lo, eu não correria o risco de ser condenada injustamente.
Quem se acumplicia ao imoral e ao ilícito, não tem respeitabilidade para governar o Brasil. Quem age para poupar ou adiar o julgamento de uma pessoa que é acusada de enriquecer às custas do Estado brasileiro e do povo que paga impostos, cedo ou tarde, acabará pagando perante a sociedade e a história o preço do seu descompromisso com a ética.
Todos sabem que não enriqueci no exercício de cargos públicos, que não desviei dinheiro público em meu proveito próprio, nem de meus familiares, e que não possuo contas ou imóveis no exterior. Sempre agi com absoluta probidade nos cargos públicos que ocupei ao longo da minha vida.
Curiosamente, serei julgada, por crimes que não cometi, antes do julgamento do ex-presidente da Câmara, acusado de ter praticado gravíssimos atos ilícitos e que liderou as tramas e os ardis que alavancaram as ações voltadas à minha destituição.
Ironia da história? Não, de forma nenhuma. Trata-se de uma ação deliberada que conta com o silêncio cúmplice de setores da grande mídia brasileira.
Viola-se a democracia e pune-se uma inocente. Este é o pano de fundo que marca o julgamento que será realizado pela vontade dos que lançam contra mim pretextos acusatórios infundados.
Estamos a um passo da consumação de uma grave ruptura institucional. Estamos a um passo da concretização de um verdadeiro golpe de Estado.

Senhoras e Senhores Senadores,
Vamos aos autos deste processo. Do que sou acusada? Quais foram os atentados à Constituição que cometi? Quais foram os crimes hediondos que pratiquei?
A primeira acusação refere-se à edição de três decretos de crédito suplementar sem autorização legislativa. Ao longo de todo o processo, mostramos que a edição desses decretos seguiu todas as regras legais. Respeitamos a previsão contida na Constituição, a meta definida na LDO e as autorizações estabelecidas no artigo 4° da Lei Orçamentária de 2015, aprovadas pelo Congresso Nacional.
Todas essas previsões legais foram respeitadas em relação aos 3 decretos. Eles apenas ofereceram alternativas para alocação dos mesmos limites, de empenho e financeiro, estabelecidos pelo decreto de contingenciamento, que não foram alterados. Por isso, não afetaram em nada a meta fiscal.
Ademais, desde 2014, por iniciativa do Executivo, o Congresso aprovou a inclusão, na LDO, da obrigatoriedade que qualquer crédito aberto deve ter sua execução subordinada ao decreto de contingenciamento, editado segundo as normas estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. E isso foi precisamente respeitado.
Não sei se por incompreensão ou por estratégia, as acusações feitas neste processo buscam atribuir a esses decretos nossos problemas fiscais. Ignoram ou escondem que os resultados fiscais negativos são consequência da desaceleração econômica e não a sua causa.
Escondem que, em 2015, com o agravamento da crise, tivemos uma expressiva queda da receita ao longo do ano – foram R$ 180 bilhões a menos que o previsto na Lei Orçamentária.
Fazem questão de ignorar que realizamos, em 2015, o maior contingenciamento de nossa história. Cobram que, quando enviei ao Congresso Nacional, em julho de 2015, o pedido de autorização para reduzir a meta fiscal, deveria ter imediatamente realizado um novo contingenciamento. Não o fiz porque segui o procedimento que não foi questionado pelo Tribunal de Contas da União ou pelo Congresso Nacional na análise das contas de 2009.


Além disso, a responsabilidade com a população justifica também nossa decisão. Se aplicássemos, em julho, o contingenciamento proposto pelos nossos acusadores cortaríamos 96% do total de recursos disponíveis para as despesas da União. Isto representaria um corte radical em todas as dotações orçamentárias dos órgãos federais. Ministérios seriam paralisados, universidades fechariam suas portas, o Mais Médicos seria interrompido, a compra de medicamentos seria prejudicada, as agências reguladoras deixariam de funcionar. Na verdade, o ano de 2015 teria, orçamentariamente, acabado em julho.
Volto a dizer: ao editar estes decretos de crédito suplementar, agi em conformidade plena com a legislação vigente. Em nenhum desses atos, o Congresso Nacional foi desrespeitado. Aliás, este foi o comportamento que adotei em meus dois mandatos.
Somente depois que assinei estes decretos é que o Tribunal de Contas da União mudou a posição que sempre teve a respeito da matéria. É importante que a população brasileira seja esclarecida sobre este ponto: os decretos foram editados em julho e agosto de 2015 e somente em outubro de 2015 o TCU aprovou a nova interpretação.
O TCU recomendou a aprovação das contas de todos os presidentes que editaram decretos idênticos aos que editei. Nunca levantaram qualquer problema técnico ou apresentaram a interpretação que passaram a ter depois que assinei estes atos.
Querem me condenar por ter assinado decretos que atendiam a demandas de diversos órgãos, inclusive do próprio Poder Judiciário, com base no mesmo procedimento adotado desde a entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2001?
Por ter assinado decretos que somados, não implicaram, como provado nos autos, em nenhum centavo de gastos a mais para prejudicar a meta fiscal?
A segunda denúncia dirigida contra mim neste processo também é injusta e frágil. Afirma-se que o alegado atraso nos pagamentos das subvenções econômicas devidas ao Banco do Brasil, no âmbito da execução do programa de crédito rural Plano Safra, equivale a uma “operação de crédito”, o que estaria vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Como minha defesa e várias testemunhas já relataram, a execução do Plano Safra é regida por uma lei de 1992, que atribui ao Ministério da Fazenda a competência de sua normatização, inclusive em relação à atuação do Banco do Brasil. A Presidenta da República não pratica nenhum ato em relação à execução do Plano Safra. Parece óbvio, além de juridicamente justo, que eu não seja acusada por um ato inexistente.
A controvérsia quanto a existência de operação de crédito surgiu de uma mudança de interpretação do TCU, cuja decisão definitiva foi emitida em dezembro de 2015. Novamente, há uma tentativa de dizer que cometi um crime antes da definição da tese de que haveria um crime. Uma tese que nunca havia surgido antes e que, como todas as senhoras e senhores senadores souberam em dias recentes, foi urdida especialmente para esta ocasião.
Lembro ainda a decisão recente do Ministério Público Federal, que arquivou inquérito exatamente sobre esta questão. Afirmou não caber falar em ofensa à lei de responsabilidade fiscal porque eventuais atrasos de pagamento em contratos de prestação de serviços entre a União e instituições financeiras públicas não são operações de crédito.
Insisto, senhoras senadoras e senhores senadores: não sou eu nem tampouco minha defesa que fazemos estas alegações. É o Ministério Público Federal que se recusou a dar sequência ao processo, pela inexistência de crime.
Sobre a mudança de interpretação do TCU, lembro que, ainda antes da decisão final, agi de forma preventiva. Solicitei ao Congresso Nacional a autorização para pagamento dos passivos e defini em decreto prazos de pagamento para as subvenções devidas. Em dezembro de 2015, após a decisão definitiva do TCU e com a autorização do Congresso, saldamos todos os débitos existentes.
Não é possível que não se veja aqui também o arbítrio deste processo e a injustiça também desta acusação.
Este processo de impeachment não é legítimo. Eu não atentei, em nada, em absolutamente nada contra qualquer dos dispositivos da Constituição que, como Presidenta da República, jurei cumprir. Não pratiquei ato ilícito. Está provado que não agi dolosamente em nada. Os atos praticados estavam inteiramente voltados aos interesses da sociedade. Nenhuma lesão trouxeram ao erário ou ao patrimônio público.
Volto a afirmar, como o fez a minha defesa durante todo o tempo, que este processo está marcado, do início ao fim, por um clamoroso desvio de poder.
É isto que explica a absoluta fragilidade das acusações que contra mim são dirigidas.
Tem-se afirmado que este processo de impeachment seria legítimo porque os ritos e prazos teriam sido respeitados. No entanto, para que seja feita justiça e a democracia se imponha, a forma só não basta. É necessário que o conteúdo de uma sentença também seja justo. E no caso, jamais haverá justiça na minha condenação.
Ouso dizer que em vários momentos este processo se desviou, clamorosamente, daquilo que a Constituição e os juristas denominam de “devido processo legal”.
Não há respeito ao devido processo legal quando a opinião condenatória de grande parte dos julgadores é divulgada e registrada pela grande imprensa, antes do exercício final do direito de defesa.
Não há respeito ao devido processo legal quando julgadores afirmam que a condenação não passa de uma questão de tempo, porque votarão contra mim de qualquer jeito.
Nesse caso, o direito de defesa será exercido apenas formalmente, mas não será apreciado substantivamente nos seus argumentos e nas suas provas. A forma existirá apenas para dar aparência de legitimidade ao que é ilegítimo na essência.
Senhoras e senhores senadores,
Nesses meses, me perguntaram inúmeras vezes porque eu não renunciava, para encurtar este capítulo tão difícil de minha vida.
Jamais o faria porque tenho compromisso inarredável com o Estado Democrático de Direito.
Jamais o faria porque nunca renuncio à luta.
Confesso a Vossas Excelências, no entanto, que a traição, as agressões verbais e a violência do preconceito me assombraram e, em alguns momentos, até me magoaram. Mas foram sempre superados, em muito, pela solidariedade, pelo apoio e pela disposição de luta de milhões de brasileiras e brasileiros pelo País afora. Por meio de manifestações de rua, reuniões, seminários, livros, shows, mobilizações na internet, nosso povo esbanjou criatividade e disposição para a luta contra o golpe.
As mulheres brasileiras têm sido, neste período, um esteio fundamental para minha resistência. Me cobriram de flores e me protegeram com sua solidariedade. Parceiras incansáveis de uma batalha em que a misoginia e o preconceito mostraram suas garras, as brasileiras expressaram, neste combate pela democracia e pelos direitos, sua força e resiliência. Bravas mulheres brasileiras, que tenho a honra e o dever de representar como primeira mulher Presidenta do Brasil.
Chego à última etapa desse processo comprometida com a realização de uma demanda da maioria dos brasileiros: convocá-los a decidir, nas urnas, sobre o futuro de nosso País. Diálogo, participação e voto direto e livre são as melhores armas que temos para a preservação da democracia.
Confio que as senhoras senadoras e os senhores senadores farão justiça. Tenho a consciência tranquila. Não pratiquei nenhum crime de responsabilidade. As acusações dirigidas contra mim são injustas e descabidas. Cassar em definitivo meu mandato é como me submeter a uma pena de morte política.
Este é o segundo julgamento a que sou submetida em que a democracia tem assento, junto comigo, no banco dos réus. Na primeira vez, fui condenada por um tribunal de exceção. Daquela época, além das marcas dolorosas da tortura, ficou o registro, em uma foto, da minha presença diante de meus algozes, num momento em que eu os olhava de cabeça erguida enquanto eles escondiam os rostos, com medo de serem reconhecidos e julgados pela história.
Hoje, quatro décadas depois, não há prisão ilegal, não há tortura, meus julgadores chegaram aqui pelo mesmo voto popular que me conduziu à Presidência. Tenho por todos o maior respeito, mas continuo de cabeça erguida, olhando nos olhos dos meus julgadores.
Apesar das diferenças, sofro de novo com o sentimento de injustiça e o receio de que, mais uma vez, a democracia seja condenada junto comigo. E não tenho dúvida que, também desta vez, todos nós seremos julgados pela história.
Por duas vezes vi de perto a face da morte: quando fui torturada por dias seguidos, submetida a sevícias que nos fazem duvidar da humanidade e do próprio sentido da vida; e quando uma doença grave e extremamente dolorosa poderia ter abreviado minha existência.
Hoje eu só temo a morte da democracia, pela qual muitos de nós, aqui neste plenário, lutamos com o melhor dos nossos esforços.
Reitero: respeito os meus julgadores.
Não nutro rancor por aqueles que votarão pela minha destituição.
Respeito e tenho especial apreço por aqueles que têm lutado bravamente pela minha absolvição, aos quais serei eternamente grata.
Neste momento, quero me dirigir aos senadores que, mesmo sendo de oposição a mim e ao meu governo, estão indecisos.
Lembrem-se que, no regime presidencialista e sob a égide da nossa Constituição, uma condenação política exige obrigatoriamente a ocorrência de um crime de responsabilidade, cometido dolosamente e comprovado de forma cabal.
Lembrem-se do terrível precedente que a decisão pode abrir para outros presidentes, governadores e prefeitos. Condenar sem provas substantivas. Condenar um inocente.
Faço um apelo final a todos os senadores: não aceitem um golpe que, em vez de solucionar, agravará a crise brasileira.
Peço que façam justiça a uma presidenta honesta, que jamais cometeu qualquer ato ilegal, na vida pessoal ou nas funções públicas que exerceu. Votem sem ressentimento. O que cada senador sente por mim e o que nós sentimos uns pelos outros importa menos, neste momento, do que aquilo que todos sentimos pelo país e pelo povo brasileiro.
Peço: votem contra o impeachment. Votem pela democracia.
Muito obrigada.

sábado, 27 de agosto de 2016

Golpe globalizado

Os golpistas e o imaginário popular

Por Renato Rovai, em seu blog:

Em algum lugar do futuro a fatura dos dias atuais será acertada. Não na base de uma prestação de contas honesta, onde os que erraram assumirão suas culpas. Mas pelo julgamento frio da história. Quando os desacertos talvez já tenham produzido danos irreversíveis para um projeto de país.

As narrativas da história refletem, é verdade, o balanço das lutas. Mas se também é verdade que quem vence consegue ter mais influência na construção daquilo que pode se consolidar como versão final, é ainda mais verdade que a vitória na história não é dada pelo seu resultado imediato.

No caso do julgamento do impeachment fica cada dia mais claro que o resultado do processo tende a ser da cassação da presidente eleita Dilma Roussef. Mas isso não significará uma vitória histórica dos algozes de hoje.

Os senadores, deputados, empresários, jornalistas e líderes do movimento já começam a ver refluir o que achavam que seria o lucro da conquista. Mas ainda acham que ao final poderão contabilizar lucros. Enganam-se.

Seus rostos já começam a ficar carimbados como de golpistas e suas biografias perdem verniz. Talvez não a de todos, mas a de vários.

Um caso emblemático é o do senador Cristovam Buarque, que a despeito de a cada dia que passa estar mais à direita do que no dia anterior, ainda preservava um certo respeito dos setores progressistas. Preservava…

Cristovam hoje é apenas um golpista a mais. Alguém que fez firula para se posicionar e com isso ampliou seus tentáculos no governo Temer.

Ou seja, que fez o que qualquer político oportunista faria.

O acerto de contas com pessoas com o perfil de Cristovam, que iniciaram sua trajetória na esquerda e no campo popular, será duro.

Porque o governo Temer não é apenas golpista por estar derrotando o voto de 54 milhões de eleitores num processo parlamentar intoxicado e repleto de manipulações. Mas também porque vai tocar uma agenda que não foi aprovada nas urnas e que se fosse discutida pela população não seria vitoriosa. Um agenda ultra-neoliberal.

E por isso quem está com Temer hoje fazendo cálculos de curto prazo só tem a ganhar no futuro se o seu projeto for radicalmente neoliberal. E se o seu eleitor também o for.

Não há como ganhar votos no campo popular com um governo que tem por objetivo aumentar a idade mínima na Previdência Social, fazer uma reforma trabalhista que deve cortar direitos como férias e 13o salário e que já caminha no sentido de vender estatais e dar de bandeja o Pré-Sal.

Um governo desses se consolidará rapidamente como golpista no imaginário popular. E o imaginário popular não perdoa golpistas.

Essa história está muito mais escrita do que a vitória opaca que os que votarão no impeachment tendem a conquistar nos próximos dias.

Fonte: Blog do Miro
__________________________________________________________
Luiz Gonzaga Belluzzo: 'Fico muito preocupado quando os poderes não eleitos começam a sobressair numa democracia'

Fonte: CARTA MAIOR
_____________________________________________________________

Somente com o distanciamento no tempo para se ter uma dimensão exata de como a História será contada.

O golpe em curso, no futuro próximo, será contado como golpe contra o povo, contra a democracia, contra direitos dos trabalhadores, contra a soberania nacional. Isso parece certo.

Se tudo isso acontece, aqui e agora, o que leva a maioria da população brasileira a esperar o futuro, aceitando passivamente o estupro da democracia ?

Talvez a resposta esteja justamente na Democracia.

Em golpes passados, no Brasil como em outros países, o rompimento com o processo democrático foi instantâneo, traumático, escancarado.

Hoje, no Brasil e no mundo ocidental, a Democracia tem sido apresentada, defendida, e mesmo "exportada", como o principal valor de um mundo livre e moderno. No entanto, ao longo das últimas duas décadas, a Democracia vem sendo gradativamente e homeopaticamente contida, até mesmo com alguns de seus elementos sendo suprimidos.

Apesar do voto livre nas principais democracias do mundo, a escolha popular , cada vez mais, tem menos influência no destino das nações. No Brasil não é diferente.

No entanto, para a maioria alienada da população brasileira, a Democracia continua forte, as liberdades continuam asseguradas, e as instituições funcionam normalmente.

A Democracia do Brasil atual, é a mesma Democracia na maioria dos países ocidentais, com poucas diferenças, para mais ou para menos.

As perdas de direitos trabalhistas e outros serão minimizadas pela grande mídia, o que não evitará protestos e manifestações por parte de uma parcela organizada da sociedade, como já ocorrido na década de 1990 com os governos do PSDB.

Por outro lado, a Democracia continuará sendo "intocável", "perfeita", garantindo a livre manifestação de todos, manifestações que não serão suficientes para recuperar o que está sendo perdido.

O outro lado para que a população tome consciência sobre o quanto está perdendo, seria a implementação de uma Democracia plena.

Aí sim, a história do golpe seria contada como assalto a Democracia. No entanto, o processo de contenção da Democracia é mundial.

O golpe também é globalizado.

Um Senado alucinado assalta a Democracia

New York Times: Ratos golpeiam Dilma

26 de agosto de 2016 às 21h00


Charge no New York Times dá a exata dimensão da desmoralização internacional do golpe

Fonte: VIOMUNDO
__________________________________________________________

Editorial do Le Monde: ou é golpe ou é, no mínimo, uma farsa

POR FERNANDO BRITO · 27/08/2016


Traduzido pelo UOL, o editorial de ontem do jornal francês Le Monde:

Se esse não é um golpe de Estado, é no mínimo uma farsa. E as verdadeiras vítimas dessa tragicomédia política infelizmente são os brasileiros.”

Dilma Rousseff, a primeira presidente mulher do Brasil, está vivendo seus últimos dias no comando do Estado. Praticamente não há mais dúvidas sobre o resultado do julgamento de sua destituição, iniciado na quinta-feira (25) no Senado. A menos que aconteça uma reviravolta, a sucessora do adorado presidente Lula (2003-2010), que foi afastada do cargo em maio, será tirada definitivamente do poder no dia 30 ou 31 de agosto.

Dilma Rousseff cometeu erros políticos, econômicos e estratégicos. Mas sua expulsão, motivada por peripécias contábeis às quais ela recorreu bem como muitos outros presidentes, não ficará para a posteridade como um episódio glorioso da jovem democracia brasileira.

Para descrever o processo em andamento, seus partidários dizem que esse foi um “crime perfeito”. O impeachment, previsto pela Constituição brasileira, tem toda a roupagem da legitimidade. De fato, ninguém veio tirar Dilma Rousseff, reeleita em 2014, usando baionetas. A própria ex-guerrilheira usou de todos os recursos legais para se defender, em vão.

Impopular e desajeitada, Dilma Rousseff acredita estar sendo vítima de um “golpe de Estado” fomentado por seus adversários, pela mídia, e em especial pela rede Globo de televisão, que atende a uma elite econômica preocupada em preservar seus interesses supostamente ameaçados pela sede de igualitarismo de seu partido, o Partido dos Trabalhadores (PT).

Essa guerra de poder aconteceu tendo como pano de fundo uma revolta social. Após os “anos felizes” de prosperidade econômica, de avanços sociais e de recuo da pobreza durante os dois mandatos de Lula, em 2013 veio o tempo das reivindicações da população. O acesso ao consumo, a organização da Copa do Mundo e das Olimpíadas não conseguiam mais satisfazer o “povo”, que queria mais do que “pão e circo”. Ele queria escolas, hospitais e uma polícia confiável.

O escândalo de corrupção em grande escala ligado ao grupo petroleiro Petrobras foi a gota d’água para um país maltratado por uma crise econômica sem precedentes. Profundamente angustiados, parte dos brasileiros fizeram do juiz Sérgio Moro, encarregado da operação “Lava Jato”, seu herói, e da presidente sua inimiga número um.

A ironia quis que a corrupção fizesse milhões de brasileiros saírem para as ruas nos últimos meses, mas que não fosse ela a causa da queda de Dilma Rousseff. Pior: os próprios arquitetos de sua derrocada não são santos.

O homem que deu início ao processo de impeachment, Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, é acusado de corrupção e de lavagem de dinheiro. A presidente do Brasil está sendo julgada por um Senado que tem um terço de seus representantes, segundo o site Congresso em Foco, como alvos de processos criminais. Ela será substituída por seu vice-presidente, Michel Temer, embora este seja considerado inelegível durante oito anos por ter ultrapassado o limite permitido de doações de campanha.

O braço direito de Temer, Romero Jucá, ex-ministro do Planejamento do governo interino, foi desmascarado em maio por uma escuta telefônica feita em março na qual ele defendia explicitamente uma “mudança de governo” para barrar a operação “Lava Jato”.

Se esse não é um golpe de Estado, é no mínimo uma
farsa. E as verdadeiras vítimas dessa tragicomédia política infelizmente são os brasileiros.

Fonte: TIJOLAÇO
_________________________________________________________

Tradicional jornal francês chama impeachment de “golpe do colarinho branco”
26 de agosto de 2016 Miguel do Rosário


L'Humanité é o jornal que combateu o fascismo e o nazismo com mais determinação e coragem.

Fonte: O CAFEZINHO
______________________________________________________

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Surrealismo

Um dia depois que Moro devolve o passaporte à mulher de Cunha, PF indicia Lula como beneficiário de obras em apto que não lhe pertence.

Fonte: CARTA MAIOR
_________________________________________________________
O surrealismo invade o país nos dias que antecedem a consumação do golpe.

Pelo golpe, para o golpe e com o golpe, a velha mídia dará amplo destaque ao fato (????) de que Lula se beneficiou de obras em um apartamento triplex que não lhe pertence.

Isso mesmo, caro leitor, você se beneficiou de obras e benfeitorias no apartamento do vizinho, que você não usa, não usufrui, e nunca entrou no imóvel.

Por conta desse crime (?????) que o caro leitor cometeu, será convidado a prestar esclarecimentos, de forma coercitiva, se necessário for.

O golpe precisa de factóides e manchetes que justifiquem o golpe nessa reta final rumo ao hospício.