sexta-feira, 24 de junho de 2016

Desordem neoliberal

  1. Desordem neoliberal deixa planeta à deriva. G-7 cogita intervenção cambial coordenada para conter 'movimento desorganizado'. Dá-lhes, Keynes

    Mundo regurgita, cospe e vomita a gosma tóxica de 30 anos de neoliberalismo; aqui o golpe quer resgatar a dieta a ferro e fogo.Pobre Brasil

    Provavelmente o movimento que está acontecendo hoje em vários países terá a mesma importância para o futuro do que a década de 80.

    Não são movimentos locais, são embates globais que acontecem em cada país com uma configuração diferente. O momento é de atenção e luta!
  2. Fonte: CARTA  MAIOR
  3. ______________________________


Desordem mundial. De res publica para res mercatori

Dowbor: como as corporações cercam a democracia

160623-Democracia4
Radiografia de um sequestro: banqueiros e megaempresários colonizam os partidos, compram acordos no Judiciário, comandam mídia e extraem dinheiro dos Tesouros. Haverá saída?
Por Ladislau Dowbor
“A política mudou de lugar: a globalização desafia radicalmente
os quadros de referência da política, como prática e teoria”
Octávio Ianni [2]
“Capture is more subtle and no longer requires a transfer of funds,
since the politician, academic or regulator has started to believe
that the world works in the way that bankers say it does”
Joris Luyendijk [3]

Olhar o século 21 pelas lentes do século passado não ajuda. Quando pensamos o mundo da economia, pensamos ainda em interesses econômicos e mecanismos de mercado. A política, o poder formal, os impostos, o setor público em geral representariam outra dimensão. Não é nova a ruptura destas fronteiras, a penetração dos interesses de grupos econômicos privados na esfera pública. O que é novo, é a escala, a profundidade e o grau de organização do processo. O que já foram deformações fragmentadas, penetrações pontuais através de lobbies, de corrupção e de “portas-giratórias” entre o setor privado e o setor público se avolumaram, e por osmose estão se transformando em poder político articulado em que o interesse público é que aflora apenas por momentos e segundo esforços prodigiosos de manifestações populares, de frágeis artigos na mídia alternativa, de um ou outro político independente. O poder corporativo tornou-se sistêmico, capturando uma a uma as diversas dimensões de expressão e exercício de poder, e gerando uma nova dinâmica, ou uma nova arquitetura do poder realmente existente.
Uma forma é a própria expansão dos tradicionais lobbies. A Google, por exemplo, tem hoje oito empresas de lobby contratadas apenas na Europa, além de financiamento direto de parlamentares e de membros da Comissão Europeia. É provável que tenha de pagar 6 bilhões de euros por ilegalidades cometidas no Velho Continente. Os gastos da Google nesta área já se aproximam dos da Microsoft. A Google mobilizou congressistas americanos para pressionarem a Comissão: “O esforço coordenado por senadores e membros do Congresso, bem como de um comité de congressistas, fez parte de um esforço sofisticado, com muitos milhões de libras em Bruxelas, com que a Google montou a ofensiva para travar as resistências à sua dominação na Europa.” [4]
Enquanto os lobbies ainda podem ser apresentados como formas externas de pressão, muito mais importante é o financiamento direto de campanhas políticas, através de partidos ou investindo diretamente nos candidatos. No Brasil lei promulgada em 1997 autorizou as empresas a financiar candidatos, com impactos desastrosos em particular no comportamento de parlamentares, que passaram a formar bancadas corporativas. Em 2010, os Estados Unidos seguiram o mesmo caminho, levando a que hoje os americanos comentem que “temos o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar”. No Brasil finalmente o STF decretou a ilegalidade da prática, a valer a partir das próximas eleições. Mas em 2016 ainda temos uma bancada ruralista, além da grande mídia, das empreiteiras, dos bancos, das montadoras, e contam-se nos dedos os representantes do cidadão. O truncamento do Código Florestal e consequente retomada da destruição da Amazônia, o bloqueio da taxação de transações financeiras e tantas outras medidas, ou ausência de medidas como é o caso da tributação sobre fortunas ou capital improdutivo, resultam desta nova relação de forças que um Congresso literalmente comprado permite.
A captura da área jurídica adquiriu imensa importância, e se dá por várias formas. Foi notória a tentativa dos grandes bancos brasileiros, por meio de financiamentos de diversos tipos, de colocar as atividades financeiras fora do alcance do Procon e de outras instâncias de defesa do consumidor. Nos Estados Unidos, um juiz de uma comarca decide colocar a Argentina na ilegalidade no quadro dos chamados “fundos abutres”, pondo-se claramente a serviço da legalização da especulação financeira internacional, e acima da legislação de outro país.
Uma forma particularmente perniciosa de captura do judiciário deu-se por meio dos acordos ditos “settlements” , pelos quais as corporações pagam uma multa mas não precisam reconhecer a culpa, evitando assim que os administradores sejam criminalmente responsabilizados. Assim, os administradores corporativos e financiadores ficam tranquilos em termos de eventuais condenações. Joseph Stiglitz comenta: “Temos notado repetidas vezes que nenhum dos responsáveis encarregados dos grandes bancos que levaram o mundo à beira da ruína foi considerado responsável (accountable) por seus malfeitos. Como pode ser que ninguém seja responsável? Especialmente quando houve malfeitos da magnitude dos que ocorreram nos anos recentes?” [5] Elizabeth Warren, senadora americana, traz no seu curto estudo uma excelente descrição dos mecanismos, com nomes das empresas. [6]
A GSK, por exemplo, um gigante da área farmacêutica, fez um acordo com a justiça norte-americana para compensar fraude generalizada com três tipos de medicamentos, pagando 3 bilhões de dólares. A notícia da condenação por fraude que atingiu milhões de pacientes não causou prejuízo significativo à empresa, cujas ações subiram ao se constatar que tinha lucrado com a fraude mais do que o valor da multa. Os aplicadores financeiros consideraram que o seu dinheiro fora bem defendido. Esta desresponsabilização é hoje generalizada, abrindo uma porta paralela de financiamento de governos graças às ilegalidades. Para dar alguns exemplos, o Deutsche Bank está pagando uma multa de 2,6 bilhões de dólares em 2015; o Crédit Suisse está pagando 2,5 bilhões por condenação em 2014 e assim por diante, envolvendo todos os gigantes corporativos. Um exercício de sistematização da criminalidade financeira pode ser encontrado no site Corporate Research Project, que apresenta as condenações e acordos agrupados por empresa. George Monbiot chama isto de “um sistema privatizado de justiça para as corporações globais” e considera que “a democracia é impossível nestas circunstâncias”.[7] (252)
Hoje as corporações dispõem do seu próprio aparato jurídico, como o International Centre for the Settlement of Investment Disputes (ICSID) e instituições semelhantes em Londres, Paris, Hong Kong e outros. Tipicamente, irão atacar um país se este impuser regras ambientais ou sociais que o mundo corporativo julga desfavoráveis, e processá-lo por lucros que poderiam ter tido. A disputa jurídica constitui uma dimensão essencial dos tratados TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership), na esfera do Atlântico, e TPP (Trans-Pacific Partnership) na esfera do Pacífico. Tais acordos amarram um conjunto de países com regras internacionais em que os Estados nacionais perderão a capacidade de regular questões ambientais, sociais e econômicas, e muito particularmente, as próprias corporações. Pelo contrário, serão as próprias corporações a impor-lhes — e a nós todos — as suas leis. Nas palavras de Luís Parada, um advogado de governos em litígio com grupos mundiais privados, “a questão finalmente é de saber se um investidor estrangeiro pode forçar um governo a mudar as suas leis para agradar ao investidor, em vez de o investidor se adequar às leis que existem no país.” [8]
Outro eixo poderoso de captura do espaço político se dá através do controle organizado da informação, construindo uma fábrica de consensos onde Noam Chomsky nos deu análises preciosas.[9] O alcance planetário dos meios de comunicação de massa, e a expansão de gigantes corporativos de produção de consensos permitiram que se atrasasse em décadas a compreensão popular do vínculo entre o fumo e o câncer; que se bloqueasse nos Estados Unidos a expansão do sistema público de saúde; que se vendesse ao mundo a guerra pelo controle do petróleo como uma luta para libertar a população iraquiana da ditadura e para proteger o mundo de armas de destruição em massa. A escala das mistificações é impressionante.
Ofensiva semelhante em escala mundial, e em particular nos EUA, foi organizada para vender ao mundo não a ausência da mudança climática – os dados são demasiado fortes – mas a suposição de que “há controvérsias”, adiando ou travando a inevitável mudança da matriz energética. James Hoggan realizou uma pesquisa interessante sobre como funciona esta indústria. A articulação é poderosa, envolvendo os think tanks, instituições conservadoras como o George C. Marshall Institute, o American Enterprise Institute (AEI), o Information Council for Environment (ICE), o Fraser Institute, o Competitive Enterprise Institute (CEI), o Heartland Institute, e evidentemente o American Petroleum Institute (API) e o American Coalition for Clean Coal Electricity (ACCCE), além do Hawthorne Group e tantos outros. A ExxonMobil e a Koch Industries são poderosos financiadores, esta última aliás grande articuladora do Tea Party e da candidatura Trump. Sempre petróleo, carvão, produtores de carros e de armas, muitos republicanos e a direita religiosa.[10]
Campanhas deste gênero são veiculadas por gigantes da mídia. No Brasil, 97% dos domicílios têm televisão, que ocupa três a quatro horas do nosso dia, e que está presente nas salas de espera, nos meios de transporte, incessante bombardeio que parte de alguns poucos grupos. No nível mundial, Rupert Murdoch assume tranquilamente ser o responsável pela ascensão e suporte a Margareth Thatcher, financiou um sistema de escutas telefônicas em grande escala na Grã-Bretanha, sustenta um clima de ódio de direita através da Fox, sem receber mais que um tapinha na mão quando se revelam as ilegalidades que pratica. No Brasil, com o controle da nossa visão de mundo por quatro grupos privados – os Marinho, Civita, Frias e Mesquita – o próprio conceito de imprensa livre se torna surrealista, e os impactos na Argentina, no Chile, na Venezuela e outros países são impressionantes em termos de promoção das visões mais retrógradas e de geração de clima de ódio social.
A vinculação da dimensão midiática do poder com o sistema corporativo mundial é em grande parte indireta, mas muito importante. As campanhas de publicidade veiculadas promovem incessantemente comportamentos e atitudes, centrados no consumismo obsessivo dos produtos das grandes corporações. Isto amarra a mídia de duas formas: primeiro, porque pode dar más notícias sobre o governo, mas nunca sobre as empresas, mesmo quando entopem os alimentos de agrotóxicos, deturpam a função dos medicamentos ou nos vendem produtos associados com a destruição de biomas como a floresta amazônica. Segundo, como a publicidade é remunerada em função de pontos de audiência, a apresentação de um mundo cor de rosa de um lado, e de crimes e perseguições policiais de outro, tudo para atrair a atenção pontual e fragmentada, torna-se essencial, criando uma população desinformada ou assustada, mas sobretudo obcecada com o consumo, o que remunera com nosso dinheiro as corporações que financiam estes programas. O círculo se fecha, e o resultado é uma sociedade desinformada e consumista. A publicidade, o tipo de programas e de informação, o consumismo e o interesse das corporações passam a formar um universo articulado e coerente, ainda que desastroso em termos de funcionamento democrático da sociedade.[11] (217)
Além dos think tanks e do controle da mídia, o controle das próprias visões acadêmicas avançou radicalmente nas últimas décadas, por meio dos financiamentos corporativos diretos, e em particular pelo controle das publicações científicas. Em muitos países, e particularmente no Brasil, as universidades privadas passaram a ser propriedade de grupos transnacionais que trazem a visão corporativa no seu bojo. A dinâmica é particularmente sensível nos estudos de economia. Helena Ribeiro traz um exemplo desta deformação profunda do ensino na universidade Notre Dame de Nova York. “Dado que corria o ano de 2009 e o mundo financeiro entrava em colapso aos olhos de todos, os alunos pensaram que seria um excelente tema para debater na aula de macroeconomia. A resposta do professor: “Os estudantes foram laconicamente informados que o tema não constava do conteúdo programático da disciplina, nem era mencionado na bibliografia afixada e que, por isso, o professor não pretendia divergir da lição que estava planejada. E foi o que fez”. O artigo de Ribeiro mostra as dimensões desta deformação, mas também os protestos dos alunos e a multiplicação de centros alternativos de pesquisa econômica, como o New Economics Foundation, a Young Economists Network, o Institute of New Economics Thinking e numerosas outras instituições.[12]
Menos percebido, mas igualmente importante, é a oligopolização do controle das publicações científicas no mundo. Segundo estudo canadense, “nas disciplinas das ciências sociais, que incluem especialidades tais como sociologia, economia, antropologia, ciências políticas e estudos urbanos, o processo é impressionante: enquanto os cinco maiores editores eram responsáveis por 15% dos artigos em 1995, este valor atingiu 66% em 2013”. Temos aqui o domínio impressionante de Reed-Elsevier (hoje boicotado por mais de 15 mil cientistas americanos), Springer, Wiley-Blackwell, e poucos mais. (Larivière, 2015)[13]
A este conjunto de mecanismos de captura do poder temos de acrescentar a erosão radical da privacidade nas últimas décadas. Hoje o sangue da nossa vida trafega em meios magnéticos, deixando rastros de tudo que compramos ou lemos, da rede dos nossos amigos, os medicamentos que tomamos, o nosso nível de endividamento. As empresas têm acesso à gravidez de uma funcionária, através da compra de informações dos laboratórios. A defesa dos grandes grupos de informação sobre as pessoas é de que se trata de informações “anonimizadas”, mas a realidade é que os cruzamentos dos rastros eletrônicos permitem individualizar perfeitamente as pessoas, influindo em potencial perseguição política ou dificuldades no emprego. Mas o acesso às informações confidenciais das empresas também fragiliza radicalmente grupos econômicos menores frente aos gigantes, que podem ter acesso às comunicações internas. Não se trata apenas de alto nível de espionagem, como se viu na gravação de conversas de Dilma Roussef e Angela Merkel. Trata-se de todos nós, e com o apoio de um sistema mundial de captura e tratamento de informações do porte da NSA. O Big Brother is Watching You deixou de ser apenas literatura.[14]
A expansão dos lobbies, a compra dos políticos, a invasão do judiciário, o controle dos sistemas de informação da sociedade, a manipulação do ensino acadêmico e a invasão da privacidade representam alguns dos instrumentos mais importantes da captura do poder político geral pelas grandes corporações. Mas o conjunto destes instrumentos leva, em última instância, a um mecanismo mais poderoso que os articula e lhe confere caráter sistêmico: a apropriação dos próprios resultados da atividade econômica, por meio do controle financeiro em pouquíssimas mãos.
Vejamos agora um pouco o que são estas grandes corporações. É surpreendente, mas até 2012 não tínhamos nenhum estudo global de como funciona a rede mundial de controle corporativo. O Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica, um tipo de MIT da Europa, selecionou 43 mil grupos mundiais mais importantes e estudou em profundidade como se dá, através de participações cruzadas e de fusões interempresariais, o controle do conjunto. Chegou a uma cifra impressionante que mudou a visão que temos do sistema econômico mundial: 737 grupos apenas controlam 80% do mundo corporativo, sendo que nestes um núcleo de 147 controla 40%. Estes últimos gigantes são essencialmente (75%) grupos financeiros. Ou seja, não precisam controlar diretamente o processo decisório, seguram o sistema, digamos assim, pelas partes delicadas, que é o acesso aos recursos. Um grupo tão limitado não precisa fazer conspirações misteriosas, são pessoas que se conhecem no campo de golfe ou no Open de Tênis da Austrália, se ajeitam confortavelmente entre si. Os autores da pesquisa concluem claramente que falar em mecanismos de mercado neste clube restrito não faz muito sentido.[15]
François Morin, assessor do banco central da França, concentra a sua análise na forma como os 28 maiores gigantes financeiros se articulam. Na análise estão todos: JPMorgan Chase, Bank of America, Citigroup, HSBC, Deutsche Bank, Santander, Goldman Sachs e outros, com um balanço de mais de 50 trilhões de dólares em 2012, quando o PIB mundial foi de 73 trilhões. A relação com os Estados é particularmente interessante, pois a dívida pública mundial, de 49 trilhões, está no mesmo nível que o faturamento dos 28 grupos financeiros que Morin analisa, também da ordem de 50 trilhões. Os Estados, fruto do endividamento público com gigantes privados, viraram reféns e tornaram-se incapazes de regular este sistema financeiro em favor dos interesses da sociedade. “Face aos Estados fragilizados pelo endividamento, o poder dos grandes atores bancários privados parece escandaloso, em particular se pensarmos que estes últimos estão, no essencial, na origem da crise financeira, logo de uma boa parte do excessivo endividamento atual dos Estados”. (Morin, 36)[16]
O poder político apropriado pelo mecanismo da dívida constitui uma parte muito importante do mecanismo geral. Os grandes grupos financeiros têm suficiente poder para impor a nomeação dos responsáveis em postos chave como os bancos centrais ou os ministérios da fazenda, ou ainda nas comissões parlamentares correspondentes, com pessoas da sua própria esfera, transformando pressão externa em poder estrutural internalizado. A política sugerida aos governos é de que é menos impopular endividar o governo do que cobrar impostos. “Estas instituições financeiras são as donas da dívida do governo, o que lhes confere poder ainda maior de alavancagem sobre as políticas e prioridades dos governos. Exercendo este poder, elas tipicamente demandam a mesma coisa: medidas de austeridade e ‘reformas estruturais’ destinadas a favorecer uma economia de mercado neoliberal que em última instância beneficia estes mesmos bancos e corporações”. É a armadilha da dívida. (Marshall)[17]
Os 28 controlam igualmente os chamados derivativos, essencialmente especulação com variações de mercados futuros: o volume atingido em 2015 é de mais de 600 trilhões de dólares, 8 vezes o PIB mundial. Se pensarmos que tantos países aceitaram de reduzir os investimentos públicos e as políticas sociais — inclusive o Brasil –, para satisfazer este pequeno mundo financeiro, não há como não ver a dimensão política que o sistema assumiu. Os grandes traders de commodities controlam nada menos que o comércio dos grãos (milho, trigo, arroz, soja), os minerais metálicos, os minerais não metálicos e os recursos energéticos, ou seja, o sangue da economia mundial. As gigantescas variações dos preços do petróleo, por exemplo, não resultam de variações da produção ou do consumo, muito estáveis na escala planetária, mas dos processos especulativos dos gigantes financeiros.[18]
O sistema é hoje articulado. Um aporte particularmente forte de François Morin é a análise de como este grupo de bancos foram se dotando, a partir de 1995, de instrumentos de articulação, a GFMA (Global Financial Markets Association), o IIF (Institute of International Finance), a ISDA (International Swaps and Derivatives Association), a AFME (Association for Financial Markets in Europe) e o CLS Bank (Continuous Linked Settlement System Bank). Morin apresenta em tabelas como os maiores bancos se distribuem nestas instituições. O IIF, por exemplo, “verdadeira cabeça pensante da finança globalizada e dos maiores bancos internacionais”, constitui hoje um poder político assumido: “O presidente do IIF tem um status oficial, reconhecido, que o habilita a falar em nome dos grandes bancos. Poderíamos dizer que o IIF é o parlamento dos bancos, seu presidente tem quase o papel de chefe de estado. Ele faz parte dos grandes tomadores de decisão mundiais”. (Morin, 61)
Um instrumento particularmente importante deste poder reside no uso dos paraísos fiscais, que a partir da crise de 2008 foram suficientemente estudados para que tenhamos hoje os contornos do seu funcionamento. Basicamente, para um PIB mundial da ordem de 73 trilhões de dólares em 2012, o estoque de recursos financeiros em paraísos fiscais situou-se entre 21 e 32 trilhões de dólares segundo a Tax Justice Network, cifra que a revista Economist arredonda para 20 trilhões.[19] Para se ter uma ideia dos valores, a grande decisão da cúpula mundial sobre o clima, em Paris em 2015, foi de alocar até, 2020, 100 bilhões de dólares anuais para salvar o planeta do aquecimento global: duzentas vezes menos do que está aplicado em paraísos fiscais, capital improdutivo e em grande parte ilegal. Os arquivos do Panamá abrem apenas uma janela do processo, mas mostram como dezenas de milhares de corporações fictícias geraram o caos financeiro atual. [20]O caos no sistema financeiro do Brasil é apenas um fragmento deste processo mundial.[21]
Estes recursos são hoje vitalmente necessários para financiar a reconversão tecnológica que nos permita de parar de destruir o planeta e para assegurar a inclusão produtiva de bilhões de marginalizados, reduzindo desigualdade que atingiu níveis explosivos. Com o grau presente de captura do processo decisório sobre a alocação de recursos, privou-se os Estados de qualquer controle: praticamente todas as grandes corporações têm filiais ou empresas “laranja” nos paraísos fiscais, onde o dinheiro simplesmente desaparece em termos formais, para reaparecer com nomes de outras empresas, gerando um espaço “branco” onde o seguimento do fluxo financeiro se interrompe, permitindo toda classe de ilegalidades, e em particular a evasão fiscal e inúmeras atividades ilegais como o comércio de armas e drogas.[22]
Com o poder hoje muito mais na mão dos gigantes financeiros do que das empresas produtoras de bens e serviços, estas últimas passaram a se submeter a exigências de rentabilidade financeira que impossibilitam iniciativas, no nível dos técnicos que conhecem os processos produtivos da economia real, de preservar um mínimo de decência profissional e de ética corporativa. Temos assim um caos em termos de discrepância com os interesses de desenvolvimento econômico e social, mas um caos muito direcionado e lógico quando se trata de assegurar um fluxo maior de recursos financeiros para o topo da hierarquia. A sua competição caótica pode levar a crises sistêmicas, mas quando se trata de travar iniciativas de controle ou regulação estas corporações reagem de forma unida e organizada.
De que dimensões estamos falando? As corporações financeiras classificadas no SIFI (Systemically Important Financial Institutions) trabalham cada uma com um capital consolidado médio (consolidated assets) da ordem de $1.82 trilhões para os bancos e $0,61 trilhões para as seguradoras analisadas. Para efeitos de comparação lembremos que o PIB do Brasil, 7ª potência mundial, é da ordem de $1,4 trilhões. Mais explícito ainda é lembrar que de acordo com os dados de Jens Martens, o sistema das Nações Unidas dispõe de 40 bilhões dólares anuais para o conjunto das suas atividades, o que por sua vez representa apenas 2,3% das despesas militares mundiais.[23]
Frente ao poder global das corporações, não temos instrumentos públicos correspondentes. Pelo contrário: está sendo documentada a captura do processo decisório da ONU pelos grupos mesmos corporativos. Estudo do Global Policy Forum foca diretamente o fato dos interesses corporativos terem adquirido uma influência desproporcional sobre as instituições que redigem as regras globais. O documento apresenta “a crescente influência do setor empresarial sobre o discurso político e a agenda”, questionando “se as iniciativas de parcerias permitem que o setor corporativo e os seus grupos de interesse exerçam uma influência crescente sobre a definição da agenda e o processo decisório político dos governos”. Segundo Leonardo Bissio, “este livro mostra como Big Tobacco, Big Soda, Big Pharma e Big Alcohol terminam prevalecendo, e como a filantropia e as parcerias público-privadas deformam a agenda internacional sem supervisão dos governos, mas também descreve claramente as formas práticas para preveni-lo e para recuperar um multilateralismo baseado em cidadãos”. (Martens, 1 e 9)
Em termos de mecanismos econômicos, é central na fase atual a apropriação da mais-valia já não tanto nas unidades empresariais que pagam mal os seus trabalhadores, mas crescentemente através de sistemas financeiros que se apropriam do direito sobre o produto social através do endividamento público e privado. Esta forma de mais-valia financeira tornou-se extremamente poderosa. Frente aos novos mecanismos globais de exploração, que atuam em escala planetária, e recorrem inclusive em grande escala aos refúgios nos paraísos fiscais, os governos nacionais tornaram-se em grande parte impotentes. Temos uma finança global descontrolada frente a um poder político fragmentado em 195 nações, isto que o poder dentro das próprias nações, nas suas diversas dimensões, está sendo em grande parte capturado. Tornámo-nos sistemicamente disfuncionais.
Wolfgang Streeck traz uma interessante sistematização desta captura do poder público no nível dos próprios governos. Por meio do endividamento do Estado e dos o outros mecanismos vistos acima, gera-se um processo em que o governo, cada vez mais, tem de prestar contas ao ‘mercado”, virando as costas para a cidadania. Com isto, passa a dominar, para a sobrevivência de um governo, não quanto está respondendo aos interesses da população que o elegeu, e sim se o mercado, ou seja, essencialmente os interesses financeiros, se sentem suficientemente satisfeitos para declará-lo ‘confiável’. De certa forma, em vez de república, ou seja, res publica, passamos a ter uma res mercatori, coisa do mercado. Um quadro resumo ajuda a entender o deslocamento radical da política:[24] (81)
tabela_capturadopoder
Naturalmente, um se financia através dos impostos, o outro se financia através do crédito. Um governo passa assim a depender “de dois ambientes que colocam demandas contraditórias sobre o seu comportamento”(80) Entre a opinião pública sobre a qualidade do governo, e a ‘avaliação de risco’ deste mesmo governo deixar de pagar elevados juros sobre a sua dívida, a opção de sobrevivência política cai cada vez mais para o lado do que qualificamos misteriosamente de ‘os mercados’. Onde havia estado de bem-estar e políticas sociais teremos austeridade e lucros financeiros. Não é secundária, evidentemente, a transformação deste poder corporativo em sistemas tributários que oneram proporcionalmente mais os que menos ganham. A força vira lei, o estado vira instrumento de privatização dos próprios impostos. Segundo Streeck, não é o fim do capitalismo, mas sim do capitalismo democrático.
A pesquisa e compreensão das novas articulações de poder são indispensáveis para se entender os mecanismos e a escala radicalmente novos de acumulação de riqueza nas mãos dos 0,01% da população mundial, e a espantosa cifra de 62 bilionários que são donos de mais riqueza do que a metade mais pobre da população mundial. Igualmente significativo é o fato da economia brasileira estar em recessão quando os bancos Bradesco e Itaú, por exemplo viram seus lucros declarados aumentarem entre 25% e 30% em 12 meses [25]. De certa forma, ao analisarmos os mecanismos de captura do poder, estamos desvendando os canais que permitem o dramático reforço da desigualdade entre e dentro das nações, além do travamento do crescimento econômico pelo desvio dos recursos do investimento para aplicações financeiras (26).
Restabelecer a regulação e o controle sobre estes gigantes financeiros que passaram a reger a economia mundial e as decisões internas das nações é hoje simplesmente pouco viável, tanto pela dimensão, como pela estrutura organizacional sofisticada de que hoje dispõem, além evidentemente dos sistemas de controle sobre a política, o judiciário, a mídia e a academia– e portanto a opinião pública – conforme vimos acima. A dimensão internacional aqui é crucial, pois a quase totalidade destes grupos é constituída por corporações de base norte-americana ou da União Europeia. É a poderosa materialização de um poder que é global mas no essencial pertencente ao que nos temos acostumado a chamar de “Ocidente”. As tentativas de constituir um contrapeso por meio da articulação dos BRICS mostram aqui toda a sua fragilidade. O poder financeiro global tem nacionalidades, com governos devidamente apropriados pelos mesmos grupos.
Se há uma coisa que não falta no mundo, são recursos. O imenso avanço da produtividade planetária resulta essencialmente da revolução tecnológica que vivemos. Mas não são os produtores destas transformações, desde a pesquisa fundamental nas universidades públicas e as políticas públicas de saúde, educação e infraestruturas, até os avanços técnicos nas empresas efetivamente produtoras de bens e serviços, que levam vantagem: pelo contrário, ambas as esferas, pública e empresarial, encontram-se endividadas nas mãos de gigantes do sistema financeiro, que rendem fortunas a quem nunca produziu, e que conseguem, ao juntar nas mãos os fios que controlam tanto o setor público como o setor produtivo privado, nos desviar radicalmente do desenvolvimento sustentável hoje vital para o mundo.
Quanto à população de um país como o Brasil, que busca resgatar um pouco de soberania na sua posição periférica, o que parece restar é um sentimento de impotência. Perplexas e endividadas, as famílias vêm aparecer o seu “nome sujo” na Serasa-Experian – aliás uma multinacional – caso não respeitem as regras do jogo. Na confusão das regras financeiras, contribuem para a concentração de riqueza e de poder através dos altos juros que pagam nos crediários e nos bancos, através dos juros surrealistas da dívida pública, e através das políticas ditas de ‘austeridade’ que as privam dos seus direitos. Estas regras do jogo profundamente deformadas serão naturalmente apresentadas como fruto de um processo democrático e legítimo, pois está escrito na Constituição que todo o poder emana do povo. A construção de processos democráticos de controle e alocação de recursos constitui hoje um desafio central. Boaventura de Souza Santos fala muito justamente na necessidade de aprofundar a democracia. Mas na realidade, precisamos mesmo é resgatá-la da caricatura que se tornou.
[1] Uma visão mais detalhada da análise apresentada no presente artigo pode ser encontrada em Governança Corporativa,http://dowbor.org/2015/11/ladislau-dowbor-o-caotico-poder-dos-gigantes-financeiros-novembro-2015-16p.html/ ; a dimensão propriamente brasileira da deformação financeira encontra-se em Juros Extorsivos no Brasil, Ética Editora, Imperatriz, 2016,http://dowbor.org/blog/wp-content/uploads/2012/06/Dowbor-Juros-_pdf-com-capa.pdf
[2] Octávio Ianni – A política mudou de lugar – capítulo do livroDesafios da Globalização, L. Dowbor, O. Ianni e P. Resende (Orgs.), ed. Vozes, Petrópolis, 2003.
[3] Joris Luyendijk – Swimming with sharks – Guardian Books, London, 2015http://www.theguardian.com/business/2015/sep/30/how-the-banks-ignored-lessons-of-crash
[4] The Guardian, Revealed: How Google enlisted members of the US Congresshttp://www.theguardian.com/world/2015/dec/17/google-lobbyists-congress-antitrust-brussels-eu
[5] Joseph Stiglitz – On Defending Human Rights – Geneva, 3 December 2013http://www.ohchr.org/Documents/Issues/Business/ForumSession2/Statements/JosephStiglitz.doc
[7] Monbiot, George – A global ban on leftwing politics”, in How Did we Get into this Mess, Verso, London, New York, 2016 –http://www.monbiot.com/2013/11/04/a-global-ban-on-left-wing-politics/
[9] Ver em particular o documentário Chomsky&Cia, legendado em português,https://www.youtube.com/watch?v=IHSe9FRGpJU
[10] James Hoggan – The Climate Cover-up: the cruzade to deny global warming –ver http://dowbor.org/2009/12/climate-cover-up-the-cruzade-to-deny-global-warming-2.html/ ; sobre os financiadores, verhttp://dowbor.org/2010/04/petroleira-dos-eua-deu-us-50-mi-a-ceticos-do-clima-6.html/ ; ver também o ver artigo de Jane Mayer The dark money of the Koch Brothers, 2016, http://www.truth-out.org/news/item/35450-the-dark-money-of-the-koch-brothers-is-the-tip-of-a-fully-integrated-network
[11] Ver o curto e excelente comentário de George Monbiot, How did we get into this mess, no livro do mesmo nome – Verso, London/New York,http://www.monbiot.com/2007/08/28/how-did-we-get-into-this-mess/   
[12] Helena Ribeiro – Os protestos nas universidades por um novo ensino da economia – Jornal dos Negócios, Lisboa, dezembro de 2013 –http://dowbor.org/2013/12/helena-oliveira-o-protesto-nas-universidades-por-um-no-ensino-da-economia-dezembro-2013-3p.html/
[13] V. Larivière, S. Haustein e P. Mongeon – The Oligopoly of Academic Publishers in the Digital Era – PlosOne, 2015,http://dowbor.org/2016/02/the-oligopoly-of-academic-publishers-in-the-digital-era-vincent-lariviere-stefanie-haustein-philippe-mongeon-published-june-10-2015-15p.html/
[14] Lane, S. Frederick – The Naked Employee- AMACOM, New York, 2003  http://dowbor.org/2005/06/the-naked-employee-o-empregado-nu-privacidade-no-emprego.html/
[15] Vitali, Glattfelder e Battistoni, Zurich, 2011; Ver A rede do poder corporativo mundial – 2012 – http://dowbor.org/2012/02/a-rede-do-poder-corporativo-mundial-7.html/
[17] Andrew C. Marshall – Bank crimes pay under the thumb of the global financial mafiocracy – Truthout, 8 Dec. 2015 –http://www.truth-out.org/news/item/33942-bank-crimes-pay-under-the-thumb-of-the-global-financial-mafiocracy
[18] Sobre os derivativos e o poder dos traders de commodities, ver o nossoProdutores, intermediários e consimidores, 2013,http://dowbor.org/?s=produtores%2C+intermedi%C3%A1rios+e+consumidores
[19] Henry, James – The Price of off-shore revisited – Tax Justice Network,  http://www.taxjustice.net/2014/01/17/price-offshore-revisited/
[20] ICIJ – The Panama Papers – https://panamapapers.icij.org/
[21] Barbara Adams and Jens Martens – Fit for whose purpose? –Global Policy Forum,  New York, Sept. 2015 –https://www.globalpolicy.org/images/pdfs/images/pdfs/Fit_for_whose_purpose_online.pdf
[22] Um excelente estudo destes mecanismos pode ser encontrado em Shaxson, Nicholas – Treasure Islands: uncovering the damage of offshore banking and tax havens –  St. Martin’s Press, New York, 2011 –http://dowbor.org/2015/10/nicholas-shaxson-treasure-islands-uncovering-the-damage-of-offshore-banking-and-tax-havens-st-martins-press-new-york-2011.html/
[22]  Joseph Stiglitz – On Defending Human Rights – Geneva, 3 December 2013http://www.ohchr.org/Documents/Issues/Business/ForumSession2/Statements/JosephStiglitz.doc
[23] Barbara Adams and Jens Martens – Fit for whose purpose? –Global Policy Forum,  New York, Sept. 2015 –https://www.globalpolicy.org/images/pdfs/images/pdfs/Fit_for_whose_purpose_online.pdf
[24] Wolfgang Streeck,  Buying time – Verso, London 2014 –  http://dowbor.org/category/dicas-de-leitura/
[25] Relativamente a 2013, os bancos Itaú e Bradesco tiveram aumento nos lucros declarados de 30,2% e 25,9%, respectivamente. Ver o relatório Dieese –http://www.dieese.org.br/desempenhodosbancos/2015/desempenhoBancos2014.pdf
[26] A dimensão da concentração de renda e de patrimônio tem sido sistematizada pela OXFAM, ver o relatório de janeiro 2016 https://www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/file_attachments/bp210-economy-one-percent-tax-havens-180116-summ-pt.pdf

Fonte: OUTRAS PALAVRAS
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quinta-feira, 23 de junho de 2016

A cultura da violência

Bolsonaro e o pânico nas redes sociais

Por Leonardo Sakamoto, em seu blog:


Muita gente não se deu conta do impacto da decisão do Supremo Tribunal Federal queaceitou, nesta terça (21), denúncia de incitação ao crime de estupro e transformou o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) em réu em uma ação penal. Bolsonaro havia declarado, no Congresso Nacional, que não estupraria a deputada Maria do Rosário porque ela “não merece'', repetindo o conteúdo em uma entrevista.

Segundo os ministros que avaliaram a denúncia, apresentada pela Procuradoria Geral da República, Bolsonaro não estava respaldado por imunidade parlamentar porque o ocorrido não teve relação com o exercício de seu mandato. Segundo o relator Luiz Fux, a mensagem que ele proferiu significa que há mulheres em posição de merecimento de estupro. “A violência sexual é um processo consciente de intimidação pelo qual as mulheres são mantidas em estado de medo.''

Independentemente do desfecho do caso, essa decisão é emblemática. Os ministros do STF deixaram claro que ninguém pode usar sua liberdade de expressão para atacar os direitos fundamentais de outros grupos e pessoas. Isso é óbvio, mas vinha sendo ignorado de forma sistemática neste clima de polarização política que vivemos.

Bolsonaro é considerado um exemplo por muita gente – incluindo parte significativa da elite brasileira que o prefere como presidente da República em comparação a outros candidatos de acordo com pesquisas eleitorais. E o seu comportamento – de rolo compressor verbal sobre a dignidade de minorias em direitos – tem certamente inspirado muitas pessoas a fazerem o mesmo com a certeza de que nada aconteceria com eles. Até porque nada acontecia com seu líder.

Agora, aterrorizados, muitos de seus seguidores passaram o dia protestando contra a decisão do STF nas redes sociais. Afinal de contas, se “bolsomito'' não é imortal, imbatível e invulnerável, podendo ser punido pela Justiça caso incite violência sem se preocupar com as consequências, o exército digital que o segue (e consegue ser mais violento que seu líder) também pode.

Muita gente na internet confunde opinião com discurso de ódio. É um erro bem comum quando não se está acostumado às regras do debate público de ideias. O anonimato traz aquela sensação quentinha de segurança e, por conta disso, não raro, as pessoas extrapolam. Sentem-se livres de punição pelos seus atos. Afinal de contas, na rede é menos simples (mas não impossível) identificar quem falou ou fez a abobrinha.

Vamos por partes: o direito ao livre exercício de pensamento e o direito à liberdade de expressão são garantidos pela Constituição e pelos tratados internacionais que o país assinou. Vale explicar, contudo, para quem não é familiarizado com leis e normas, que a liberdade de expressão não é um direito fundamental absoluto. Porque não há direitos fundamentais absolutos. Nem o direito à vida é. Prova disso é o direito à legítima defesa.

Pois a partir do momento em que alguém abusa de sua liberdade de expressão, indo além de expor a sua opinião, espalhando o ódio e incitando à violência, isso pode trazer consequências mais graves à vida de outras pessoas.

Pessoas como Bolsonaro dizem que não incitam a violência. Sabemos que não é a mão delas que segura a faca ou o revólver, mas é a sobreposição de seus discursos ao longo do tempo que distorce o mundo e torna banais o ato de esfaquear, atirar e atacar. Ou, melhor dizendo, “necessários'', quase um pedido do céu. São pessoas como ele que cozinham lentamente a intolerância, que depois será consumida pelos malucos que fazem o serviço sujo.

A liberdade de expressão, contudo, não admite censura prévia. Ou seja, apesar de alguns juízes não entenderem isso e darem sentenças aqui e ali para calar de antemão biografias, reportagens, propagandas, movimentos sociais, a lei garante que as pessoas não sejam proibidas de dizer o que pensam. E foi isso o que aconteceu. Bolsonaro quis falar, Bolsonaro falou.

Entretanto, as pessoas são sim responsáveis pelo impacto que a divulgação de suas opiniões causa. Como foi o caso de dirigir a um grupo específico (mulheres) um sentimento de ódio. E toda pessoa que emitir um discurso de ódio está sujeita a sofrer as consequências: pagar uma indenização, ir para a cadeia, perder o emprego, tornar-se inelegível na próxima eleição. Afinal, o exercício das liberdades pressupõe responsabilidade. Quem não consegue conviver com isso, não deveria nem fazer parte do debate público, recolhendo-se junto com sua raiva e ódio ao seu cantinho.

Por fim, a responsabilidade por uma declaração é diretamente proporcional ao poder de difusão dessa mensagem. Quanto mais pública a figura, mais responsável ela deve ser.

O problema, portanto, não é ter opinião. Muito menos declará-la. E sim como você faz isso. De forma respeitosa ou agressiva? Privilegiando o diálogo de diferentes e buscando uma convivência pacífica, ou conclamando as pessoas para desrespeitar ainda mais aqueles vistos como diferentes por medo ou desconhecimento? Como disse Paulo Freire, todos somos guiados por ideologias. A diferença é se sua ideologia é inclusiva ou excludente.

Vocês acham que as pessoas que ficam indignadas com as declarações de Bolsonaro são uma minúscula minoria da população? Desconfio que não. Uma grande parte acha graça no que ele fala ou mesmo concordou com ele, tal como a plateia riu quando Alexandre Frota contou uma narrativa de violência sexual em um programa de TV.

A decisão do Supremo, portanto, é civilizatória. Não apenas para Bolsonaro, mas para aquilo que encaramos no espelho diariamente.

Fonte: Blog do Miro
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De fato uma decisão importante do STF para preservar o caminho civilizatório.

Entretanto, coincidência significativa ou não, a decisão foi apresentada dias após o conhecimento público sobre o caso bárbaro de estupro coletivo no Rio de Janeiro, onde uma menor foi violentada por mais de trinta homens

A violência contra a mulher e a banalização da cultura do estupro estavam, e ainda estão, por conta do caso do estupro coletivo, em evidência na mídia por ocasião da decisão do STF. Naturalmente, em uma sociedade perplexa e revoltada com o crime contra a menor, uma decisão do STF condenando as declarações do deputado Jair Bolsonaro seria, como de fato aconteceu, bem recebida na sociedade, considerando-se , ainda, o histórico de declarações polêmicas do deputado.

Fica então a dúvida se o STF agiu de fato com a intenção de preservar o caminho civilizatório, ou, apenas, agiu em um momento favorável para colocar o deputado como réu em ação penal.

É sabido que decisões do Judiciário, em muitas ocasiões, seguem a sensibilidade da opinião pública.

De uma forma ou de outra, o STF acerta quando coloca o deputado como réu por crime de incitação a violência.

Disse o ministro relator:

Segundo o relator Luiz Fux, a mensagem que ele proferiu significa que há mulheres em posição de merecimento de estupro. “A violência sexual é um processo consciente de intimidação pelo qual as mulheres são mantidas em estado de medo.''

De acordo com a declaração do ministro, e analisando a cultura da violência existente e crescente no país, diferentes formas de violência também são atitudes conscientes de intimidação, em que as pessoas, independente de gênero, são mantidas em estado de medo sofrendo ameaças constantes.

Tudo isso se passa diariamente principalmente nas redes sociais, onde opiniões sobre política, por exemplo, são alvo de ataques e de ameaças por grupos que divergem das opiniões. Também é fato que a maioria das ameaças e intimidações acontecem com pessoas que não tem visibilidade midiática, pública, mas que nem por isso não deixam de merecer a proteção da Justiça contra as intimidações.

Também é sabido que as redes sociais abriram um canal para a expressão de ideias e opiniões, e que um suposto anonimato proporcionado pelas redes sociais potencializa todo tipo de comentário, campanha, sem qualquer tipo de filtro - normalmente presente nas relações interpessoais do mundo real, não virtual - e, desta forma, contribuindo, tijolo a tijolo, na construção de comportamentos que passam a acontecer, também, no mundo real, mundo onde os olhares se cruzam e onde existe o toque físico.

Considere ainda que o protagonismo da internete e de suas redes sociais atingiu uma dimensão tal, que os assuntos na rede, não apenas os virais , passam a ser noticiados pelos grandes meios de comunicação, principalmente as emissoras de tevê privadas, em um processo de retroalimentação de todas as formas de violência.

Assim sendo, uma declaração do ator Alexandre Frota em programa de emissora de tevê aberta, sobre uma violência sexual que teria praticado, passa a ser visto como algo banal, natural.

Na mesma linha de compreensão, certa ocasião o atual senador Romário, na época apenas jogador de futebol, foi abordado por um repórter de uma emissora de tevê aberta sobre seu conhecimento e relacionamento com um chefe do tráfico de drogas da comunidade da Rocinha no Rio de Janeiro, que atendia pelo pseudônimo de Bem te vi. Romário esboçou um sorriso diante da abordagem e disse que de fato conhecia o traficante. Na ocasião, e isso não tem muito tempo, o conhecimento e mesmo algum tipo de relacionamento com o "traficante da moda" garantia algum tipo de status para as pessoas no nosso belo quadro social.

A construção desses símbolos com consequente banalização, passa, necessariamente, pelos grandes meios de comunicação de massa, que alimenta e se alimenta das redes sociais, em um processo que precisa ser detido.

A decisão do ministro do STF, midiática ou não, não deixa de ser um passo para a retomada do processo civilizatório, processo este que terá um passo gigantesco com a domesticação dos meios de comunicação através de novas regras para o setor, conforme previsto na constituição cidadã de 1988.


P.S Explicada a asfixia financeira do golpe contra a mídia crítica:        51% se informam sobre política através dela.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

O sagui vice e Dilma no nevoeiro

É, Temer, a sinceridade do seu cinismo é antológica…

POR FERNANDO BRITO · 22/06/2016




Verba volant, scripta manent, não é Dr. Temer?

Quando escreveu em seu twitter dizendo que a “a senhora presidente” iria usar o avião presidencial para sair pelo país “denunciando o golpe”, o senhor vestiu a carapuça.

Pena que a ministra Rosa Weber já arquivou aquela representação-bobagem em que se pediam explicações a Dilma sobre o uso da palavra “golpe”.

Agora, ela podia responder dizendo: uai, pergunta ao Temer?

Sua entrevista ontem a Roberto D´Ávila ontem, foi um espetáculo da soberba de um minúsculo.

A interinidade, que já lhe é muito, é tratada como pouco.

A ideia do plebiscito, que o senhor aponta como inútil, porque seria sinal de que Dilma quer voltar para não governar, é algo que sua mente e seu caráter não alcançam: o conceito de legitimidade.

Que é o que lhe falta e faltará.

Que o derrubará.

Fonte: TIJOLAÇO
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Poderia ser um macaco como vice: não faria diferença


22 DE JUNHO DE 2016 POR LUCIANA OLIVEIRA


Como Temer traiu a si próprio na entrevista a Roberto Dávila.

Por Paulo Nogueira

Comparei outro dia Michel Temer ao Rubião de Machado — o legítimo, o de Quincas Borba, não o delator. Rubião via as pessoas na rua e, na sua sandice delirante, imaginava que fossem populares saudando-o. Achava que era Napoleão III.

Na entrevista que deu a Roberto Dávila na GloboNews, Temer reafirmou seu caráter de Rubião. Conseguiu dizer, por exemplo, que carregou muitos votos para Dilma nas eleições presidenciais.

Ora, ora, ora.

Quem acredita nisso acredita em tudo. Temer foi absolutamente insignificante nas urnas. Poderia ser um macaco como vice: não faria diferença. Vices, especialmente os decorativos como ele, são completamente irrelevantes.

Alguém se lembra, por acaso, de quem foi o vice de Aécio? Os cabeças de chapa ganham ou perdem as eleições: fato.

Temer apenas é lembrado, agora, por ter traído a mulher graças à qual está hoje onde está.

Mas o melhor momento da entrevista foi quando Temer, num ato falho sensacional, admitiu o golpe. Disse que, se Dilma tivesse livre acesso a vôos, sairia por aí “denunciando o golpe”.

As redes sociais estão repercutindo intensamente essa frase em que o traidor traiu a si próprio. Não porque a entrevista de Dávila tivesse audiência expressiva, mas porque a sentença foi inacreditavelmente postada no Twitter oficial de Temer.

Fonte: Blog da Luciana Oliveira
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Dilma Rousseff afirma que primeiro ato de sua volta à presidência será o reajuste do Bolsa…

Fonte: CARTA MAIOR
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Cara de pau e cinismo são algumas marcas desse golpe.

Por outro lado o distanciamento com o povo pode levar ao delírio.

Temer, o anão que se esforça para olhar por cima com sua postura de arrogância e pretensa superioridade, se acha o máximo, o melhor, ocupando o lugar que lhe pertence e apoiado pelos defensores e mantenedores do golpe.

Por essa perspectiva, Temer é um anão com uma retaguarda de peso, já que os apoiadores e mantenedores do golpe, de alguma forma, governam o mundo. A Plutocracia mundial sequestra governos, nações e ainda, com o apoio visceral dos grandes meios de comunicação, coloca nas ruas uma legião de inocentes úteis em defesa de seus interesses.

Cinismo e midiotas são ferramentas de peso nessa onda conservadora de regressão que a segunda década do século XXI vivencia.

Por outro lado, como onda, tem crista, comprimento, produz estragos, destruição, sofrimentos, mas vem e passa.

Na América do Sul, principalmente no Brasil, a primeira década do século XXI - já sendo citada como Década da Inclusão - está, agora, hoje, sendo destruída, desmantelada pelos efeitos da onda, que no Brasil tem um anão surfando. Um anão que conseguiu trair a si próprio e confessar que o processo de impeachment em curso é aquilo que todos sabem, um golpe. Temer ainda diz que muitos votaram em Dilma porque ele era o candidato a vice. É provável que Temer tenha alavancado alguns votos para Dilma nas eleições de 2014, mas, como bem citado na postagem acima, Dilma venceria, independente se o vice fosse Temer ou um sagui.

O que se discute no momento no lado democrático, com alguma dose de ansiedade, é se Dilma conseguirá impedir o processo de impeachment no Senado. Muitas pessoas torcem para que isso aconteça, outras tantas acreditam que é possível, e um outro grupo está em dúvida. Caso Dilma recupere a presidência continuará tendo um Congresso hostil e ainda terá que conviver com a retomada da campanha midiática do Brasil aos cacos e corrupção.

Retomada, já que no momento, o sagui tem o apoio e o aplauso midiático nas medidas para destruir a vida da maioria da população brasileira, e a corrupção, bem, a corrupção e o Brasil da "incompetência" foram amenizados nos discursos midiáticos.

O cenário de Dilma retomando a presidência e pedindo um plebiscito sobre uma possível antecipação das eleições para presidente, parece o mais democrático, já que o povo irá decidir.

Uma vez decidido por novas eleições, o quadro que se apresenta é o mesmo; de um lado os rentistas predadores e selvagens do outro a inclusão através de programas sociais. Isso é pouco, e limitante. Terceira via não existe, apesar de discursos e aparências nessa direção.

Com esse quadro, talvez o melhor seja Dilma retomar o poder, colocar um mínimo de ordem na desordem que vem sendo implementada pelo anão e, em meio ao nevoeiro provocado pela maré da regressão conservadora, ir tocando o barco devagar até as eleições de 2018.

terça-feira, 21 de junho de 2016

Solstício e mudanças

A humanidade como um fio da teia da vida

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Jovem índia aprende a identificar plantas medicinais da floresta
A política como subjetivação: seminário debate transição a outro desenvolvimento e aponta para feminismo, direitos da natureza e espiritualidade 
Por Inês Castilho -  jornalista, integra o corpo editorial de Outras Palavras. Foi editora do jornal Mulherio, realizadora dos filmes de curta-metragem Mulheres da Boca e Histerias e cofundadora do Nós Mulheres, primeiro jornal feminista de São Paulo.

Primeiramente, fora temer em nós. Pois a barbárie exterior se alimenta da nossa barbárie interior.
Desde que bandeiras partidárias foram expulsas, há exatos 3 anos, nas Jornadas de Junho de 2013, só aumenta a desconstrução da farsa política que não nos representa. Do espetáculo de horror da votação do impeachment, no 17 de abril, quando fomos instadas a ver nossos destinos cidadãos nas mãos daqueles homens brancos, ricos e corruptos; e depois a barbárie do estupro coletivo, evidencia-se a busca necessária e urgente de novos caminhos, formas de (in)ação política e convivência planetária, de subjetivação coletiva na tolerância e no amor. Pois, é preciso repetir, a raiz da barbárie está no coração do homem.
É dessa perspectiva que a Abong – Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais e o Iser Assessoria – Religião, Cidadania e Democracia realizaram o seminário “Novos Paradigmas: Rumo ao Bem Viver”, nestes dias 13 e 14 de junho, na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Os debatesforam em torno da necessidade de transformar o modelo de desenvolvimento dominante, baseado numa concepção produtivista-consumista que desconsidera os limites da natureza e aprofunda as desigualdades sociais.
A transformação pessoal seria o fundamento da transição, desta mu-dança que, como diz Immanuel Wallerstein, depende de nossas infinitas pequenas ações, a micropolítica, para se realizar no campo progressista. E norteia-se por valores, novos paradigmas como a diversidade que se espelha e honra a lógica da vida, o conflito como riqueza, o autoconhecimento como mobilizador.
Intuição, silêncio, meditar junto, tudo isso é parte do desenvolvimento. Desenvolvimento individual também é política, e é preciso ser incorporado como politica – afinal, seria o mundo da política só o da ação, não o da subjetivação? Passar da lógica mais egoica, afirmativa, para uma lógica integrativa, de ser parte. Rompendo com nós somos os bons, os outros não – a lógica da esquerda.
Trata-se de e, não de ou, incorporando a complexidade de Edgar Morin. Ver a diferença como complementaridade, a sombra e a luz em si, inclusive – a rigor único espaço sobre o qual se tem alguma soberania. Meditar coletivamente em busca de cidadania planetária, Nacion Pachamama. Desilusão do controle.
O eixo da mudança seria deixarmos de achar que somos o centro do mundo e focar excessivamente em nosso ponto de vista. Enfrentar o desafio da conversão, converter-se em outro, no Outro. Ao mesmo tempo aceitar o erro, a incoerência, pois a amizade implica o perdão prévio. Reorientar com amor, de modo a reenamorar-nos. Ouvir sua voz entre as outras – it1s a long way. Ter na arte uma alegria, um norte, uma cura.
“Um ponto crucial da transformação do mundo é a coerência entre o que se diz e o que se faz, o envolvimento na transformação pessoal de cada um dos membros do coletivo. O que faço aqui-agora tem interferência no mundo. A ideia da interdependência, do salto quântico, da não-localidade quântica, essas ideias não são em geral validadas, mas particularmente as mulheres sabem que são verdade. Sair do mundo patriarcal para um mundo equilibrado. E por estar no patriarcado valorizar as práticas femininas do cuidado, da conservação, a lógica feminina de manutenção do cotidiano” – palavras de Débora Nunes, arquiteta e urbanista.
Outra política
Não o poder sobre o outro, mas com o outro. O poder não controlador, mas libertador. Novos coletivos praticando poder como serviço, não como instrumento de dominação. Avançar os novos paradigmas nas categorias feministas, dos direitos da natureza (assegurados na Constituição do Equador e da Bolívia). Circular a liderança, dividir tanto o poder quanto a responsabilidade. E ao descentralizar ganhar tempo de ser, de cuidar de si, de contemplar, empoderar outros, outras.
“Por isso os bastidores das organizações são tão importantes. Quem limpa, cozinha, organiza, trazer para o palco. Com alegria, uma política da amizade que é inspiração maior, inclusive da política. A amizade é cúmplice e também exigente, exige a coerência que evita sermos cooptados. O ego é muito sedutor, então um controla os excessos do ego do outro. Romper com a lógica de identificar diferenças como superiores ou inferiores. Um coletivo cúmplice da nossa palavra inconsciente.”
Daí para as instituições, pro instituinte. Por exemplo, o exercício do mandato político não será uma profissão, mas um serviço. Não um privilégio, mas uma honra, mandatários e mandatárias encarnando seus representados e como tal ganhando a média do salário da população, usando o SUS, a escola pública, o transporte coletivo. Candidatos também por sorteio, numa lógica plural de interesses territoriais, profissionais. Além de um direito, o controle do poder considerado uma obrigação da cidadania. Abrir nosso imaginário.
Com uma circularidade que não cabe no Estado nacional, mas na governança de territórios. O conceito de cidadania planetária significando a participação em espaços da comunidade, da cidade, do bioma, país, planeta. Avançar na visão da transformação a partir dos biomas , a convivência na caatinga, no semiárido.
Com a presença da voz e do calor, na troca e no diálogo presencial da educação popular, mas também nas relações mediadas por novas tecnologias, com educação à distância.
Belas ideias podem contudo tornar-se autoritárias, se não forem coconstruídas. Por isso falamos em transição. A solução pronta, o modelo, é completamente contrário à lógica orgânica dos novos coletivos cidadãos, dos novos paradigmas científicos (que pleiteiam a incorporação da incerteza como fato incontornável da Vida) e dos novos modelos de vida, que inspiram novos modelos políticos.
A mudança não será feita pela governança mundial. Mas poderá ser feita sem ela? A pergunta fica no ar. Fundamental agora é pensar a visão estratégica, a transição do modelo produtivista-consumista para outro modelo, o pós-capitalismo.
Experiências vivas
Diante de crises permanentes como mudanças climáticas e aquecimento global, da lógica cumulativa como estratégia de desenvolvimento, um desenvolvimento para poucos que transforma a humanidade em “inquilina no planeta”, o imaginário político precisa abrir-se e se reinventar. Uma inspiração são as formas práticas que a sociedade civil já usa para organizar suas intervenções no espaço público.
“Mudanças profundas vêm de baixo, dos pequenos. Falo de um desenvolvimento para a vida, de experiências do viver local que dão pequenas lições, por exemplo, de consumo responsável, economia colaborativa, territórios solidários, resistência propositiva. Práticas sustentáveis ou inovadoras são trilhas que podem mostrar esse novo paradigma de desenvolvimento ou sociedade”, diz Jorge Krekeler, que recolhe experiências inovadoras na Bolívia, Peru, Equador e Colômbia no projeto Almanaque do Futuro.
Consumo consciente, comércio justo, administração autogestionária. O desafio da comunicação. “Na América Latina a cultura é oral, por isso falamos em blog presencial – se as pessoas não se conhecem, não adianta. A quantas pessoas se pode chegar com essa sobredose constante de informação?, pergunta Jorge, que fala de um mundo plano, de movimentos em que não há hierarquias, intergeneracionais. Que venham a formar massas criticas para promover a transformação.
Também no Brasil um mapa de iniciativas com gestão democrática, energia renovável, cultivo agroecológico, produção e comercialização que valorizam o local começa a ser desenhado no Observatório da Sociedade Civil, projeto da Abong que reúne e divulga experiências “que apontam para a construção de um novo paradigma de desenvolvimento que conjugue justiça social, radicalização da democracia e a convivência harmoniosa com o meio ambiente”.
Agroecologia
Nos últimos 15 nos, o uso de agrotóxico no Brasil foi de 7kg a 15k por hectare e as monoculturas, voltadas principalmente para exportação – de soja, milho e algodão – cresceram assustadoramente. A agricultura que vem da chamada revolução verde, baseada no uso de insumos químicos e maquinário pesado, tem nesses venenos 20% do seu custo de produção. Não se trata de defensivo agrícola ou remédio, como querem seus fabricantes, mas venenos que têm grande impacto no meio ambiente, e – pasmem! – embora sejam tão nefastos à saúde como o cigarro, recebem subsídios por meio de isenção de impostos.
“A agroecologia é uma ciência e uma prática com um manejo melhor da natureza. Tem dimensão social e política, porque é um processo de construção social de mercados, de aproximar produtores e consumidores e valorizar a semente crioula, a semente da paixão, semente da fartura no Nordeste – e que são adaptadas ao clima, às condições do solo”, ensina Maria Emilia Lisboa Pacheco, presidente do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar).
Hoje em risco de desmonte pela extinção do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), a agroecologia segue lógica distinta da chamada agricultura convencional. Pensa no conjunto, não mede produtividade por hectare; não busca difundir, mas trocar conhecimentos. A diversidade é seu princípio-chave, por inspiração no conhecimento tradicional, na contramão de análise de espécies em separado.
É uma ciência cidadã, que dialoga com o movimentos sociais, lembrando a importância das mulheres, desde a publicação do livro deAna PrimavesiManejo Ecológico do Solo, ainda hoje bíblia dos agroecologistas, até a militância das camponesas da Marcha das Margaridas e das feministas da Marcha Mundial das Mulheres.
Está associada à economia solidária – outro tema em debate no seminário. Deve ter um circuito curto de mercado, para evitar o “passeio de alimentos”, que chega a milhares de quilômetros, e descentralizar o sistema de distribuição e abastecimento alimentar no Brasil.
“Isso se faz apoiando feiras, principalmente agroecológicas, sistemas de rede da economia solidária, e existem muitos no Brasil, garantindo que o pequeno varejo não seja tragado pelos grandes monopólios. Valorizar experiências como a Rede Ecovida, caminhões que saem do Rio Grande do Sul com a maçã e vão até o Vale do Ribeira, em São Paulo, trocando produtos, compondo feiras. São iniciativas que precisam ser transformadas em políticas públicas. Usam menos energia e promovem a aproximação entre quem produz e quem consome, e maior diversidade, em respeito inclusive ao tempo de safra dos vários alimentos.”
Outra inteligência
Nas palavras de Kaká Werá, escritor e ambientalista, e do teólogo Marcelo Arruda, o seminário foi buscar os valores norteadores dessa transição ali onde é mais profunda a visão sobre a natureza humana – os caminhos espirituais. Na ideia de unidade e interconexão com a Vida em todas as suas expressões, com o Cosmos, a humanidade em todas as suas gerações e com as outras espécies, outra visão sobre a natureza humana. A importância da sutileza, da energia sutil. Buscar pautas comuns na meditação conjunta.
Aprender com os índios, povos muito antigos cuja sabedoria em medicina, convivência, arquitetura, nasce de um diálogo com o ecossistema. Diálogo que nasce de outro lugar, dos sonhos, do coração, e não passa por uma observação somente exterior. Cultivar uma inteligência diferente da racional, perceber a interdependência entre os reinos mineral, animal, humano. “Que a sociedade desenvolva essa outra inteligência”, deseja Kaká Werá.
Um senso profundo de pertencimento – pertencemos à terra, não a terra pertence a nós. O lugar onde se habita é um templo vivo. Uma espiritualidade fundamental, em que os ecossistemas são os ancestrais. Árvores, cachoeiras da Mata Atlântica são ancestrais, o que dá pertencimento, relações de sustentação, de ali se alimentar e morar.
“Deixar-se guiar pelo Espírito. O Espirito como a Pachamama, o ecossistema, a energia universal. A Terra é um ser, uma inteligência viva. A espiritualidade, esse modo olhar, o Despertar“, diz Marcelo Arruda.
Ubuntu: Sou porque Você é. Namastê: o Ser em mim saúda o Ser em você. Amar ao Próximo como a Si mesma. Tudo está conectado, nada separado. Yin e Yang. Somos filhos das estrelas e irmãs da pedras, compostos dos mesmos materiais, sofrendo as mesmas forças (da gravidade, força fraca, força forte…).
Espantar o medo, povo sem medo, trazer à luz o inconsciente coletivo. O caminho do coração indígena (outras linguagens), o caminho da compaixão budista, o caminho de Jesus, nem a saída nem a chegada – o caminho, o Tao. Antes da Queda do Céut
Fonte: OUTRAS  PALAVRAS
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Não há noite longa que não encontre um dia


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Fonte: Apollo11.com
Exatamente às 19h34 desta segunda-feira, o Sol estará acima do trópico de Capricórnio, dando início ao inverno no hemisfério Sul. Algumas horas antes, porém, a Lua chega à fase cheia, uma coincidência que ocorreu a última vez em 1967.
Se aqui no hemisfério sul o solstício de junho marca o início da estação mais fria do ano, no hemisfério norte ocorre exatamente o contrário e o verão promete ser bem quente.
Diferentemente de outros anos, entretanto, o início do Solstício de junho de 2016 será marcado por uma interessante coincidência astronômica, pois no mesmo dia a Lua se tornará cheia. Essa repetição não acontecia há 49 anos.
Em 1967, no auge do movimento Hippie, o solstício de junho junto à mudança para Lua Cheia deu início ao que ficou conhecido como o “Verão do Amor”, um período amplamente celebrado em diversas partes do mundo, principalmente em São Francisco, nos EUA e Londres, na Inglaterra.
Fonte: Blog da Luciana Oliveira
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Les célébrations du solstice d’été
dans le monde

Le plus long jour de l’année. Le solstice d’été est célébré partout dans le monde depuis
des années. Mais depuis 2015, le 21 juin est aussi la journée internationale du yoga.
L’occasion pour les amateurs de cette discipline de faire d’une pierre deux coups.
De Stonehenge à Time Square, en passant par les «Fremont Solstice Parade de
la côte Ouest, tour d’horizon des célébrations de ce premier jour d’été.

O dia mais longo do ano. O solstício de verão é comemorado em todo o mundo há anos.
Mas, desde 2015, 21 de junho é o Dia Internacional de Yoga. A oportunidade para os
amantes desta disciplina para fazer uma pedra. Stonehenge Times Square, através do
"Fremont Solstice Parade West Coast, visão geral das celebrações deste
primeiro dia do verão.

Fonte: LIBÉRATION 
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