quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Classe média

ÚLTIMAS PALAVRAS

25 de agosto de 2016

O complexo de vira-lata se afirma pelo irresistível e insuperável medo nacional de vencer regularmente. Tudo parece efêmero como a hegemonia no basquete feminino, de vôlei ou de salão, por exemplo.

Fonte: SEGUNDA OPINIÃO
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Livro critica suposta perfeição das relações sociais

Refletir sobre o que se esconde por trás das aparências, essa é a proposta do novo livro da escritora Cláudia Marczak. Intitulado “O mundo perfeito”, o romance tenta representar um dos grandes dramas da sociedade, a autoimagem das classes sociais.

A obra conta a história de Luísa, uma mulher linda, atraente, mãe de dois filhos, casada com um importante empresário rico, bonito e charmoso. Mesmo com empregados fazendo todas as coisas por ela e aquela vida que seria o mundo perfeito para muitos, para a personagem, nada disso a fazia se sentir completa nem feliz.

Porém, todo o conceito sobre perfeição entra em choque quando a Luísa toma determinadas decisões que mudam a sua vida, deixando-a cada vez mais confusa.

Segundo Marczak, o livro indaga sobre a suposta "perfeição" das relações sociais superficiais que existem hoje. Para ela, vivemos num mundo em que todos mostram ser perfeitos e felizes. Porém, essa fachada perfeita esconde sentimentos e sensações que as pessoas tentam ocultar. “O romance promove um olhar para essas imperfeições sombrias e ocultas do ser humano”.


Além de “O mundo perfeito”, editado pela Penalux, Cláudia Marczak também publicou “Caos” e “Lugar Algum”

Inspiração literária

A escritora diz que a fonte para inspiração do seu trabalho vem de obras de Clarice Lispector, Nelson Rodrigues e Fernando Pessoa. Por esse motivo, seu desejo é sempre inquietante. Para ela, seus livros não podem passar uma sensação de indiferença. “Quero mobilizar o leitor através de sensações e surpresas que vão surgindo no decorrer da história”.

- Cada momento da minha vida pede um texto diferente. Fernando Pessoa, por exemplo, resume bem essa sensação através dos heterônimos, cada qual com um olhar diferente do mundo. Um texto apenas me acorrentaria. A literatura tem o dever de libertar - relata.

Sobre a autora
Além de “O mundo perfeito”, editado pela Penalux, Cláudia Marczak também publicou “Caos” e “Lugar Algum”, ambos de poemas e independentes, através de plataformas de autopublicação. Além disso, também lançou o romance “A flor da pele”, em 2012. Para esse ano, ainda pretende publicar mais duas coleções de livros infanto-juvenis pela Editora Fabris.


Fonte: JORNAL DO BRASIL
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O que é o que é ?

- gosta de ser o que não é, rejeita o que foi e fica sem saber o que é 

- pensa que é rico, mas não é;

- não gosta do povo , mas vem do povo;

- não gosta de pobre, mas não é rico;

- adora passear em shoppings;

- vive de aparências;

- gosta de assistir novelas na televisão;

- adora futilidades;

- são na maioria incultos ou semi-cultos;

- são facilmente manipulados pelos meios de comunicação,

- são desinformados ou semi-informados.


Se o caro leitor respondeu classe média, acertou.

A classe média pode ser comparada ao operário que se tornou gerente da fábrica onde trabalha.

Enquanto operário, peão, se relacionava bem com seus colegas, iguais. Uma vez promovido à gerente, médio gerente, passa a descriminar seus antigos colegas de profissão. Não mais se vê como um operário, e ainda rejeita a classe.

Agora gerente circula em ambientes, salas, espaços, por onde circulam Diretores, Superintendentes e, vez por outra, até mesmo o presidente da fábrica.

Não usa mais o uniforme operário, não mais manuseia máquinas, e trabalha em uma sala com ar condicionado e com secretária.

Tendo, já por algum tempo, contato constante com Diretores e Superintendentes, o gerente passa a acreditar que é um deles, passa a acreditar que faz parte do staf mais alto da empresa. No entanto, para Diretores e Superintendentes, o gerente é apenas um operário qualificado, ou, um operário limpo.

Vivendo em eterno conflito entre aquilo que gostaria de ser, aquilo que rejeita e aquilo que de fato é, o gerente, na maioria dos casos, se agarra a sua posição e, assim sendo, se transforma no principal empecilho para transformações associadas ao crescimento fabril, já que bloqueia ideias e iniciativas que vem da classe operária e pouco, ou nada, acrescenta para a classe executiva.

Na maioria das corporações, a media gerência é o principal, gargalo, entrave, para o crescimento e desenvolvimento organizacional. O medo comanda suas decisões.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

O projeto vira-lata

O projeto vira-lata desabilita o país para os Isaquias

24 de agosto de 20

A ninguenzada preta, parda, favelada, periférica não cabe no olimpo dos mercados que o golpe quer impor ao Brasil. Daí a contrariedade com o êxito da Rio-2016

isaquias-rio2016


por Saul Leblon, na Carta Maior

Se vingar seu projeto de país, o Brasil acaba enquanto possibilidade de um futuro ordenado pela democracia social. A meta é fazer do país um frango desossado da sadia no cepo dos mercados. E é esse o motor de um empenho que assumiu singular intensidade nos dias que correm.

A engrenagem envolve uma lista robusta de alvos a desabilitar.

Desde sediar uma Olimpíada a explorar o pré-sal, dispor de universidade pública e serviço digno de saúde ou resgatar a industrialização --são variados os temas e princípios a compor o sacramento de uma impossibilidade que se pretende tornar inviolável.

O Brasil não sabe, não pode e, sobretudo, não deve mais afrontar os fundamentos de uma inabilitação essencial para o ajuste de virulência inédita, que deve ocorrer após o impeachment --sibila-se nas entrelinhas e fora delas também.

Dissolver qualquer coágulo de nação como se dissolve os grumos do trigo na batedeira de bolo é a bússola de um golpe que não dispõe de estratégia alguma de desenvolvimento porque é justamente isso que se almeja eliminar.

Basta colar a inabilitação nacional aos mercados globais, esses que estrebucham sob o peso de uma desordem neoliberal irreversível.

As hélices cortantes serão acionadas na velocidade máxima, assim que o Senado dê a derradeira cutelada no pescoço altivo da presidenta assertiva escolhida por 54,5 milhões de brasileiros, tão teimosos quanto em rechaçar há quatro eleições o projeto que agora quer se impor com um golpe.

A advertência e as revogações encerram uma rígida contabilidade argentária: 70% a 80% do povaréu não cabe dentro da nação e precisa se convencer disso.

É incontida a contrariedade com a heresia levada às últimas consequências a partir da aposta feita há sete anos pelo então presidente Lula, de sediar os 31º Jogos Olímpicos na cidade do Rio de Janeiro.

A bizarra sucessão de dezesseis dias durante os quais emergiu uma nação normal em seus acertos e falhas, mas predominantemente hospitaleira, aguerrida, criativa, admirada e capaz, abriu uma dissonância intolerável à narrativa de país capacho, cuja única opção consistiria em dobrar a espinha para sempre.

Garrafais e adversativas do dispositivo midiático conservador tentavam consertar o estrago nesta segunda-feira, mitigando o que deu certo para resgatar o bordão do fracasso:

Para ficar nas manchetes de quatros exemplares do canil, no day after do evento (22/08):

Prazo, falta de foco e de base tiram o Brasil dos 10 mais’ (Valor);
‘Brasil celebra sucesso dos jogos, mas não bate meta’ (Folha); ‘
‘Mesmo com recorde de medalhas, meta do país não foi cumprida’ (O Globo).

Não foi, não será, nunca deveria ter sido tentado.

O colunista da Folha que encarna um almanaque de faits divers, reclama nesta 3ª feira que os dezessete dias de jogos olímpicos custaram ao Tesouro R$ 17 bilhões -- R$ 1 bi ao dia, proclama. Depois de exibir a argúcia aritmética admite que metade disso foi em obras do metrô, que vieram para ficar.

O artificioso empenho no desapreço pode ser medido pela atitude oposta de um concorrente estrangeiro na felicitação aos seus atletas.

O jornal El País, um dos mais importantes do mundo, longe de ser de esquerda, saúda na delegação espanhola o feito épico capaz de sacudir o brio de um país necrosado pelo austericidio que se quer ministrar aqui: ‘España cierra los Juegos de Río con 17 medallas --7 de oro, 4 de plata y 6 de bronces. Los siete títulos olímpicos coronan a una generación que no se conforma con ser segunda y se sobrepone a la crisis economica’

Um detalhe ilustrativo: a campanha espanhola foi idêntica à do Brasil em ouros, (7 ) e ficou ligeiramente abaixo no computo total de medalhas (17, contra 19 dos brasileiros).

Com uma vantagem singular para o épico local.

O desempenho dos atletas anfitriões foi liderado predominantemente pela ‘ninguenzada’ de Darcy Ribeiro.

Sim, a ninguenzada preta, cafuza, parda, favelada, sertaneja, composta de pedreiros pobres, filhos de faxineiras, moleques da periferia, vidas que já nascem remando contra a corrente, dando murro em ponta de faca, chutando pedra, rebatendo o azar até um belo dia engancharem o país no olimpo do esporte mundial.

Cruel é a palavra para uma elite que sonega esse orgulho às crianças de uma nação carentes de heróis que as livrem do traficante da comunidade.

Senhores senadores desta República que sucedeu ao regime escravocrata mais longevo da face da terra: essa é a natureza do golpe em curso.

Inabilitar o Brasil para a igualdade é o imperativo categórico de quem se propõe a regenerar o tecido econômico e político à imagem e semelhança dos interesses que secularmente barraram a ninguenzada no pódio da cidadania

Hoje, a maratona que verdadeiramente importa é fornecer aos mercados um substrato de país livre, leve e desimpedido de líderes, projetos, políticas, direitos, regulações e gastanças.

Daí por que a conquista do ouro na modalidade em que o fracasso tido como certo trombou com o imprevisto brilho da organização deve ser esquecido.

‘Organização olímpica vence desorganização brasileira’, restringe a Folha sem dar chance a qualquer vínculo entre a nação e o evento irrealizável que deu certo.

Para que não haja recidiva, o diário sangra a teimosia no subtítulo de misericórdia: ‘O melhor da Olimpíada deveria começar agora, mas não virá’ (Folha, 22/08/2016).

‘Não virá’.

O azedume reiterado em dezesseis dias de cobertura, segundo a ombudsman, gerou protestos até dos assinantes que escolheram o produto dos Frias como a sua janela para ver o país.

Fosse mesmo para vituperar algo, seria preciso admitir que a tradição olímpica foi rompida justamente na vexatória descortesia do golpe apoiado pelo jornal, durante a cerimônia de transmissão simbólica da tocha ao Japão, sede dos jogos em 2020.

Shinzo Abe, o premiê japonês, viajou 18,5 mil quilômetros num túnel de animação compactado em vídeo – para irromper no Maracanã, em meio à chuva que desabava na festa de encerramento, domingo.

Estava ali para erguer a ponte do espírito olímpico com seu homólogo brasileiro, como manda a tradição secular.

Só que não.

Ciente das vaias estocadas no Maracanã o golpista ficou em Brasília, para onde Abe se recusou a ir, demarcando a recusa no meio do gramado chuvoso, privado do respeito e da hospitalidade do anfitrião que encarna o espírito olímpico.

Nenhum jornal considerou esse fato mais grave do que o enfatizado fracasso de ‘não se atingir o objetivo olímpico’ –embora o 13º lugar destoe muito menos do almejado 10º posto do que deixar na mão um chefe de Estado em visita oficial.

Desculpe o transtorno, premiê Shinzo Abe, estamos em fase de demolição.

Cai uma pátria em fraldas, para a instalação de um olimpo de capitais livres de encargos sociais.

Breve, aqui.

Senhores senadores, olhem o rosto desses medalhistas antes de baixar o cutelo no pescoço da Presidenta impedida de recepcionar o premiê Abe no Maracanã.

O do canoeiro Isaquias, talhado a machado, por exemplo.

Carrega-se ali um pedaço da história do Brasil --essa que agora está em vossas mãos porque se estivesse de fato nas dele o barco não se renderia à correnteza regressiva.

Olhem o povo em nome do qual usurpadores querem estreitar mais uma vez o acesso às margens seguras da sociedade.

Fixem por um minuto os olhos em Isaquias.

O canoeiro medalhista traz na pele o saque ancestral a povos desse rincão reduzidos a legiões sem terra-sem floresta – sem teto-sem trabalho-sem direito.

Esse rosto guarda o horror das aldeias em chamas, da senzala claustrofóbica, da criança maltrapilha pasma pelo açoite a retalhar o lombo do pai feito toucinho cru.

Traz o rosto de Isaquias a noite insone do quilombo.

A meia liberdade sem acesso à terra está ali, assim como o estoque de gente banida pela lógica de batustões, essa que agora os senhores estão prestes a consagrar mais uma vez como ‘sacrifício necessário’.

A prioridade do jornalismo passa ao largo da fuga ancestral dos isaquias na contracorrente dos séculos até o pódio da Rio-2016.

Ao pauta é provar que o ocorrido é anômalo, descabido, irrepetível, temerário -- inviável.

Varrer a recidiva de autoconfiança e autoestima que possam inspirar esses dezesseis dias em que ‘a organização olímpica venceu a desorganização brasileira’ é imperativo para coibir paralelos com a vida real.

A mão pesada denuncia a inexatidão daquilo que se quer traduzir como ‘a ruína da corrupção lulopetista’.

O rosto de Isaquias nos diz que o que está em jogo trata de coisa mais abrangente e conhecida

Trata de uma encruzilhada clássica na história das nações –o que não inocenta os erros dos seus protagonistas.

Mas o que a caracteriza, sobretudo, é a crispação de conflitos permanentes em luta de classes aberta e sangrenta.

A tempestade engata uma transição de ciclo de desenvolvimento à deriva internacional que se estende desde 2008, com o esgotamento da ordem neoliberal.

Os noticiosos a reduziram a uma desfrutável faxina da direita no quintal da esquerda.

A meia verdade brandida à exaustão pelo meio-juiz dissipa o principal no secundário.

Por exemplo, a intensificação da disputa pela riqueza corrente; a exacerbação dos conflitos pela destinação dos fundos públicos; o braço de ferro pela repartição dos sacrifícios da travessia; o confronto pelo acesso ao estoque da riqueza capaz de mitigar a transição; o escrutínio das políticas e arcabouços institucionais –entre os quais a desdenhada reforma política-- que pavimentarão o passo seguinte da história.

No centro de tudo late a tese da inabilitação do Brasil para comandar democraticamente o seu desenvolvimento.

Construir uma nação é um ato de ruptura política que a usurpação golpista quer terceirizar ao mercado, escorraçando a urna e suas escolhas do centro das decisões.

Delimitar um território, fincar estacas, declarar e exercer soberania não é coisa que se faça impunemente em tempo algum e em qualquer latitude.

Sobretudo quando se trata, como é o caso, da sorte de um povo e do destino do desenvolvimento em um dos maiores territórios do globo, dotado das maiores reservas de água, minérios, petróleo, terras férteis, potencial hidrelétrico e solar; ademais de florestas e biodiversidade, tudo isso arrematado por um gigantesco mercado de isaquias.

O que significa ser tudo isso em uma mudança de época em que a civilização terá que se apoiar em recursos escassos que o Brasil dispõe em abundância?

Significa o desafio de combinar articulação internacional com soberania intransigente e justamente por isso enfrentar uma colisão sem trégua com a lógica dos capitais sem lei.

São essas correntezas violentas que movem as raízes estruturais da conjura na qual a mídia se aliou à escória e ao dinheiro para derrubar uma Presidenta honesta, acusada de pedaladas fiscais.

Quem melhor encarna o elo entre a superfície e as profundezas desse ardil é o chefe oculto das operações , o tucano Fernando Henrique Cardoso

O ideólogo age movido por uma antiga certeza: não há espaço para um povo de isaquias comandar o seu destino no capitalismo do nosso tempo.

Menos ainda –diz -- para o ‘voluntarismo lulopetista’ construir uma democracia social tardia no coração da América Latina.

Isaquias, negro e cafuzo, recolha seu remo voluntarioso, a rota de um timoneiro mais alto se alevanta.

Os acontecimentos recentes resgataram --no entender do viralatismo-- a pertinência da análise do sociólogo de 1967, ‘Dependência e desenvolvimento na América Latina’, sobre a inviabilidade de um modelo de desenvolvimento soberano na região.

Pobres isaquias de todo o Brasil, adernem ou rendam-se.

A dependência é estrutural, avisa FH desde 1967 .

A dependência é bela, adicionaria o presidente tucano à classe média nos anos 90.

A dependência é inexorável, diz agora o ideólogo do golpe institucional contra Dilma e o PT.

FH partiu de um diagnóstico correto, ao apontar o equívoco de uma parte da esquerda brasileira em 1964, que via na burguesia nacional um aliado dos trabalhadores na luta pelo desenvolvimento.

Mas extraiu daí conclusões equivocadas no extremo oposto.

O tucano enxergou na complementariedade entre o capital local e o estrangeiro o reinado definitivo das elites: o desenvolvimento associado e dependente, no qual o consumo da classe média forneceria o amortecedor político ao sistema --e o fluxo de capitais externos lubrificaria o conjunto em um equilíbrio dinâmico.

Não importa que o pião precisasse girar cada vez mais depressa para não desabar –desde que girasse, tudo bem.

Faltou abordar o essencial, porém.

Os conflitos inerentes à associação entre o capital local e o internacional e o seu custo em libras de carne humana.

Com quantos isaquias jogados ao mar se faz essa canoa?

A ausência do olhar dialético magnificaria aquilo que FHC criticara na esquerda dos anos 60: a troca do materialismo histórico por um wishful thinking.

No seu caso, um autoengano de cosmopolita provinciano, traduzido macroeconomicamente em uma ‘âncora cambial’ que se revelou desastrosa quando o pião parou de girar, os capitais inverteram o curso e a maré baixa revelou uma nação de industrialização destruída, reservas cambiais à míngua, refém do capital especulativo e de seu capitão do mato: as cartas de arrocho do FMI.

Enquanto durou, a aparente consagração da teoria deu estofo ao projeto político do sociólogo, que a personificou na Presidência como se não houvesse amanhã.

Sobretudo na sôfrega dilapidação do patrimônio nacional.

O surgimento do PT e a vitória desconcertante do líder operário em 2002 e 2006 –que fez a sucessora em 2010, reeleita em 2014-- introduziria um ruído insuportável no escopo desse conformismo estratégico.

Para revalidar a teoria e os interesses aos quais ela consagra uma dominância perpétua era necessário desqualificar a heresia de forma exemplar.

Eis a essência da vendeta que hoje dá base teórica ao viralatismo e ressuscita como farsa a tragédia dos anos 90, adicionalmente comprometida pela inexistência das condições externas momentaneamente favoráveis então.

Para isso dar certo é necessário derreter e refundir o país como um corredor de vento dos capitais globalizados.

A aposta extremada explica a contrariedade com qualquer deslize que sugira a existência de vida fora da renúncia absoluta ao comando do desenvolvimento.

Derrota-la, por sua vez, requer um grau de ousadia maior do que tem sido a disposição de libertar a democracia da passividade a que foi submetida pelo modelo político das últimas décadas.

É uma corrida contra o tempo.

O golpe espera cortar a cabeça de Dilma, e aleijar o seu entorno, antes que as contradições disseminem uma resistência para a qual não se preparou.

Assim como não contava com o sucesso improvável das Olimpíadas.

E tampouco com a ameaça silenciosa do remo infatigável de Isaquias, que parece determinado a seguir em alta velocidade --e só parar quando atingir a margem firme do país secularmente sonegado à ninguenzada --da qual é parte e ruptura.


Fonte: CARTA MAIOR

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A grande crise global

Dowbor: Crônica em meio à grande crise global

POR LADISLAU DOWBOR– ON 23/08/2016


Saídas para evitar um colapso civilizatório são evidentes – mas nunca estiveram tão bloqueadas. A questão crucial: teremos tempo para chegar a um Plano B?

Por Ladislau Dowbor | Tradução: Inês Castilho | Imagem: Banksy

Difícil deixar de pensar que estamos vivendo num circo gigante. Quando sentamos no sofá depois de um dia bizarro de trabalho e horas de transporte, as novelas surreais na TV nos dão uma visão geral do jogo global: tantas bombas sobre a Síria, mais refugiados nas fronteiras, os problemas das grandes finanças, os últimos gols de Neimar. Ah sim, e quem, depois da Hungria, a Grécia, a Polônia e o Reino Unido está ameaçando deixar a União Europeia em nome de ideais nacionais superiores.

É um jogo e tanto. Relatórios do Crédit Suisse e da Oxfam mostram a grande divisão entre os donos do jogo e os espectadores: 62 bilionários têm mais riqueza do que os 50% mais pobres da população mundial. Eles produziram tudo isso? Evidentemente, tudo depende de que papel você desempenha no jogo. Em São Paulo, os muito ricos que habitam o condomínio de Alphaville estão murados em segurança, enquanto os pobres que vivem na vizinhança se autodenominam Alphavella. Alguém precisa cortar a grama e entregar as compras.

De acordo com o relatório global da WWF sobre a destruição da vida selvagem, 52% das populações de animais não-domesticados desapareceram, durante os 40 anos que vão de 1970 a 2010. Muitas fontes de água estão contaminadas ou secando. Os oceanos estão gritando por socorro, o ar condicionado prospera. As florestas estão sendo derrubadas na Indonésia, que substituiu a Amazônia como a região número um do mundo em desmatamento. A Europa precisa ter energia renovável, de carne barata e da beleza do mogno.

A Rede de Justiça Fiscal revelou que cerca de 30 trilhões de dólares – comparados a um PIB mundial de US$ 73 trilhões – eram mantidos em paraísos fiscais em 2012. O Banco de Compensações Internacionais da Basileia mostra que o mercado de derivativos, o sistema especulativo das principais commodities, alcançou 630 trilhões de dólares, gerando o efeito iôiô nos preços das matérias-primas econômicas básicas. O maior jogo do planeta envolve grãos, minerais ferrosos e não ferrosos, energia. Essas commodities estão nas mãos de 16 corporações basicamente, a maior parte delas sediadas em Genebra, como revelou Jean Ziegler em “A Suiça lava mais branco”. Não há árbitro neste jogo, estamos num ambiente vigiado. Os franceses têm uma excelente descrição para os nossos tempos: vivemos une époque formidable!

Fizemos um trabalho perfeito em 2015: a avaliação global sobre como financiar o desenvolvimento em Adis Abeba, as metas do desenvolvimento sustentável para 2030 em Nova York e a cúpula sobre mudanças climáticas em Paris. Os desafios, soluções e custos foram claramente expostos. Nossa equação global é suficientemente simples para ser executada: os trilhões em especulação financeira precisam ser redirecionados para financiar inclusão social e para promover a mudança de paradigma tecnológico que nos permitirá salvar o planeta. E a nós mesmos, claro.

Mas são os lobos de Wall Street que traçaram o código moral para este esporte: Ganância é Ótima!

Afogando em números

Estamos nos afogando em estatísticas. O Banco Mundial sugere que deveríamos fazer algo a respeito dos news four biliion – referindo-se aos quatro bilhões de seres humanos “que não têm acesso aos benefícios da globalização” – uma hábil referência aos pobres. Temos também os bilhões que vivem com menos de 1,25 dólar por dia. A FAO nos mostra em detalhes onde estão localizadas as 800 milhões de pessoas famintas do mundo. A Unicef conta aproximadamente 5 milhões de crianças que morrem anualmente em razão do acesso insuficiente a comida e água limpa. Isso significa quatro World Trade Centers por dia, mas elas morrem silenciosamente em lugares pobres, e seus pais são desvalidos.

As coisas estão melhorando, com certeza, mas o problema é que temos 80 milhões de pessoas a mais todo ano – a população do Egito, aproximadamente – e este número está crescendo. Um lembrete ajuda, pois ninguém entende de fato o que significa um bilhão: quando meu pai nasceu, em 1900, éramos 1,5 bilhão; agora somos 7,2 bilhões. Não falo da história antiga, falo do meu pai. E já que não é da nossa experiência diária entender o que é um bilionário, vai aqui uma nova imagem: se você investe um bilhão de dólares em algum fundo que paga miseráveis 5% de juros ao ano, ganha 137.000 dólares por dia. Não há como gastar isso, então você alimenta mais circuitos financeiros, tornando-se ainda mais fabulosamente rico e alimentando mais operadores financeiros.

Investir em produtos financeiros paga mais do que investir na produção de bens e serviços – como fizeram os bons, velhos e úteis capitalistas – de modo que não tem como o acesso ao dinheiro ficar estável, muito menos gotejar para baixo. O dinheiro é naturalmente atraído para onde ele mais se multiplica, é parte da sua natureza, e da natureza dos bancos. Dinheiro nas mãos da base da pirâmide gera consumo, investimento produtivo, produtos e empregos. Dinheiro no topo gera fabulosos ricos degenerados que comprarão clubes de futebol, antes de finalmente pensar na velhice e fundar uma ONG – por via das dúvidas.

Um suborno global

Muita gente percebe que as regras do jogo são manipuladas. Os tempos são de fraude global, quando pessoas fabulosamente ricas doam a políticos e promovem a aprovação de leis para acomodar suas crescentes necessidades, fazendo da especulação, da evasão fiscal e da instabilidade geral um processo estrutural e legal. Lester Brown fez suas somatórias ambientais e escreveu Plano B [“Plan B”], mostrando claramente que o atual Plano A está morto. Gus Speth, Gar Alperovitz, Jeffrey Sachs e muitos outros estão trabalhando no Próximo Sistema[“Next System”], mostrando, implicitamente, que nosso sistema foi além de seus próprios limites.

Joseph Stiglitz e um punhado de economistas lançaram Uma Agenda para a Prosperidade Compartilhada, rejeitando “os velhos modelos econômicos”. De acordo com sua visão, “igualdade e desempenho econômico constituem na realidade forças complementares, e não opostas”. A França criou seu movimento de Alternativas Econômicas; temos a Fundação da Nova Economia no Reino Unido; e estudantes da economia tradicional estão boicotando seus estudos em Harvard e outras universidades de elite. Mehr licht! [Mais luz!]

E os pobres estão claramente fartos desse jogo. Sobram muito poucos camponeses isolados e ignorantes prontos a se satisfazer com sua parte, seja ela qual for. As pessoas pobres de todo o mundo estão crescentemente conscientes de que poderiam ter uma boa escola para seus filhos e um hospital decente onde pudessem nascer. E além disso veem na TV como tudo pode funcionar: 97% das donas de casa brasileiras têm aparelho de TV, mesmo quando não têm saneamento básico decente.

Como podemos esperar ter paz em torno do lago que alguns chamam de Mediterrâneo, se 70% dos empregos são informais e o desemprego da juventude está acima de 40%? E eles estão assistindo na TV o lazer e a prosperidade existentes logo ali, cruzando o mar, em Nice? A Europa bombardeia-os com estilos de vida que estão fora do seu alcance econômico. Nada disso faz sentido e, num planeta que encolhe, é explosivo. Estamos condenados a viver juntos, o mundo é plano, os desafios estão colocados para todos nós, e a iniciativa deve vir dos mais prósperos. E, felizmente, os pobres não são mais quem eram.

Cultura e convivialidade


Sempre tive uma visão muito mais ampla de cultura do que o tradicional “Ach! disse Bach”. Penso que ela inclui desfrutar de alegria com os outros, enquanto se constrói ou se escreve alguma coisa, ou simplesmente se brinca por aí. Convivialidade. Recentemente passei algum tempo em Varsóvia. Nos fins de semana de verão, os parques e praças ficavam cheios de gente e havia atividades culturais para todo lado.

Ao ar livre, com um monte de gente sentada no chão ou em simples cadeiras de plástico, uma trupe de teatro fazia uma paródia do modo como tratamos os idosos. Pouco dinheiro, muita diversão. Logo adiante, em outras partes do parque Lazienki, vários grupos tocavam jazz ou música clássica, e as pessoas estavam sentadas na grama ou assentos improvisados, as crianças brincando por perto.

No Brasil, com Gilberto Gil no ministério da Cultura, foi criada uma nova política, os Pontos de Cultura. Isso significou que qualquer grupo de jovens que desejassem formar uma banda poderiam solicitar apoio, receber instrumentos musicais ou o que fosse necessário, e organizar shows ou produzir online. Milhares de grupos surgiram – estimular a criatividade requer não mais que um pequeno empurrão, parece que os jovens trazem isso na própria pele.

A política foi fortemente atacada pela indústria da música, sob o argumento de que estávamos tirando o pão da boca de artistas profissionais. Eles não querem cultura, querem indústria de entretenimento, e negócios. Por sorte, isso está vindo abaixo. Ou pelo menos a vida cultural está florescendo novamente. Os negócios têm uma capacidade impressionante para ser estraga-prazeres.

O carnaval de 2016 em São Paulo foi incrível. Fechando o círculo, o carnaval de rua e a criatividade improvisada estão de volta às ruas, depois de ter sido domados e disciplinados, encarecidos pela comunicação magnata da Rede Globo. As pessoas saíram improvisando centenas de eventos pela cidade, era de novo um caos popular, como nunca deixou de ser em Salvador, Recife e outras regiões mais pobres do país. O entretenimento do carnaval está lá, é claro, e os turistas pagam para sentar e assistir ao show rico e deslumbrante, mas a verdadeira brincadeira está em outro lugar, onde o direito de todo mundo dançar e cantar foi novamente conquistado.

Um caso de consumo


Eu costumava jogar futebol bastante bem, e ia com meu pai ver o Corinthians jogar no tradicional estádio do Pacaembu, em São Paulo. Momentos mágicos, memórias para a vida inteira. Mas principalmente brincávamos entre nós, onde e quando podíamos, com bolas improvisadas ou reais. Isso não é nostalgia dos velhos e bons tempos, mas um sentimento confuso de que quando o esporte foi reduzido a ver grandes caras fazendo grandes coisas na TV, enquanto a gente mastiga alguma coisa e bebe uma cerveja, não é o esporte – mas a cultura no seu sentido mais amplo – que se transformou numa questão de produção e consumo, não em alguma coisa que nós próprios criamos.

Em Toronto, fiquei pasmo ao ver tanta gente brincando em tantos lugares, crianças e gente idosa, porque espaços públicos ao ar livre podem ser encontrados em todo canto. Aparentemente, por certo nos esportes, eles sobrevivem divertindo-se juntos. Mas isso não é o mainstream, obviamente. A indústria de entretenimento penetrou em cada moradia do mundo, em todo computador, todo telefone celular, sala de espera, ônibus. Somos um terminal, um nó na extensão de uma espécie de estranho e gigante bate-papo global.

Esse bate-papo global, com evidentes exceções, é financiado pela publicidade. A enorme indústria de publicidade é por sua vez financiada por uma meia dúzia de corporações gigantes cuja estratégia de sobrevivência e expansão é baseada na transformação das pessoas em consumidores. O sistema funciona porque adotamos, docilmente, comportamentos consumistas obsessivos, ao invés de fazer música, pintar uma paisagem, cantar com um grupo de amigos, jogar futebol ou nadar numa piscina com nossas crianças.

Um punhado de otários consumistas

Que monte de idiotas consumistas nós somos, com nossos apartamentos de dois ou três quartos, sofá, TV, computador e telefone celular, assistindo o que outras pessoas fazem.

Quem precisa de uma família? No Brasil o casamento dura 14 anos e está diminuindo, nossa média é de 3,1 pessoas por moradia. A Europa está na frente de nós, 2,4 por casa. Nos EUA apenas 25% das moradias têm um casal com crianças. O mesmo na Suécia. A obesidade está prosperando, graças ao sofá, a geladeira, o aparelho de TV e as guloseimas. Prosperam também as cirurgias infantis de obesidade, um tributo ao consumismo. E você pode comprar um relógio de pulso que pode dizer quão rápido seu coração está batendo depois de andar dois quarteirões. E uma mensagem já foi enviada ao seu médico.

O que tudo isso significa? Entendo cultura como a maneira pela qual organizamos nossas vidas. Família, trabalho, esportes, música, dança, tudo o que torna minha vida digna de ser vivida. Leio livros, e tiro um cochilo depois do almoço, como todo ser humano deveria fazer. Todos os mamíferos dormem depois de comer, somos os únicos ridículos bípedes que correm para o trabalho. Claro, há esse terrível negócio do PIB. Todas as coisas prazerosas que mencionei não aumentam o PIB – muito menos minha sesta na rede. Elas apenas melhoram nossa qualidade de vida. E o PIB é tão importante que o Reino Unido incluiu estimativas sobre prostituição e venda de drogas para aumentar as taxas de crescimento. Considerando o tipo de vida que estamos construindo, eles talvez estejam certos.

Necessitamos de um choque de realidade. A desventura da terra não vai desaparecer, levantar paredes e cercas não vai resolver nada, o desastre climático não vai ser interrompido (a não ser se alterarmos nosso mix de tecnologia e energia), o dinheiro não vai fluir aonde deveria (a não ser que o regulemos), as pessoas não criarão uma força política forte o suficiente para apoiar as mudanças necessárias (a não ser que estejam efetivamente informadas sobre nossos desafios estruturais). Enquanto isso, as Olimpíadas e MSN (Messi, Suarez, Neymar para os analfabetos) nos mantêm ocupados em nossos sofás. Como ficará, com toda a franqueza, o autor destas linhas. Sursum corda.

Fonte: OUTRAS PALAVRAS
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terça-feira, 23 de agosto de 2016

Resistir é preciso

Resistência internacional ao golpe prepara luta contra “ditadura suave”

23 de agosto de 2016 às 13h51
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O Tempo de Dilma Rousseff: a razão por que resistimos

por Katarina Peixoto*

A história é a luta pelo passado. Essa boutade é mais fecunda que intuitiva, pois quer dizer, entre outras coisas, que história é uma experiência sobre o presente e sempre sobre o presente, e que é por meio dessa experiência e do embate normativo que a embala que poderemos dispor dos marcos para identificar o passado.

E nada dessas coisas é fácil de ver, num contexto de luta cotidiana e exaustiva, em que o Brasil foi jogado nos últimos dois anos, mesmo para democratas que não se apequenaram nem cederam à avalanche golpista que se espalha e dissemina destruição e medo pelo país.

Como a leitora e o leitor poderão acompanhar, ao longo deste livro, o que consta nessas entrevistas, manifestos, sentença do Tribunal Internacional, ensaios, artigos e poema, é aquilo que Amartya Sen chama de “fundamentação plural” da denúncia de uma flagrante injustiça: a deposição ilegal de Dilma Rousseff.

Há várias linhas de abordagem do que se passa no Brasil, hoje, voltadas a diagnosticar e evidenciar a destruição voraz em curso, e também com vistas a apontar caminhos de refazimento da vida dos direitos sob uma ordem constitucional.

Em todos e em cada um dos documentos aqui registrados, consta o compromisso com a temporalidade e a experiência encarnadas na figura de Dilma Rousseff.

Estadista de envergadura incomum na história brasileira, primeira mulher eleita e reeleita presidenta, formada na luta armada contra a última ditadura, economista, herdeira do trabalhismo e do legado, como gosta de dizer, de enxergar a ideia de estado nacional, de Getúlio Vargas. Dilma Rousseff responde por todas e cada uma das iniciativas inspiradoras da grande transformação brasileira, dos últimos 13 anos.

Responde pelos programas anticíclicos, pelas políticas de reconhecimento e ampliação do escopo dos direitos, e responde pelo fortalecimento e consolidação de uma certa estabilidade institucional hoje violada.

Impoluta e não messiânica, Dilma causou e causa desconcertos em todas as forças políticas do país e a sua tenacidade segue interpelando os golpistas e incomodando os arautos de uma perseguição sem precedentes, contra si.


Na guerra política em que o país foi mergulhado, a figura da mulher jamais ocupou tamanha centralidade.

De despreparada a louca, de furiosa a comunista, passando, é claro, pela acusação demencial de ter cometido algum mal feito.

A todas e a cada uma dessas vilanias, Dilma respondeu e segue respondendo com altivez, republicanismo e caráter.

Dilma tem um ethos raro, de quem se entregou a uma luta maior que si: é virtuosa e, ao mesmo tempo, mergulhada na história.

Assim é que, desde o início dos procedimentos golpistas, dedicou-se a uma espécie de pedagogia da resistência: em cada fala, denuncia ponto a ponto a inconsistência e eventualmente o caráter absurdo das acusações.

Repete ponto por ponto, desfaz qualquer hipótese de consistência nas acusações falaciosas que compõem o enredo macabro do “crime de responsabilidade”, que não há nem nunca houve.

E segue defendendo a democracia, o sufrágio, as políticas de estado voltadas à realização da ideia de estado nacional, democrático, solidário, soberano.

Dizer que Dilma Rousseff é inocente é justo, mas insuficiente.

Dilma é de tal maneira virtuosa, que age com a clareza que poucos têm, em meio à gigantesca instabilidade em que fomos todos jogados.

Mantém o tom de sobriedade que parece estranho, até, quando não frágil.

Não nos enganemos com essa figuração, no mais das vezes, contaminada de misoginia, estranhamento e desconcerto frente a quem reconhece a república como fim em si.

As oligarquias golpistas terão sobre si, para a história, a mancha de conspurcarem, de novo, contra o que Dilma significa e é.

Essas coisas existem numa temporalidade que não está nos jornais e nas televisões oligopólicas, nem no jogo eleitoral espetacularizado.

Estão na história, nesse tempo em que a razão se realiza. Esse tempo e essa figuração constituem e constituíram a razão por que resistimos.

Um dos maiores méritos desta coletânea consiste em contemplar, tanto em declarações distantes, como em testemunhos carregados de afetividade, o compromisso com a democracia no presente.

Esse compromisso tem uma natureza moral e política sem fronteiras, e o olhar distante carrega consigo uma possibilidade de clareza muitas vezes para nós interdita, em meio à instabilidade em que fomos jogados.

E há também o elo afetivo, sentimental e biográfico dos brasileiros desterrados e dos estrangeiros que acompanham e resistem à destruição da ordem constitucional brasileira e se solidarizam com a resistência.

Com a força da solidariedade, do compromisso intelectual e da generosidade que constituem os valores da democracia, a nossa democracia, jovem e hoje crepuscular, será acolhida na resistência e sobreviverá ao desastre que se anuncia.

Não é de pouca monta documentar o que estamos vivendo e tampouco é comum.

Esta é a terceira parte de uma trilogia de coletâneas que documentam com raro rigor e compromisso, aliados, o estado da destruição em curso no Brasil.

O golpe contra a expansão do direito e das oportunidades conquistados após anos de resistência a uma ditadura torna-se cada dia mais nítido e, ao mesmo tempo, despudorado.

Vencemos a batalha semântica sobre o golpe e os usurpadores contribuíram de maneira inaudita para este esclarecimento: o país hoje é governado por uma força usurpadora de ocupação que não foi eleita, que pretende realizar uma agenda reiteradas vezes rejeitada nas urnas e que é inelegível, dadas as decisões já transitadas em julgado, a respeito da elegibilidade de parte dos senhores golpistas dirigentes do golpe.

Eles pretendem governar como não houvesse amanhã, porque sabem que eles não têm amanhã. Estão, portanto, prontos para liquidarem com o passado e com as condições de possibilidade da luta sobre o passado.

Para nós, que organizamos este livro e para muitos dos autores, nada parecido se viu ou viveu, no Brasil, em nossas vidas.

Mas para muitos dos que estão conosco, na Resistência Internacional, esta é a história de uma variação sobre um tema perseverante, uma espécie de repetição.

Como toda repetição, tem suas peculiaridades e similaridades e estas comparecem na pluralidade de abordagens aqui representadas.

Há elementos repetitivos como a queda nos preços das commodities. A especulação característica da crise do petróleo dos anos 70 do século passado ganhou uma nova roupagem: mais bélica, mais claramente política e intrinsecamente operadora do ataque às democracias fragilizadas economicamente da América Latina.

A análise sobre o que se passa contra o Brasil e a Venezuela hoje não faz nem fará qualquer sentido se retirarmos o petróleo, sobretudo as reservas futuras e a tecnologia do Pré-Sal, de seu diagnóstico.

Também vivemos, nos EUA, na Europa e no Oriente Médio, um quadro de tensão, instabilidade crescente e de avanço de forças autoritárias e obscurantistas cujos precedentes menos remotos também estão em fins dos anos 70.

A grande diferença talvez resida na simultaneidade e na dinâmica interna das comunicações e da consolidação de dispositivos democráticos e intelectuais, disponíveis hoje de maneira incomparável aos processos de fechamento passados.

Não será tampouco esclarecido o escopo do atual golpe sem um olhar atento para a debilidade da nossa democracia.

Esta fragilidade se tornou evidente diante de dois grandes mercados dominantes e sem o menor controle democrático, de maneira que seguem desregulados, como fossem verdadeiros mercados-sombra. Vem daí o maior ataque a nossa democracia.

Trata-se de dois mercados cuja regulamentação segue adiada e menosprezada, inclusive pelas forças de esquerda, até há pouco cúmplices ou reféns das chantagens produzidas pelo jogo deles característico: o financiamento eleitoral e o mercado de informações.

Segundo os dados do Tribunal Superior Eleitoral, a eleição presidencial de 2014, da qual Dilma Rousseff saiu vitoriosa e reeleita com mais de 54 milhões de votos ora anulados pelo golpe, custou mais de 500 milhões de reais declarados.

Este é um valor que parece revelar um grande desafio para a democracia brasileira: em primeiro lugar, é preciso questionar se há e por que há e haveria a necessidade de uma campanha eleitoral com custo tão elevado.

Em segundo, se este custo não deriva da fragilidade da consciência democrática e da ausência de uma cultura de disputa aberta por interesses e poder.

Em terceiro lugar, cabe interrogarmos por que os governos democráticos que obtiveram, e quando obtiveram, maiorias parlamentares, não se dedicaram a regulamentar e a disciplinar (oferecer um teto de gastos de campanha, por exemplo), quando tiveram força para fazê-lo.

Há outras questões, é certo, mas estas dariam início a uma discussão democrática.

O segundo mercado-sombra é o da informação, isto é, da mídia.

No Brasil, não há, rigorosamente, mercado de informações. Há um peculiar e pré-moderno sistema oligárquico-familiar, que veicula e advoga um ideário a um só tempo escravocrata e ultraliberal, e que se constituiu no rastro da última ditadura, como é o caso da Rede Globo e da Rede Brasil Sul, paradigmaticamente.

São sete famílias que comandam as pautas, que igualam manchetes, que detêm televisões, jornais, rádios e agências de notícias que não respondem a ninguém, que mal tributam (quando não sonegam) e que constituíram um véu de ignorância e ódio racista contra o que é democrático, popular e institucional.

Esses dois mercados-sombra são denunciados, analisados, diagnosticados e comentados nos textos desta coletânea.

E a sua consideração atravessa as análises de sobreviventes da última ditadura, professores universitários, pesquisadores de renome, brasilianistas, juristas, publicistas e políticos portadores de um olhar externo sobre o estado das artes sombrias que ameaçam a nossa democracia.

Esses mercados sombra permitiram que os valores da democracia sempre fossem depreciados e mesmo ridicularizados e que os valores do ultra individualismo e do ultra liberalismo financeiro fossem tomados como medida do que o Brasil merece.

Esses valores, finalmente, penetraram de tal maneira as externalidades da vida intelectual de burocratas e jusnaturalistas investidos de funções legais, que passaram a circular livremente, como detivessem autonomia e pudessem vigorar a despeito de nossa ordem constitucional.

E assim o país assiste a um ataque sem precedentes não apenas ao que é democrático e legítimo historicamente, como à ideia elementar de república, às prerrogativas das separações de poderes, ao artigo quinto da constituição.

Assim é que a atual força de ocupação usurpadora do Brasil evidencia que as oligarquias do país abdicaram do processo eleitoral e anularam o sufrágio como critério último de legitimação.

A sua agenda, para se realizar, depende da regressão de nossa democracia a níveis sem precedentes ao menos há quatro gerações. E a reinstalação do Gabinete de Segurança Institucional, o soi disant Plano Nacional de Inteligência, bem como a figuração da força de ocupação do ministério da justiça do golpe, apontam para a repressão instalada e coordenada, nacionalmente, a partir do palácio do planalto e do executivo federal.

Destruíram o processo penal, arregimentaram direito material para a lide processual e invadiram, ilegitimamente, as esferas de exercício e controle da vida institucional do país.

É por isso que documentar a razão por que resistimos tem um sentido histórico.

Nos dias que antecedem à consumação do golpe em curso, que o dão como irreversível, cabe-nos lembrar, nesta oportunidade, da razão por que temos razão em resistir.

O Brasil ameaçado pelo atual golpe é um país que exterminou a fome endêmica e promoveu a maior ascensão social da história da humanidade no intervalo de tempo em que o fez.

É o país que retirou da miséria e da pobreza o equivalente à população da França, num intervalo de 10 anos, talvez menos.

E o fez ampliando investimentos em pesquisa, em políticas de cultura, em aumento significativo de vagas nas universidades, em ampliação dos campi universitários, em oferta de cursos técnicos e no maior programa de habitação popular da história do país.

É o país que reconheceu o racismo e incluiu políticas de enfrentamento e combate ao racismo no seu arcabouço republicano.

E é o país que, apesar de seu machismo atroz, repulsivo e ecumênico, em todas as forças políticas, elegeu e reelegeu uma mulher, para o mais alto cargo da república, ora ameaçada.

Trata-se de um país continental que é muito mais rico, desenvolvido, dinâmico, letrado, com mais doutores, mais médicos, mais alfabetizados e mais organizados, politicamente, do que o país golpeado pela última ditadura.

Somos mais ricos, temos mais ativos, mais autoconsciência e organização política e popular do que tínhamos em 1964.

Ao contrário do que se passou, então, não contamos com uma promessa de país, somente.

Contamos com uma experiência de transformação, sem precedentes, na história deste país tão injusto com os seus desvalidos.

Chegará o tempo em que a luta por este passado será vencida por nós, os irredentos e resistentes, representados nesta coletânea e na trilogia de coletâneas.

Chegará o tempo em que a medida da mudança, segundo o antes e o depois, como nos lembra Aristóteles, ficará clara.

Aí, então, chegará o tempo de Dilma Rousseff, na história da reconquista da democracia, o princípio e o fim que nos move.

Até lá, e nesse caminho, seguiremos do lado certo da história, como ela, Dilma, não para de nos dizer. Uma boa leitura.


Fonte: VIOMUNDO
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A munição pesada do golpe


Fonte: BRASIL DE FATO

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Pobres, pretos e mulheres continuam sendo as vítimas de uma guerra sem fim.

A polícia, em se tratando desses grupos, não pergunta, atira para matar. Assim sendo, muitos policiais também são mortos, muitas vezes não por estarem em serviço, mas por serem policiais.

O chumbo cruzando o céu da cidade, balas tracejantes, já é parte da paisagem do Rio, assim como o Cristo Redentor que recebe todos de braços abertos.

A cidade dos contrastes luta , por décadas, para se tornar menos desigual, menos feia em sua beleza.

No entanto, a munição pesada contra tudo e contra todos aumenta, a cada dia, a cada ano.

Educação e condições dignas de habitação, que certamente ajudariam a diminuir tamanha desigualdade, são apenas figuras de retórica no discurso das autoridades.

Nos tempos sombrios em que vivemos, investimentos pesados em saneamento básico, educação e saúde, são considerados utopias de grupos saudosos do passado, como gostam de dizer os defensores da "modernidade civilizatória", nos dias atuais representados pelo grupo que está prestes a assaltar a presidência da república através de um golpe organizado e patrocinado por interesses externos.

Os míseros recursos destinados a Educação, a Saúde e ao Saneamento , sofrerão cortes pesados, tal qual a munição que corta o céu da cidade que a todos recebe de braços abertos.

O governo do golpe não é para o povo, pelo povo e com o povo.

O governo do golpe é para uma pequena elite endinheirada, pelo dinheiro e contra a maioria da população, apesar das aparências.

Isso significa mais chumbo, em forma de balas de armas de fogo, em forma de corte nos recursos, em forma de extinção dos direitos de trabalhadores, assalariados, aposentados.

Isso também significa mais desigualdade, mais violência, mais mortes, retrocesso na qualidade de vida de um país que neste século cometeu o "crime" de trilhar o caminho da distribuição de renda e diminuição da pobreza.

A nova novela e a selfie de um gordo tonto

O que está em jogo é a própria ideia de país
22 de agosto de 2016 às 16h03


Truculência

por Eleonora de Lucena, na Folha de S. Paulo, em 22/08/2016

O Brasil entrou no centro da disputa geopolítica mundial. Tem riquezas naturais, mercado interno, posição estratégica. Construiu economia diversificada e complexa, terreno para grandes empresas nacionais e ambiente potencial para desenvolvimento de tecnologias de ponta.

Os Estados Unidos, acostumados a nadar de braçada no continente, começaram a ver o avanço chinês no que consideram seu quintal. Investimentos, comércio, parcerias com os orientais cresceram de forma exponencial.

Não parece ser coincidência a intenção norte-americana de voltar a ter bases militares na América do Sul (na sempre sensível tríplice fronteira e na Patagônia, que vigia o estreito de Magalhães, curva entre dois mundos). Nem parece ser ao acaso a escolha dos alvos do momento: a Petrobras, as grandes empresas e até o programa nuclear.

Nos últimos anos, o país mostrou zelar por sua autonomia e buscou alianças fora da influência dos EUA. Com China, Rússia, Índia e África do Sul, o Brasil ergueu os Brics e um banco de desenvolvimento inovador.

Aqui, reforçou o Mercosul -alvo imediato de ataque feroz do interino, afoito em mostrar serviço para o Norte e ressuscitar relações subalternas.

Esse contexto maior escapa da verborragia conservadora, ansiosa em reduzir a crise atual a um confronto raso entre supostos corruptos e hipotéticos éticos.

Bastaram poucas semanas para deixar evidente a trama hipócrita e podre do bando que tenta abocanhar o poder.

O que está em jogo é muito mais do que uma simples troca de governo. É a própria ideia de país.

Falar de luta de classes e de projeto nacional deixou alguns leitores ouriçados. Mas, apesar da operação de marketing em curso, os objetivos do atropelo à Constituição são claros: concentrar riqueza, liberar mercados, desnacionalizar a economia, desmantelar o Estado.

O discurso dos sem-voto que se aboletaram no Planalto tenta editar um macarthismo tosco, elegendo um inimigo interno. Agridem os de vermelho (sempre eles!), citados como os culpados de todo o mal, numa manobra conhecida dos movimentos fascistas desde o início do século 20.

Quem se atreve a discordar do rolo compressor elitista é logo tachado de “maluco” pelos replicantes da direita raivosa. Dizem que os que apontam as contradições atuais são saudosos do século 19.

Viúvos do século 19 são os que querem agora surrupiar direitos e restabelecer condições de exploração do trabalho daqueles tempos. Com a retórica de uma suposta modernidade, atacam conquistas sociais e pregam o desmonte da corajosa Constituição de 1988.

Alegam que a matemática não permite que o Estado cumpra suas funções perante os cidadãos. Para eles, a matemática deve servir apenas aos mais ricos e a seus juros maravilhosos. Num giro chinfrim, mandam às favas o tal controle do deficit público: gastam tudo para atender corporações, amigos e ganhar votos.

Com uma cortina de fumaça, arriscam confundir esquerda com autoritarismo. Projetam, assim, no adversário, os seus desejos ocultos. Afinal, o programa dos não eleitos só poderá ser implantado integralmente num regime de força, que censure e elimine a voz dos mais fracos.

As exibições de truculência absurda nos estádios da Olimpíada, proibindo manifestações de “Fora, Temer!” e rasgando os direitos constitucionais de livre manifestação e opinião, parecem ser uma terrível amostra de tempos sombrios pela frente.

O Senado vai enfrentar o julgamento da história

Fonte: VIOMUNDO
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Um procurador messiânico e um apresentador de boa fé

Jô, se pessoas, com seu alto nível cultural, não sabem distinguir o que é avanço e o que é regresso de civilização, estamos em maus lençóis.

J. Carlos de Assis


Carta a Jô Soares:

Vi a gravação de sua entrevista com o procurador-chefe da força tarefa da Lava Jato, Dalton Dallagnol. Decidi procurá-la na rede depois que, em entrevista posterior, você apresentou uma carta do advogado de Lula protestando contra o uso de provas ilegítimas em processo penal. Você desqualificou o advogado subscrevendo integralmente os conceitos do procurador, dados na véspera, segundo os quais provas obtidas ilicitamente poderiam ser aceitas no processo desde que produzidas de “boa fé”.

Argumento idêntico já havia sido adotado pelo juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, numa de suas palestras sensacionais. Neste caso, tratava-se de legítima defesa da audácia dado que o magistrado pretendia obviamente legitimar o uso judicial da gravação de Lula com a Presidenta Dilma, que ele liberou para a imprensa ilegalmente, agora incluída no processo de suposta obstrução da justiça. Temos agora três instâncias da legitimação da prova ilícita: o juiz, o procurador e a imprensa, esta representada por você, Jô Soares, em seu candente editorial. Poder-se-ia dizer que isso retrata uma conspiração para a obstrução não da justiça, mas da lei.

Não somos juristas. Sou jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, hoje quase totalmente dedicado à economia política. Você é um dos homens sabidamente mais cultos do país. Entretanto, somos iguais num ponto: pertencemos a um mesmo ambiente histórico cujas raízes estão cravadas no início da era moderna da qual a característica mais marcante, no processo de construção de cidadanias, foi a consagração absoluta dos princípios jurídicos do habeas corpus, da presunção de inocência e do devido processo legal. Era a forma do cidadão escapar do sufocamento do Rei ou do Estado.

Não é difícil identificar no devido processo legal o imperativo inescapável da legalidade da prova. Isso não é Direito. Isso é civilização. O contrário seria deixar ao arbítrio do juiz, e na dependência de sua “boa fé”, aquilo que é a base factual dos julgamentos, ou seja, a prova material inequívoca. O juiz Moro e o procurador Dalton, e agora você, Jô, se tiverem realmente boa fé, devem à sociedade brasileira um esclarecimento franco sobre o que entendem por boa fé, e quem a determina num processo penal.

Sua explicação para acolher o argumento do promotor foi a imensa audiência que seu programa alcançou na data do programa. Trata-se de uma tautologia. Sua audiência lhe devolveu o que você deu a ela. Foram seus conceitos, e os conceitos expostos pelo procurador sem qualquer questionamento de sua parte, que refletiram na plateia e na tevê e lhe voltaram na forma de uma ovação geral. Pusesse você alguém de menos boa fé, que a sua, para entrevistar o procurador, alguém que não fosse dessa grande mídia sórdida, e ele seria massacrado.

Vou lhe dar apenas um exemplo da simplicidade idiota desse procurador de ares messiânicos. Ele disse ter estudado pós-graduação em Harvard e ali aprendeu métodos eficientes de combater a corrupção. Bom, terá ele aprendido em Harvard alguma coisa dos processos movidos, depois da crise de 2008, contra os fraudulentos Bank of America e o Citigroup, os maiores bancos norte-americanos? Acaso foi preso algum dos dirigentes desses maiores bancos americanos pelos golpes dados no mercado de subprime?

Bom, para que esse procurador, ou você mesmo não digam de novo que o escândalo da Petrobrás é o maior do mundo, vou lhe dar alguns dados que a grande imprensa omite: os dois bancos citados, para livrar seus executivos da cadeia, pagaram, cada um, cerca de R$ 70 bilhões, ou um total de R$ 140 bilhões em multas. Não é só isso. Ninguém pagou pela fraude da Libor, administrada pelos 14 maiores bancos do mundo, a despeito de bilhões e bilhões de dólares em prejuízos. Ninguém pagou pelas fraudes do Deutsche Bank e o UBS nos mercados mundiais de câmbio, também representando quantias bilionárias.

Se você me perguntasse se gostaria de ver esses bancos quebrarem da noite para o dia por causa da corrupção eu diria que você está louco. O grau de sofrimento no mundo seria intolerável. Aqui, entretanto, esses promotores messiânicos, movidos sobretudo por vaidade e nenhum escrúpulo social, não tomaram qualquer providência para salvar a parte sadia das empresas de engenharia, com centenas de milhares de empregos, envolvidas no escândalo. Ao contrário, embaraçaram como puderam os acordos de leniência. Que fizessem o que os americanos fazem: punam os executivos e salvem as empresas. De fato, eles salvam as empresas e sequer punem os executivos, que se safam com multas.

Seu procurador, Jô, não passa de um vaidoso. Ele se vê em vestes messiânicas para salvar o Brasil da corrupção. Sua entrevista é do tipo que agrada, pois ele se coloca na situação de um puro, um justo, um incorruptível e, sobretudo, como alguém que está sempre e absolutamente certo, combatendo os absolutamente maus com perfeita maestria. Você se revelou surpreendido com a audiência. Você se surpreenderia também, se estivesse lá, com Hitlter e Mussolni, ambos anunciando a grande solução para a Alemanha e Itália. Não passavam, como seu procurador messiânico, de demagogos ingênuos, talvez demagogos de boa fé.

Talvez as partes mais extraordinárias da entrevista, você se deve lembrar, foram aquelas em que o procurador se descreveu como alguém que não tem poder econômico ou poder político, e justamente por isso a forma que encontrou para avançar nas investigações foi uma aliança com a imprensa. Você percebeu o que isso significa? Fora nas ditaduras, onde no mundo o processo judicial se inicia com uma aliança entre a promotoria e a imprensa? É justamente isso que nos leva à investigação-espetáculo, em muitos casos configurando a mais abjeta violação de direitos humanos. É esta aliança a matriz da exibição pública de simples suspeitos, destruindo injustamente reputações, assim como a escolha “científica e democrática” entre as grandes mídias dos documentos e depoimentos que serão vazados, a isso se chamando liberdade de imprensa.

Jô, se pessoas, com seu alto nível cultural, não sabem distinguir o que é avanço e o que é regresso de civilização, estamos em maus lençóis. Vivemos uma situação mundial de crise aguda, com guerras em andamento, fricções entre grandes potências, dramas de refugiados. No nosso caso, vivemos um quadro legislativo podre, uma presidência ilegítima e virtual ditadura judicial que ignora o sistema econômico combalido – 8% de contração em dois anos, 13% de taxa média de desemprego -, e até mesmo o avanço sobre o pré-sal pondo em risco a nossa própria soberania. Sabe-se como começam as revoluções. Nunca como terminam. Para que ninguém se sinta impune ao abusar de autoridade, lembrem-se da experiência turca recente: em face de um golpe judicial instigado pelos americanos, promoveu-se um contragolpe que acabou com mais de 2 mil juízes e promotores na cadeia, sob risco de pena de morte por alta traição.

*Jornalista, economista, professor, doutor em Engenharia de Produção, autor de mais de 20 livros sobre economia política brasileira.

Fonte: CARTA MAIOR
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Fonte: Blog da Luciana Oliveira
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Os jornais são aparelhos ideológicos cuja função é transformar uma verdade de classe num senso comum, assimilado pelas demais classes como verdade coletiva. Isto é, exerce o papel cultural de propagador de ideologia. Ela embute uma ética, mas a ética não é inocente: ela é uma ética de classe.” - Antonio Gramsci


De fato, o que está em jogo é um projeto-ideia de país.
O mesmo projeto-ideia que tem sido derrotado nas urnas, desde 2002, em eleições livres e democráticas.

Pelo voto livre, esse projeto anacrônico não passou, não passa, não passará. Cabe lembrar que até mesmo o FMI o considera anacrônico.

Como não passa pelos caminhos democráticos, a turma jurássica do golpe tenta empurrar pelos caminhos autoritários, truculentos, fascistas.

E para empurrar se faz necessário a construção de uma narrativa que convença a maioria da população, principalmente grande parte da classe média, tradicionalmente inculta, desinformada e preconceituosa.

A essência da narrativa construída, e ainda disseminada pelos meios de comunicação, tem na corrupção governamental e no desprezo pela política e políticos, os elementos de formatação das consciências. Agregado a esses elementos, também são disseminados conceitos de classe, de forma a incutir na parcela desejada da população a ideia de que representantes do povo no Poder denigrem a imagem do país e rebaixam o status de grande parcela da classe média ao redistribuir a renda e diminuir a pobreza e a miséria.


Despertar demônios, através da difusão de preconceitos, tem sido o trabalho da grande mídia nos tempos atuais, não apenas no Brasil como em todo o ocidente. Isso se explica, em parte, pelo fato do projeto-ideia em questão atingir um nível alto de rejeição em todo o mundo. Mais do que um posicionamento à extrema direita, esse projeto-ideia é uma aberração civilizatória que, comprovadamente, vem causando estragos e retrocessos em todo o mundo.

O Brasil atual, o país do golpe, com o apoio inestimável de uma parcela da classe média alienado-midiática, mergulha em turvas águas do século XIX, registrando narcisicamente, diariamente e obsessivamente, o próprio retrocesso.

A evolução da humanidade necessita, com urgência, acompanhar a evolução tecnológica, pois do contrário, teremos, como já presenciamos, uma legião de macacos brincando com aparelhinhos luminosos e coloridos.

É bom que se diga que a grande imprensa ocidental, deixou, já por mais de uma década passada, de cumprir o papel de informar para assumir o papel de guardião do projeto-ideia, enquanto a grande mídia promove a alienação da sociedade através de um entretenimento rasteiro e visual que visa interditar qualquer tipo de pensamento crítico e analítico.

E assim, multidões caminham pela ruas defendendo mudanças, impeachment, que quando consolidados, irão destroçar as vidas dessas mesmas pessoas que tanto defendiam as mudanças.

No entanto, nem tudo está perdido, já  que está chegando uma nova novela na TV Globo e em breve mais uma edição do big brother brasil, agora sem o bobalhão do Pedro Bial.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Uma alternativa ao EUA

Uma alternativa ao poder imperial dos EUA?

Putin e Rouhani, presidentes da Rússia e Irã: há semanas, pela primeira vez desde Revolução Islâmica, Irã autorizou outra nação a usar seu território para operação militar
Putin e Rouhani, presidentes da Rússia e Irã: há semanas, pela primeira vez desde Revolução Islâmica, Irã autorizou outra nação a usar seu território para operação militar
Rússia e Irã advertem – agora com apoio da China: não permitirão que potências ocidentais reduzam Síria a uma Líbia. Qual o significado, para a geopolítica global?
Por Pepe Escobar
Os bombardeiros russos Tu-22M3 Backfire – além dos jatos Sukhoi-34 – decolam do campo de pouso iraniano em Hamadan para bombardearjihadistas e sortimento variado de “rebeldes moderados” na Síria, e imediatamente nos vemos diante de movimento geopolítico da mais alta importância, não previsto, que muda tudo.
Os registros mostram que a última vez que a Rússia esteve militarmente presente no Irã aconteceu em 1946; e essa é a primeira vez, desde a Revolução Islâmica de 1979, que o Irã autoriza outra nação a usar território iraniano para operação militar.
Pode-se apostar que o Pentágono enlouquecerá completamente, feito gangue de adolescentes mimados furiosos. Já começou, com reclamações de que o aviso que os russos distribuíram não permitiu tempo suficiente para “preparação” – quer dizer, para se porem a bradar por todo o planeta que teria acontecido mais um episódio da “agressão russa”, e, para piorar, em conluio com “os mulás”. Na sequência, ainda mais desespero, com Washington a pretender que o Irã teria violado resoluções do Conselho de Segurança da ONU.
O trabalho e a divulgação feitos por Moscou, por sua vez, foi uma beleza; trata-se exclusivamente de logística e de reduzir despesas. O almirante Vladimir Komoyedov, presidente da Comissão de Defesa do Parlamento e ex-comandante da Frota do Mar Negro, explicou belamente o modus operandi:
“É muito caro e exige muito tempo voar a partir de bases localizadas na parte europeia da Rússia. A questão do custo de atividades militares de combate é, atualmente, alta prioridade. Não podemos ultrapassar o orçamento atual do Ministério da Defesa. Voar Tu-22s a partir do Irã significa menos combustível e maior capacidade para carga (…) A Rússia não poderia encontrar país mais adequado e mais solidário, do ponto de vista da segurança, nessa parte do mundo; e podemos realizar todos os ataques necessários para pôr fim a essa guerra (…) Campos de pouso na Síria não são adequados, porque essa localização exigiria sobrevoo em áreas onde há atividade de combate.”
Não se metam com a Organização de Cooperação de Xangai (OCX)
Assim sendo, tudo ótimo. O Pentágono continuará a espernear. Sionistas enfurecidos em Israel e wahhabistas fanáticos na Arábia Saudita farão muito barulho e turbinarão até níveis apocalípticos a proverbial “ameaça existencial” que lhes viria do Irã. Esses “fatos nos céus” não podem ser alterados. Especialmente porque, se abrirem caminho para uma vitória decisiva na batalha por Aleppo Leste, a guerra civil – imposta de fora para dentro aos sírios – logo estará acabada.
Ali Shamkhani, presidente do Conselho de Segurança Nacional do Irãabsolutamente não se engana ao dizer que tudo aí tem a ver com cooperação estratégica Irã-Rússia, numa luta – real – contra o terror deISIS/ISIL/Daech terror, e não, como a mídia-empresa ocidental não se cansa de repetir, com alguma volta do Irã como “agente militar” de uma grande potência.
O primeiro-ministro iraquiano, por sua vez, fez questão de esclarecerque “Autorizei o sobrevoo dos bombardeiros porque recebemos informação clara sobre eles. Fazem ataques precisos, evitam baixas entre os civis. Pode-se ter certeza de que está assegurada a segurança dos civis na Síria“.
Foi a senha para que Bagdá liberasse sem sobressaltos o acesso dos bombardeiros TU-22M3s russos ao espaço aéreo iraquiano. Passo seguinte inevitável será a frota russa no Cáspio disparar mísseis cruzadores que atravessarão espaço aéreo iraniano e iraquiano, para alcançar os tais “rebeldes” que a av. Beltway em Washington protege na Síria.
E há muito mais.
Um acordo de 2015 firmado entre Moscou e Damasco acaba de ser ratificado agora pela Rússia. Graças a ele, a base aérea russa em Khmeimim é convertida em base militar permanente no leste do Mediterrâneo.[1]
Pequim e Damasco, por sua vez, acabam de firmar laços militares mais próximos, a partir da ajuda humanitária que os chineses oferecem. E o pessoal do Exército Árabe Sírio receberá eventualmente instrutores militares chineses.
Pequim está agora diretamente envolvida na Síria por uma razão chave de segurança nacional: centenas de uigures uniram-se aos terroristas do Daech ou se alistaram nas fileiras de Abu Muhammad al-Julani, comandante da al-Qaeda, e muito prestigiado em Washington como líder do Exército da Conquista da Síria; esses uigures sempre podem voltar a Xinjiang como jihadistas.
Há ainda uma deliciosa cereja para esse cheesecake, como o professor de Estudos do Oriente Médio na Universidade de Estudos Internacionais de Xangai, Zhao Weiming, disse ao Global Times: essa nova jogada de poder de Pequim na Síria é o revide, contra a interferência do Pentágono no Mar do Sul da China.
Assim sendo… o que fará Hillary?
Tudo que acima se lê aponta para nova evidência de que, o que antes foi um elefante branco no meio da sala, a Organização de Cooperação de Xangai (OCX), passa agora a significar assunto sério.
Quando os “4+1″ (Rússia, Irã, Iraque, Síria, plus Hezbollah) começaram a partilhar inteligência e procedimentos operacionais, ano passado, incluindo um centro de coordenação em Bagdá, analistas como Alistair Cooke e eu vimos naquela ação um embrião do que seria a OCX em ação. Foi, sem dúvida, já desde o início, uma alternativa ao imperialismo “humanitário” e à obsessão com mudança de regime, da OTAN. Pela primeira vez a OTAN já não andava solta e livre pelo mundo, feito um Robocop descontrolado.
Embora só Rússia e China fossem membros da OCX, com o Irã como observador, a cooperação envolvida – a pedido de um governo que lutava contra jihadistas e continuava como alvo de ataque para mudança de regime – já marcou um importante novo fator geopolítico em campo.
Agora, essa variante das Novas Rotas da Seda – Novas Rotas Aéreas da Seda? – que reúne Rússia, Irã, Iraque e Síria contra, precisamente, o salafismo-jihadismo, aparece como, mais uma vez, ação acelerada de integração na Eurásia. Os dois pesos-pesados da OCX, China e Rússia, não apenas admitirão o Irã como membro pleno, logo no início de 2017; ambos contam com o Irã como ativo estratégico chave numa batalha contra a OTAN, e absolutamente não permitirão que a Síria seja convertida numa nova Líbia. Paralelamente, os movimentos estratégicos da Rússia na Crimeia e na Síria passam a ser objeto de análise, até os mais ínfimos detalhes, nas academias militares chinesas.
Progressivamente, a integração da Eurásia vai-se entretecendo com a OCX.
Sejam quais forem os temores de Telavive e Riad – com seus massivoslobbies em Washington – sobre essa cooperação russo-iraniana de segurança, é a OTAN quem está lívida. E ainda mais lívida que a OTAN está Hillary “Rainha da Guerra” Clinton.
Os registros mostram que Hillary manifesta acentuada queda para tentar despachar Assad como despacharam Gaddafi. No caso de governo Hillary, pode-se apostar que ela forçará o Pentágono a impor uma zona aérea de exclusão no norte da Síria e a armar quaisquer remanescentes, por misturados que sejam, dos tais “rebeldes”, até o Juízo Final.
E há também o Irã. Na campanha eleitoral de 2008 nos EUA, assisti da plateia ao discurso que Hillary fez na Conferência do AIPAC em Washington, espetáculo realmente aterrorizante. Partindo da premissa – falsa – de que o Irã atacaria Israel, disse ela: “Quero que os iranianos saibam que, se eu for presidenta, atacaremos o Irã. Nos próximos dez anos, durante os quais podem considerar a loucura de atacarem Israel, seremos capazes de contê-los totalmente.”
Ah, é?! É mesmo?! E passará por cima da cooperação estratégica Rússia-Irã? E passará por cima de uma Organização de Cooperação de Xangai cada vez mais integrada? É? Então venha, Rainha da Guerra.
[1] Parece que esse detalhe está mais claramente explicado em “Eixo Teerã-Pequim-Moscou muda tudo”, 21/8/2016, Ruslan Ostashko,PolitRussa (trad. ru-ing. J. Arnoldski) Fort Russ News, traduzido noBlog do Alok [NTs].
Fonte: OUTRAS PALAVRAS
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