segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

COP - 21. Um Novo Renascimento. Um Outro Mundo é Possivel

O  IMPACTO  DA CIÊNCIA  SOBRE  A VISÃO DO MUNDO

Verônica Rapp de Eston -Professora associada aposentada da Faculdade de Medicina e co-fundadora do Centro de Medicina Nuclear da Universidade de São Paulo

Artigo publicado na Revista THOT, edição n° 53, de 1990
Em vários momentos da história da humanidade, o desenvolvimento científico teve um impacto decisivo sobre a visão de mundo. Na Mesopotâmia, por volta de 4500 a.C., a partir da observação do movimento dos astros, surgiram a astrologia, a física e a matemática e, em decorrência disso, uma classe de sacerdotes cuja influência foi predominante durante muitos  séculos. As descobertas científicas do século XVI levaram ao que, posteriormente, foi chamado de "revolução copernicana". Graças as observações celestes propiciadas pelo desenvolvimento do telescópio ( Nicolau Copérnico, 1473-1543), Galileu Galilei concluiu que o universo não era geocêntrico, isto é, não girava em torno da Terra; esta, sim, girava em torno do Sol. Ao afirmá-lo ele contradizia frontalmente os ensinamentos da Igreja, tendo sido, por isso, obrigado a abjurar, para não ser queimado por ordem da Inquisição.

Em consequência de tais o observações realizadas pelo homem, houve um tremenda aceleração nas ciências físicas e um decĺínio da força política da Igreja. Grande parte das questões relativas à posição do planeta Terra no universo e à natureza e significação dos corpos celestes deixou de ser da alçada da teologia e da filosofia e passou para o campo da pesquisa empírica; problemas que antes  eram submetidos à  apreciação das autoridades eclesiásticas ou de eruditos passaram a ser o objeto de observações sistemáticas e experiências.
Essa transferência de autoridade propiciou um novo conhecimento do homem e de seu universo, permitindo  a "explosão da ciência", que desde então tem exercido uma poderosa influência sobre a imagem e a concepção  de humanidade. Entretanto, a ciência está novamente no limiar de uma série de transformações, cujas consequências podem ter um alcance ainda maior do que aquelas que emergiram das revoluções de Copérnico, Newton, Darwin e Freud.
Questões relativas à consciência e à percepção, experiências subjetivas  e transpessoais, as raízes dos postulados de valores fundamentais e assuntos correlatos constituem hoje um grupo de preocupações que, tal e qual aquelas relativas ao universo físico, começam a se deslocar da esfera das investigações teológicas e filosóficas para o domínio da pesquisa empírica.
O espírito da ciência clássica é de indagação aberta e sem preconceitos a respeito de tudo aquilo que interesse ao pesquisador. Segundo Conant ( 1951), a ciência clássica assenta sobre os seguintes axiomas:
- a razão é o instrumento supremo da humanidade;
- o universo é basicamente físico e ordenado;
- essa ordem pode ser descoberta pela ciência e definida o objetivamente;
- a observação e a experimentação são os únicos meios válidos para  descoberta da verdade científica, que é sempre independente do observador;
- os conhecimentos adquiridos pelo uso da razão libertarão a humanidade da ignorância e conduzi-la-ão a um futuro melhor.

Tais axiomas, no entanto, frente aos recentes progressos em diversas fronteiras da indagação científica, tornaram-se menos seguros.

Paradigmas em transformação

Existe uma relação recíproca entre a pesquisa científica e a sociedade em que ela emerge. Os conhecimentos científicos geram aplicações tecnológicas que, por sua vez, modificam o ambiente cultural.
A lenda grega de Prometeu ilustra magistralmente esse aspecto da ciência. O audacioso Prometeu roubou o fogo dos deuses e, dessa maneira, deu ao homem o controle sobre seu próprio destino. Epimeteu, seu irmão, deleitava-se em brincar com aquelas descobertas, inconsciente das suas consequências. Irados com o roubo, os deuses vingaram-se; enviaram a Epimeteu uma esposa, Pandora; ela possuía uma caixa que, uma vez aberta, derramava sobre a humanidade doenças e aflições; somente a Esperança permanecia na caixa, a fim de preservar o equilíbrio mental do homem diante de seu novo infortúnio.
A respeito disso , De Ropp ( 1972) assim se expressa: " Nossa  época, a idade dos novos Prometeus, ilustra, como nenhuma outra, a profundidade do mito de Prometeu. Jamais os Prometeus  foram tão ousados ou os Epimeteus, tão imprudentes, e nunca a caixa de Pandora esteve tão abarrotada de ameaças".
Os mitos e as imagens de uma determinada cultura, por seu lado, influenciam de maneira marcante aquilo que parece ser possível e tudo o que é aceito cientificamente ou de outra maneira.  As observações não são independentes do observador, como ressalta o físico nuclear Martin Deutsch (1959):" No meu próprio trabalho fiquei perplexo pela maneira como uma idéia preconcebida do pesquisador pode influir sobre os resultados das suas observações. Thomas Kuhn (1970) usou a expressão "paradigma científico" para descrever o modelo geral segundo o qual o homem percebe, conceitua, e valoriza os dados da realidade de acordo com uma determinada imagem dela que prevalece na ciência, ou em certos ramos da ciência, em dada éṕoca. Considera-se  "ciência normal " o conjunto desses paradigmas aceitos num contexto definido. Quando há um acúmulo de dados discrepantes ou anômalos em relação aos paradigmas "normais" acontecem os períodos de crise na ciência, para que então se retomem certos temas rejeitados e tidos como tabus durante anos. É como dizia Bernard Shaw: " Todas as grandes verdade começam como blasfêmias ". Eis apenas alguns exemplos bastante conhecidos: as críticas feitas por Galileu e outros ao geocentrismo, que por pouco não os levaram à fogueira; as descobertas de Mendel, em 1865, relativas aos genes, que permaneceram ignoradas por 35 anos; o estudo da anatomia, durante anos considerado uma violação do "templo do corpo"; as teorias de Darwin sobre a evolução das espécies, ridicularizadas e rejeitadas durante praticamente toda a sua vida, e que ainda hoje se chocam com conceitos religiosos mais estreitos sobre a " criação do homem".
No século XVIII houve uma grande contovérsia quanto aos meteoritos , pois não se aceitava que aquelas rochas pudessem ter caído do céu; assim , os museus os jogavam fora por não serem "reais". Hoje, os cientistas  se consideram mais esclarecidos e abertos a novas descobertas; no entanto, subsiste uma série de preconceitos: não há explicação para os OVNIs, mas eles podem ser observados; nota-se uma resistência às pesquisas ligadas ao cérebro e à mente; os fenômenos de percepção extra-sensorial são analisados com descrença pela ciência oficial.
Verificamos , assim que uma determinada visão de mundo - seja da população em geral, seja dos meios científicos - pode vir a se constituir um obstáculo para o desenvolvimento de conhecimentos importantes e, muitas vezes, fundamentais para o homem.

As limitações do processo científico em si

 A atividade humana em que  ciência se baseia  é a observação e o seu registro, o que representa limites impostos pelo próprio processo de descrição. A esse respeito, Margenau (1963) assim se expressa: " A ciência não mais contém verdades absolutas. Começamos a duvidar de proposições fundamentais, tais como o princípio de conservação da energia, o princípio de causalidade e muitas outras que pareciam firmes e inabaláveis no passado".
Outra limitação importante é a orientação, mais ou menos exclusiva, pra uma maneira analítico-racional de resolver os problemas, embora muitas das descobertas fundamentais da ciência- desde Arquimedes, passando por Newton e Einstein - tenham decorrido de um lampejo de revelação conhecido como "intuição" e só, a posteriori, sido comprovadas experimentalmente. A ciência ocidental tem encontrado dificuldades em definir a intuição. Segundo pesquisas recentes, constatou-se que a capacidade  de expressão lingüística e o raciocínio analítico estão associados ao lado esquerdo do cérebro, enquanto o lado direito lida com a percepção sintética, global. Ao se levar em conta somente as funções da porção esquerda do cérebro, deixa-se de admitir a intuição.
A terceira limitação do processo científico é a especialização ou fragmentação da pesquisa científica, um subproduto da complexidade crescente da ciência. Apesar dos avanços que proporcionou, a especialização tem levado à perda da visão de conjunto a à dificuldade na interpretação global dos fenômenos.
Em decorrência disso  surgiu o método reducionista, assim descrito por Ashby (1973): " Na presença de um sistema, o cientista responde, automaticamente, desmanchando-o em pedaços. Os animais foram reduzidos  a órgãos e, estes, estudados microscopicamente como células; as células foram estudadas como coleção de moléculas e, estas, decompostas em átomos. Os reducionistas afirmavam como dogma  que toda ciência deveria necessariamente avançar dessa maneira." Conheça as propriedades de cada parte e, ao juntar todas as partes, conhecerá o conjunto'. Esse método, levado ao absurdo,  conduz à afirmação de que 'a vida nada mais é que física e química'. Szent-Gyorgi(1961) chega a declarar que 'a biologia depende do critério do físico'." No século passado houve grande progresso ao se utilizar tal método, pois eram estudados sistemas em que havia pouca ou nenhuma  interação entre as partes ( nesse caso, o todo seria a soma das partes). Contudo, nos sistemas que envolvem múltiplas interações entre as partes componentes - como os biológicos ou os ecológicos - a teoria reducionista não consegue explicar o funcionamento do todo.
Por fim, está sendo questionada  também uma idéia clássica da ciência, a de que o mundo objetivo explorado pelos vários métodos científicos é independente da experiência subjetiva do pesquisador. Na física das partículas, a perturbação do sistema objetivo pelo ato da observação passou a ser conhecida  como "princípio da incerteza de Heisenberg". Mas é na área das pesquisas psíquicas que ela pode ser detectada com maior nitidez, pois os fenômenos psíquicos só terão uma realidade em si se mente do observador for parte integrante do experimento.
Assim , a atual visão de mundo foi grandemente influenciada pelo conhecimento do mundo físico, o que contribui para a ênfase materialista da cultura como um todo. O desenvolvimento da ciência contemporânea desafia os velhos paradigmas científicos, influindo decisivamente sobre a formação da imagem do homem. Um não é a causa do outro, mas ambos devem se mover conjuntamente.

Fronteiras cruciais na pesquisa científica

Contestações aos paradigmas  passados tem surgido em fronteiras avançadas das pesquisas. Isso se dá em campos os mais diversos - a física, a biologia, a psicologia, a parapsicologia, etc. - como mostraremos a seguir.

Física moderna e cosmologia

Idéias novas e revolucionárias começam a se desenvolver a partir de 1870, quando Clifford sugere que uma partícula de matéria não passa de uma espécie de montículo no espaço geométrico. Pesquisas posteriores, de Maxwell, Planck e Einstein, culminaram na afirmação de Bohr: a luz tanto poderia ser onda como partícula. Einstein reuniu as noções de tempo e espaço na sua Teoria da Relatividade Geral e, sugeriu não somente que matéria  e energia dividem a mesma equação, mas que a gravidade também pode ser incluída numa teoria de campo unificado. Repentinamente, o universo  se transformava em pura geometria. Nas palavras de Margenau ( 1963): " O átomo sólido e duro transformou-se , quase que completamente, em espaço vazio. Os elétrons podem ser pontos, singularidades matemáticas, perseguindo o espaço".
Na realidade tudo parece estar recuando.  Como a   relatividade Geral predisse, o universo está em contínua expansão. Ultrapassamos a limitada visão copernicana do astro solar com seus planetas e descortinamos uma imensa galáxia em forma de disco com 100 mil anos luz de diâmetro, povoada de 100 bilhões de estrelas, expandindo-se a uma velocidade de 35 quilômetros por segundo. E essa é apenas uma das muitas galáxias existentes num universo cujo limite conhecido está a bilhões de anos luz de distância e repleto de milagres estranhos, como quasares, pulsares e buracos -negros. Em meio  a isso, levantam-se postulados mais estranhos ainda, como antimatéria, o tempo retrocedendo, massa negativa e partículas que viajam a velocidades maiores que a luz.
Além disso, como dizia Jeans (1973), " o universo começa a se assemelhar mais a um grande pensamento do que a uma grande máquina ". A física moderna e a cosmologia colocaram a humanidade em um universo imensamente mais rico e extraordinário do que a visão copernicana poderia imaginar. Segundo LeShan (1969), a imagem do homem cósmico, na física moderna, é muito semelhante à do "homem no universo " das filosofias orientais: nestas, a realidade é aparente,dinâmica e habitada tanto pela harmonia quanto pela singularidade (estranheza). Antes, a interpretação histórica do tempo  era subordinada à busca de poder, simbolizada pela mecânica newtoniana, que tratava os corpos que se movem no espaço como recipientes inertes, desprovidos de energia. A idéia do espaço-tempo de Riemann, mostra já um forte toque chinês: " Campos de força compõem e extensão do universo, que apresenta uma infinidade curvilínea".

Outras ciências físicas e biológicas

Em duas áreas das ciências físicas houve um impacto fortíssimo sobre a imagem do homem. Uma delas diz respeito a entropia², cujo conceito emergiu do estudo da termodinâmica³. De acordo com a Segunda Lei da Termodinâmica, os sistemas isolados tendem naturalmente para um estado de desordem máxima e o universo será fatalmente invadido pelo caos. Sendo essa uma lei da natureza, nada pode ser feito para evitá-lo; o ser humano e a vida passam a ser vistos como insignificantes, não existe um processo possível de evolução, pois o universo está em decadência. Todavia, Huxley(1963) e outros contrapuseram o argumento de que os sistemas vivos esto sujeitos a condições diferentes. Assim , a entropia deve ficar restrita ao tratamento de sistemas fechados, em estado de equilíbrio e sem intercâmbio com o meio ambiente. Os sistemas vivos, ao contrário, são abetos e estão em constante troca com o seu meio ambiente; portanto, o resultado final será diferente. A situação atual da física, onde não é mais possível a certeza absoluta, nos adverte de que  os paradigmas científicos são falíveis.
De maneira semelhante, a visão mecanicista da cibernética de que " o cérebro é simplesmente uma máquina de carne" se transformou no conceito de que o computador é uma extensão do sistema nervosos humano. Porém, segundo McLuhan, os computadores  poderão somente aumentar o intelecto humano, jamais terão consciência de si mesmos, como o homem. A consciência humana parece ter propriedades que nunca poderão ser criadas artificialmente.

O ser humano como espécie

Os estudos da dinâmica de crescimento da população humana demonstram que a humanidade apresenta características de crescimento semelhantes às de outras espécies vivas. No início, deve ser garantida a sobrevivência do indivíduo através da competição e da permanência do mais apto. Mais tarde, o que importa é o comportamento global da espécie, isto é, a cooperação e a permanência do mais sábio. Essas pesquisas revelam que o homem precisa evoluir apoiado numa imagem de seu ser que leve em conta a sobrevivência de toda a espécie.
Intimamente relacionados a estes conceitos estão os estudos da ecologia, que modificaram totalmente a imagem do homem. Ele deixou de ser o conquistador da natureza e passou a cooperar com ela, pois se deu conta de que há  uma interdependência entre a existência humana, a de outras espécies e o meio ambiente como um todo.
Por outro lado, a teoria da evolução se ampliou, passando do nível das espécies para o nível molecular-atômico. Darwin (1859) foi o primeiro a considerar a inter-relação de todas as espécies, como um todo em evolução. A revelação da existência dos genes, por Mendel, evidenciou o mecanismo da hereditariedade, e a descoberta levada a cabo por Watson, em 1953,  de que o DNA(4) é o veículo da informação genética, levou os conhecimentos ao domínio molecular.
Essas descobertas desencadearam um acirrado debate sobre a importância do acaso ou do determinismo no processo de evolução. Monod (1971) afirma  que "somente o acaso é a fonte de todas as inovações, de toda a criação na biosfera". Dessa maneira, a espécie humana seria puramente um resultado do acaso. Entretanto, outros pesquisadores, como Waddington e Weiss (1969), declaram que o gene sofre influência do meio molecular e orgânico. Os sistemas que se desenvolvem pela evolução seriam, assim, os cadinhos de um processo criativo ( Dobzhansky, 1971), e a evolução tenderia a sistemas cada vez mais complexos e sofisticados. Em nossa espécie, a cultura é um fator de influência devido ao cérebro, órgão cuja evolução é favorecida por sua capacidade de permuta de experiências e pensamentos ( Foerster, 1971). Teilhard de Chardin já havia observado, em 1961,  que " a evolução é uma ascensão em direção à consciência". Em função disso , o homem estaria na vanguarda desse processo cósmico de evolução ( Huxley, 1963).

Biologia molecular e genética

Os atuais desdobramentos das ciências biológicas  revelam que a unidade básica da vida é a célula e que suas informações são armazenadas nas moléculas de DNA dos genes. Essa descrição totalmente física dos sistemas vivos ameaçou as filosofias "vitalistas", que defendiam o ponto de vista da existência de um componente especial, não físico, nas entidades vivas. Segundo Hayes (1971), essa visão do homem como um produto final complexo e mesmo previsível de uma evolução macromolecular terá, certamente, um efeito profundo sobre as nossas atitudes sociais , éticas e políticas.
Atualmente predomina o conceito de que o homem é o resultado final de sua constituição genética, que lhe fornece o potencial sobre o qual atuam as experiências adquiridas, principalmente, na primeira infância; os genes dariam ao homem o potencial a ser modelado pelo meio ambiente. Entretanto, o conceito de carma das doutrinas do Oriente sugere que, no futuro, outras influências poderão ser incluídas.
As noções mais recentes de engenharia genética e de clone(5) aventam a possibilidade de manipulações genéticas por parte do próprio homem, quando a natureza humana estaria sujeita à sua escolha, o que poderia reavivar processos de eugenia(6).

Exobiologia e origem da vida

As pesquisas de Miller (1963) e Fox (1971) demonstraram que os aminoácidos podem se formar espontaneamente a partir de seus componentes químicos elementares e dar origem a formas mais complexas de proteínas, principal componente dos organismos vivos.  Por outro lado, descobriu-se que,  desde a formação do nosso planeta até o aparecimento das formas de vida mais simples, meteoros trouxeram do espaço milhões de toneladas desses mesmos aminoácidos para a Terra.  Oistraker (1973) assim se expressa: " Os átomos do seu corpo já passaram por vários astros , eles já foram ejetados, muitas vezes, como gases de estrelas em explosão ". Tais noções fomentam a procura de outras formas de vida nos planetas de nossa galáxia e conduzem à "biologia cosmológica ", conforme definida por Bernal ( 1965): " Uma biologia verdadeira, em seu pleno sentido, seria o estudo da natureza  e atividade de todos os objetos organizados onde quer que sejam encontrados nesse planeta, em outros do sistema solar, ou em outras galáxias, em todos os tempos, no passado ou no futuro".
Sem dúvida alguma, o aumento dos conhecimentos nessa área é de primordial importância para as mais profundas e antigas questões biológicas e filosóficas e terão um impacto decisivo sobre os nossos sistemas religiosos, filosóficos e políticos (Handler, 1970).

Pesquisas do cérebro

Na medicina, uma das fronteiras que mais avançam é a da pesquisa das funções cerebrais. Os primeiros estudos do cérebro já demonstravam, no final do século XVIII, que ele pode ser exitado eletricamente. Do fim do século passado a meados deste, as pesquisas permitiram o mapeamento minucioso das áreas do cérebro por meio de eletrodos finíssimos introduzidos em inúmeros pontos, com estimulação elétrica posterior. Segundo Delgado (1969), " o estímulo elétrico de estruturas cerebrais específicas pode provocar, manter, modificar ou inibir funções autônomas e somáticas, o comportamento individual e social e as reações emocionais e mentais tanto no homem como em animais. O controle físico de inúmeras funções cerebrais é um fato demonstrado, porém as possibilidades e limites desse controle ainda são desconhecidos".
De igual importância são os resultados de pesquisas mais recentes sobre a química das funções cerebrais, de acordo com os quais a desnutrição pode produzir sérios danos para o cérebro em desenvolvimento. Outras teorias sugerem o envolvimento de processos químicos no cérebro relacionados com a aprendizagem e a memória; por meio de experiências realizadas em camundongos de linhagem altamente purificada, detectaram-se diferenças genéticas naqueles processos. Foram descobertas também muitas substâncias químicas cujos efeitos vão desde a alucinação até a tranqüilização e o transe.
Baseando-se nessas pesquisas, Delgado propôs uma sociedade psicocivilizada, que seria manipulada por processos elétricos, semelhante às sociedades controladas descritas por Huxley ( Admirável mundo novo) e Orwell ( 1984).
Outros estudos focalizam a divisão do cérebro em duas metades, sendo a esquerda a que fala, raciocina, lê esta página, por exemplo, e a direita a responsável  pela orientação no espaço, a imagem corporal, o reconhecimento de faces, etc. Esta parte processa a informação de maneira mais difusa e integra informações com maior rapidez; a esquerda é analítica e reducionista, a direita holística(7) e interativa. Sperry (1967) observa que essa assimetria funcional do cérebro parece ser exclusiva dos mamíferos superiores e está mais desenvolvida no homem. Nos indivíduos normais, ambas as partes estão conectadas e há um intercâmbio de informações. O estudo das complexas inter-relações de ambas apenas se inicia e ainda esbarra em dificuldades quando se trata das funções mentais mais elevadas e de especificar quais os centros que governam as diferentes atividades.
As técnicas de feedback (8) mais recentes trouxeram uma grande contribuição nessa área. No Ocidente, fazia-se uma distinção entre o sistema nervosos voluntário ( autônomo) e o involuntário ( vegetativo ). No Oriente, por outro lado, há milênios se afirma que qualquer função do corpo pode ser modificada conscientemente, o que tem sido confirmado pelas últimas pesquisas - pode-se  controlar as funções orgânicas mediante um treinamento adequado. Afastamo-nos, assim, da imagem "robotomórfica" criada pelas pesquisas dos controles elétricos e químicos do cérebro.
De acordo com Anokhin (1971), é verdadeiramente astronômico o número possível de estados do cérebro, e, para alguns,  ele se assemelha cada vez mais a um enorme holograma (9) ( Pribram, 1971). Eis o comentário de Weisskopf (1972): " Quanto mais penetramos na complexidade dos organismos vivos, na estrutura da matéria ou nas vastas expansões do universo, mais nos aproximamos dos problemas fundamentais da filosofia natural. De que maneira um organismo em crescimento desenvolve suas estruturas complexas ? Qual é significado das partículas e subpartículas que compõem a matéria ? Quais são a estrutura e a história do universo ?"

Ritmos biológicos e campos bioelétricos 

A  biologia moderna pesquisou sobretudo os aspectos químicos dos seres vivos. Em décadas recentes, porém, outros fatores foram verificados, como o efeito das radiações eletromagnéticas e das flutuações geomagnéticas sobre os parâmetros da funcionalidade humana ( tempo de reação, humor, e a velocidade dos processos biológicos ). Relacionou-se, por exemplo,  a maior procura hospitais psiquiátricos com a ocorrência de flutuações geomagnéticas. Só recentemente a "poluição eletromagnética" vem sendo investigada ( Healer, 1970).
Muitos dos fenômenos ambientais são de natureza rítmica, podendo-se dizer o  mesmo em relação ao homem. Ressurgiu, então, o interesse pelos ritmos biológicos, a sua significação para o ser humano, da forma de pesquisas que lembram as dos antigos astrólogos pela ênfase dada à relação entre ambiente cósmico e acontecimentos humanos.
Em escala mais ampla, os padrões rítmicos de muitos fenômenos sociais, tais como guerras e conflitos, evocam a imagem  aristotélica do universo como um organismo - o conceito cosmobiológico da natureza. Consideradas globalmente,
as pesquisas científicas vêm corroborar a concepção oriental de indivíduo, concebido como parte essencial de um processo evolucionário cósmico.

Pesquisas sobre consciência

A ciência ocidental tem estado preocupada exclusivamente com o conhecimento objetivo, com a relação das coisas entre si, sem levar em consideração  a consciência do observador. Entre este e a realidade levantou-se uma barreira de instrumentos. Nos anos mais recentes, porém, os estados de consciência em si têm despertado grande interesse. Estudam-se os fenômenos do sono, dos sonhos, a meditação, o controle das ondas cerebrais, ioga, hipnose, etc.  O eletroencefalógrafo e a monitoração dos movimentos dos olhos durante o sono estão trazendo contribuições valiosas para as pesquisas. Verifica-se que muitos estados alterados de consciência podem ser estudados através de métodos científicos, deixando de ser fenômenos puramente religiosos ou místicos. Na realidade, a consciência "normal" é apenas uma parte das potencialidades humanas totais, da mesma forma que a luz visível não passa de uma fração mínima de todo o espectro eletromagnético.

Hipnose

Ela pode ser definida como um estado mental geralmente induzido por outra pessoa, em que, por sugestão, há um controle sobre estados habitualmente fora do domínio do hipnotizado. Nesse estado, pode-se controlar a dor e os processos físicos  (o fluxo sanguíneo), tratar de diversas moléstias e aumentar as habilidades mentais, a memória e a criatividade. Esses fenômenos são produzidos também por auto-hipnose e auto-sugestão. Tem sido amplamente empregados na medicina através do "treinamento autógeno", introduzido por Schultz (1950) e Luthe (1963), visando relaxamento, tranqüilização e aumento do fluxo sanguíneo para mãos e pés. A lista de usos potenciais  da hipnose é extensa, e a maior parte das pessoas está apta a aprender técnicas da auto-hipnose. Entretanto, a preferência por processos físicos-químicos e cirúrgicos é tão grande na medicina ocidental, que mesmo processos psicológicos são tratados com drogas e psicocirurgia ao invés dos métodos psicológicos.

Biofeedback (10)

Essa técnica dá à pessoa uma indicação precisa e imediata sobre determinado processo  físico no momento em que ele ocorre. As pesquisas mais conhecidas sobre o controle das ondas cerebrais foram feitas por Kamiya (1969), que recorreu ao eletroencefalograma¹¹. Quando surgem as ondas alfa, soa uma campanhia e o sujeito deve registrar de que maneira está pensando naquele momento, tentando manter esse estado de consciência. Com esse método, consegue-se aumentar a proporção de ondas alfas após um treinamento de algumas horas e se aprender a controlar estados internos, como pressão sanguínea, frequência cardíaca, temperatura do corpo e da pele e até a atividade elétrica de células da medula espinhal. Esse método demonstrou, com técnicas ocidentais, aquilo que métodos orientais como a ioga e a meditação já haviam alcançado há milênios - a possibilidade de um controle psicossomático sobre muitas  das funções neurovegetativas. Além do mais, a pessoa treinada nessa técnica se torna mais sensível às modificações do meio ambiente, como mudanças magnéticas ou eletromagnéticas.

Os sonhos

São os estados alterados de consciência mais comumente vivenciados pelas pessoas. Desde tempos imemoriais tenta-se interpretar os sonhos, do que se valeram também os psicoterapeutas, como Freud (1950), Jung (1953) e outros. Na década de 50, Aserinsky e Kleitman (1955) descobriram um método muito simples de se estudar os sonhos: o indivíduo adormecido passa por vários ciclos de sono e de sonhos, que são acompanhados de movimentos rápidos dos olhos ( REM¹²); estes vão sendo registrados e, em dado momento, a pessoa é acordada, quando deve se recordar do que estava sonhando. Esse método demonstrou que as pessoas tem uma vivência extensa e importante durante os sonhos, que contribui para sua saúde psicológica, emocional e física. Eis as principais conclusões a que se chegou até o momento: o ato de sonhar é essencial para a saúde mental, e sua privação tem efeitos psicológicos nocivos; os sonhos podem indicar soluções para problemas pessoais de ordem prática; eles também favorecem as criações literárias e artísticas; eles podem apontar conflitos e necessidades emocionais, como também mensagens de percepção  extra-sensorial , ou PES ( telepatia, precognição e outras).

Meditação

Embora seja prática comum no Oriente há milênios, só recentemente a ciência ocidental tem procurado esclarecer esse fenômeno através de  técnicas científicas. Existem dois tipos básicos de meditação: no primeiro, o indivíduo se concentra em um objeto, pensamento, som ou qualquer outra sensação interna ou externa, com o qual tenta se fundir; no outro, ele procura esvaziar a mente de pensamentos , idéias e sensações. As pesquisas demonstram que durante a meditação há uma diminuição das taxas de metabolismo basal, respiração, fluxo sanguíneo e consumo de oxigênio, além de um aumento das ondas alfa no cérebro e maior relaxamento (Wallace, 1970). Os efeitos psicológicos relatados são múltiplos: recordação de experiências, capacidade de abstração, modificação na cor e forma dos objetos e, sobretudo, uma sensação de relaxamento e paz ( Deikman, 1963, e Tart, 1969 ). Segundo estudos realizados por meio de encefalograma, na técnica zen de meditação a percepção do mundo exterior é mantida ( Kasamatsu e Hirai, 1966), enquanto na ioga os estímulos externos são ignorados ( Anand, Chhina e Singh, 1961). Para que a meditação surta efeito, às vezes são necessários muitos anos de aprendizagem e prática. Os que conseguem atingir a meditação profunda relatam uma experiência psicológica que Bucke (1901) chamou de "consciência cósmica". Em 1960, ele assim a descreveu: "A característica fundamental da consciência cósmica é, como seu nome indica, a consciência do cosmo, isto é, da vida e da ordem do universo. Ela vem acompanhada de esclarecimento intelectual ou iluminação que, por si só colocaria o indivíduo  num novo plano de existência - torná-lo-ia quase o membro de uma nova espécie. A isso acrescentam-se um estado de exaltação moral, uma sensação indescritível de elevação, exultação e felicidade, e uma excitação do sentimento moral, que é inteiramente admirável e mais importante para o indivíduo e para a humanidade do que o tão enaltecido poder intelectual. Ao lado disso, surge o que se poderia chamar de 'senso de imortalidade', uma consciência de vida eterna - não a convicção de que ele deverá tê-la, mas a consciência de que ele já a possui".
Essa forma de transfiguração já foi relatada inúmeras vezes por místicos de diferentes épocas e religiões (Deikman, 1963) e indica que a meditação permite insights¹³ de partes mais profundas da consciência (14).

Drogas psicodélicas

Nos últimos decênios, tem-se pesquisado uma variedade de substâncias químicas que alteram a qualidade e as características da consciência, como o ácido lisérgico, a mescalina, a psilocibina e outras, genericamente conhecidas como drogas alucinógenas, psicodélicas ou psicoativas. Segundo Masters e Houston (1966), essas drogas aparentemente são capazes de estimular as percepções e sensações, pois dão acesso a lembranças e experiências passadas, facilitam a atividade mental e produzem alterações no nível de consciência, incluindo-se aí as experiências transcendentais de natureza religiosa, mística e cósmica. Se usadas indevidamente, porém, tais drogas podem causar uma série de perturbações mentais e atitudes anti-sociais, o que levou à  restrição de seu uso, mesmo em condições experimentais perfeitamente controladas.

Processos inconscientes e estímulos subliminais 

A teoria segundo a qual parte dos nossos pensamentos e processos mentais está fora de nossa percepção ou consciência normal está sendo plenamente aceita hoje em dia. Essa parte foi inicialmente chamada de "eu subliminal" por Myers (1903), e tornou-se mais conhecida como "inconsciente" após os estudos de Freud (1950). A princípio, a sugestão de processos inconscientes entrou em conflito coma imagem do homem racional, totalmente consciente dos seus pensamentos e do seu comportamento. Hoje, porém, já se admite que nossa consciência não chega a englobar todos os processos mentais do homem, muito embora eles influam sobre nossas ações, pensamentos e sentimentos. A noção de que os sentidos podem receber informações situadas abaixo dos níveis normais de percepção - a chamada estimulação subliminal - é também motivo de controvérsias. Ao reexaminar recentemente tal fenômeno através de métodos de pesquisa, Dixon (1972) concluiu que ele realmente existe. Em nossos dias, os estudos voltam-se para o super-consciente, para as qualidades mais positivas da mente, e,  enfatizam-se os seus aspectos criativos,  intuitivos e inspiradores (Assagioli, 1965; Aurobindo, 1972;  Teilhard de Chardin, 1961). Essas atividades superconscientes são expressas em sonhos, pressentimentos, sensações  e "conhecimento intuitivo". O novo conceito, que está sendo estudado por filósofos, psicólogos e outros pesquisadores, poderá causar um impacto sobre as noções  de psicologia semelhante ao da teoria freudiana.

Com vistas a uma ciência da consciência 

Vários autores têm buscado explicações para a consciência e suas alterações, como Lily, Muses, Tart (1972) e outros, o que indica que tal pesquisa é cientificamente possível. Até o momento, identificou-se um grande número de diferentes estados de consciência. De acordo com Tart ( 1972, 1973),  esses estudos poderão ter consequências profundas, não somente para a ciência - presa, ainda, à idéia de que o estado normal ou racional da consciência é o melhor para a sobrevivência neste  planeta e para a compreensão do universo -, como também para a visão do mundo e da humanidade. A idéia que emerge dessas pesquisas, quando tomadas em seu conjunto, é basicamente a mesma da teoria evolucionária, na qual a evolução tende para uma complexidade crescente no plano físico e maior percepção na área da consciência.

Parapsicologia e pesquisas psíquicas 

Os fenômenos paranormais ainda não tem explicação dentro das leis conhecidas do universo. Por esse motivo foram, até há pouco, rejeitados pela ciência ocidental. São eles a telepatia, a clarividência, a precognição, e a psicocinese ou telecinese. Os três primeiros são conhecidos genericamente como fenômenos  psi (15) ou percepções extra- sensoriais ( PES ou ESP ). A psicocinese é rotulada, às vezes, de fenômeno psicoenergético. Na telepatia dá-se a percepção das atividades mentais  de outra pessoa sem o emprego dos sentidos usuais e comunicação. A clarividência consiste na habilidade de se obter informações ou perceber eventos que ocorrem em locais distantes de maneira direta, não utilizando os meios normais de comunicação. Pela precognição pode-se prever acontecimentos que vão ocorrer no futuro, sem a intervenção dos dados usuais da dedução. Na psicocinese, o indivíduo consegue movimentar objetos por meios não físicos ou por influência mental direta.
Até anos recentes, as únicas provas da ocorrência  de tais fenômenos eram as  estatísticas sobre indivíduos que apresentavam essas faculdades (Rhine, 1961). Entretanto, vários psicólogos e outros pesquisadores vêm demonstrando, através de métodos ocidentais, que, em condições especiais, esses fenômenos podem realmente ocorrer. As pesquisas modernas concentram-se na busca dessas condições necessárias para que se intensifiquem os fenômenos da psique, num procedimento análogo ao da química, em que se obtém um produto a partir de vertas condições de temperatura, pressão e concentração de reagentes.
A telepatia e outras informações psi são em geral recebidas subliminarmente e tornam-se acessíveis à mente consciente de pressentimentos, sonhos, intuições  e sensações (Rhine, 1961). É possível treinar habilidades psíquicas por meio de técnicas de feedeback imediato para incrementar o processo de aprendizagem.
Estados alterados de consciência, como o relaxamento profundo, facilitam a recepção de informações PES;  isso foi verificado nos sonhos (Ullman e Krippner, 1970), no relaxamento profundo (Brand e Brand, 1973), nos estados que induzem às ondas cerebrais alfa (Honorton, 1969) e nas sugestões hipnóticas ( Krippner, 1967). 
Certos aspectos da física que pareciam  afastar, pela lógica, maioria dos fenômenos psi não são mais mantidos de maneira tão rígida. É o que está ocorrendo, por exemplo, na física quântica em relação às descrições clássicas de causalidade e conservação de energia ( Margenau, 1966). Surgem teorias baseadas na mecânica quântica e na física para explicar esses fenômenos ( Walker, 1973; Muses, 1972; Kozyrev, 1968; Koestler, 1972 ).
A mecânica quântica está fornecendo contribuições importantes para a compreensão do funcionamento do cérebro, e é  uma das áreas científicas de crescimento vital.
Dixon (1972) demonstrou que os estímulos subliminais podem afetar os sonhos, a memória, a percepção consciente, as respostas emocionais, etc. Nesse sentido, a experiência de Puthoff e Targ (1974) tornou-se clássica.  Eles verificaram que quando uma luz estroboscópica (16)  com cerca de quinze lampejos por segundo atinge os olhos de um indivíduo, uma onda alfa característica aparece em seu eletroencefalograma (EEG). Outro indivíduo, colocado à distância e perfeitamente isolado, serve de receptor da informação, devendo advinhar quando  a luz está sendo lançada nos olhos do primeiro sujeito. Em geral, o segundo advinha, na base do acaso, quando a luz está acesa ou não. No seu EEG, no entanto, aparece a onda alfa reveladora. Pode-se tirar daí uma importante conclusão: inconscientemente, de maneira extra-sensorial, o segundo sujeito sabe quando a luz está acesa, mesmo negando esse fato à sua mente consciente. Assim, a capacidade telepática seria comum a todos, estando reprimida na maioria das pessoas. Se isso for verdade, o mesmo pode ocorrer  com todos os outros fenômenos psi.  Fica evidente, então,  que as potencialidades humanas e os processos inconscientes são muito mais amplos do que se supunha segundo os antigos paradigmas.
O impacto de todas essas teorias sobre a cultura moderna pode ser profundo. O paradigma científico ocidental, presentemente aceito, da "realidade" tende a ser físico, causal, mecanicista e objetivo. Os dados das pesquisas psíquicas, por outro lado sugerem que a realidade inclui efeitos parafísicos, que os estados mentais não materiais existem e interagem com os sistemas físicos e que a consciência transcende a natureza física do homem.


A teoria geral dos sistemas e a cibernética

Na década de 20 ou 30, pesquisadores eminentes do ramo de biologia, como Cannon, Bernard e outros, já começavam a questionar a visão reducionista nos sistemas biológicos, à procura de uma descrição mais global. Mas essas idèias só foram mais largamente reconhecidas após a Segunda Guerra Mundial; nesse período foi possível agregar conclusões de vários cientistas surgidos independentemente em diferentes centros, tanto da Europa como dos Estados Unidos. O conjunto dessas idéias é conhecido como cibernética, teoria da comunicação, teoria da informação ou teoria dos sistemas.
A teoria geral dos sistemas é, em essência, uma tentativa de integrar, em termos racionais, os diferentes conhecimentos obtidos nos vários ramos de pesquisa. Ela procura ser, ao mesmo tempo holística e empírica. Sua proposição básica é que as leis e os princípios que governam os sistemas relacionados com uma área do conhecimento provavelmente são também importantes para outra área do conhecimento.
Weiner (1954) observou, por exemplo, que o funcionamento dos sistemas modernos de computação é muito semelhante àquele dos organismos vivos; em ambos existem processos semelhantes para coletar informações do mundo exterior, transformá-las em esquemas mais convenientes, basear a ação na informação transformada e comunicar as consequências de volta ao aparelho interno de regulação. Dessa forma, o desequilíbrio causado no sistema por um agente externo é contrabalançado pelo uso de feedback para se voltar ao equilíbrio anterior(17).
A expressão "teoria geral dos sistemas" foi criada simultaneamente em 1954, por Von Bertalanffy(1967), biólogo teórico, Boulding (1961), economista, Gerard (1954), neurofisiologista e Rapoport (1954), matemático. Eles rejeitam especificamente a tese de que uma pessoa é apenas um conglomerado das partes que a constituem, idéia por muito divulgada pelos reducionistas ( Buckley, 1968). Segundo Weiss (1969), o número de afirmações necessárias para se descrever o todo é mais do que o necessário para se descrever as partes. O termo "mais" não significa o acréscimo de alguma quantidade mensurável do sistema, mas a necessidade de se descrever o comportamento conjunto das partes quando elas se apresentam num grupo organizado.
Essa visão holística tem uma importância imediata para o estudo de muitos aspectos do ambiente humano. Nas palavras de Bateson (1972), "a sabedoria está em reconhecer uma orientação pelo conhecimento do sistema total da criatura. A falta dessa sabedoria sistêmica é sempre punida. Os sistemas biológicos, o indivíduo, a cultura e a ecologia (...) são castigados quando não levam em consideração a sua ecologia. Se se quiser, poder-se-á dar a essas forças sitêmicas o nome de "Deus".

Interação entre ciência e sociedade

 
A ciência, atualmente, influencia cada vez mais a sociedade, tanto pelo impacto tecnológico, como pelo número de pessoas ligadas às suas atividades.

Durante os últimos cem anos, a ciência desempenhou, entre os povos mais evoluídos, o mesmo papel antes atribuído à religião. Todos os fenômenos naturais tinham de ser explicados em termos científicos para que fossem aceitos. Dessa maneira, muitas experiências subjetivas ou fatos ainda sem explicação "científica" foram rejeitados, por serem considerados apenas ilusões. É o caso dos fenômenos psíquicos, OVNIs, experiências religiosas e mesmo alguns dos tabus anteriormente aqui descritos. Em anos mais recentes, esses fatos relatados há milênios estão sendo analisados por inúmeras instituições, que os submetem a métodos aceitos pela ciência ocidental.
Concomitantemente a essa mudança na visão científica, ocorre o desencanto da sociedade com a ciência, pelos efeitos muitas vezes desastrosos da aplicação de tecnologias desenvolvidas, como a crise ecológica e o abuso da ciência para fins de tecnologia militar (foguetes, bombas atômicas, etc.)
Assim como analisamos de que maneira a ciência e, sobretudo, suas aplicações tecnológicas transformaram a sociedade, temos agora que nos deter no oposto, isto é, indagar como os valores da sociedade afetaram as atividades científicas. Os gregos haviam descoberto e testado a maioria dos elementos essenciais do método científico; entretanto, não os transformaram em aplicações tecnológicas, pois a sociedade grega não o exigia por se basear no trabalho escravo (Edelstein, 1957; Farrington, 1953). Além disso, segundo a concepção dos gregos, " o mundo existe para nele se viver e não para ser transformado". É que, na busca do conhecimento, sua abordagem era puramente estética, filosófica.
Opondo-se a essa visão dos gregos, a ideologia judaico-cristã vê o homem separado da natureza, como seu dono - ela teria sido feita para servi-lo. Durante a Idade Média, as restrições da Igreja retardaram o desenvolvimento de uma paradigma científico adequado, mas, no Renascimento, com a redescoberta dos conhecimentos gregos, houve um desenvolvimento acelerado dos métodos científicos e da idéia de que a natureza é governada por leis e princípios que podem ser detectados. Campbell (1959) denomina-a "epistemologia do outro"
Atualmente, os cientistas estão percebendo as limitações do método objetivo e reducionista de pesquisa, que visava o mundo exterior, e estão se voltando para um estudo crítico do mundo interior, isto é, para a "epistemologia do eu". Nas culturas orientais, sempre predominou essa cultura do eu; só agora a pesquisa ocidental se volta para a análise dos fenômenos descritos, por milênios, pelos mestres orientais. O estágio seguinte no avanço evolucionário do homem está numa síntese de ambas as visões, isto é, da epistemologia do outro com a epistemologia do eu. Ao lado de uma ciência objetiva e de tecnologias físicas, será necessário desenvolver uma ciência e uma economia éticas, voltadas para o bem-estar ecológico, que dê ênfase à pesquisa e à aplicação de tecnologias sociais e psicológicas.
O novo paradigma científico deverá ser holístico, tanto do ponto de vista metodológico, como do ponto de vista dos fenômenos a serem estudados. Deverá se basear numa visão global e não fragmentada do que atualmente é definido como ciências exatas e ciências sociais, procurando o princípio de complementaridade ou reconciliação de opostos, tais como livre-arbítrio e determinismo, materialismo e transcedentalismo, ciência e religião.


NOTAS

1 - Segunda parte do artigo " A visão do mundo através dos tempos" resumo do livro  de Markley, O, W, e Harmam, W, W, (eds, 1982) Changing images of man ( Pergamon  Press, Nova York), Primeira parte publicada na revista THOT n° 52, 1988, pp.9-17),
2 - Funçao termodinâmica de estado  dos corpos, peculiar a cada substância, que tende para o máximo em um sistema fechado como o universo,
3 - Parte da física que investiga os processos de transformação de energia e o comportamento dos sistemas nesses processos, 
4 - O DNA ou ADN ( ácido desoxirribonucleico) é o transportador das informações genéticas em todos os organismos vivos. É uma molécula com estrutura helicoidal dupla e extremamente longa, um polímero compostos de subunidades semelhantes ou idênticas - os monômeros ou nucleotídeos. Estes são formados por uma parte de fosfato, uma de açúcar (desoxirribose)  e uma base orgânica nitrogenada. Estas bases pertencem tão somente a quatro tipos que nos animais são: a a denina (A), a guanina (G), a timina (T) e a citosina (C). O arranjo e a sequência desses nucleotídeos fornecem as características do DNA.
5 - Conjunto de indivíduos originários de outro por multiplicação assexuada. Todos os membros de um clone tem o mesmo patrimônio genético,
6 - Ciência que estuda as condições propícias à reprodução e ao melhoramento da raça humana,
7 - Do grego holos, inteiro, completo, que abrange o todo, 
8 - Termo inicialmente empregado na eletrônica, hoje usado em outras disciplinas. Significa realimentação, retroalimentação, regeneração,
9 -  Do gregoholos holos, inteiro, completo, e grama ou gramato, letra, escrito, peso; holosholosfotogrholosafia que se obtém mediante a utilização  de raios laser,
10 - Ver nota 8, 
11-  Registro gráfico das ondas elétricas emitidas pelas células nervosas do cérebro. Existem quatro ritmos cerebrais, convencionalmente indicados como ritmo alfa ( 10 ciclos/seg.), ritmo beta (18 ciclos/seg.), ritmo teta (5 ciclos/seg.) e ritmo delta (3 ciclos/seg.) O ritmo alfa é encontrado nos indivíduos que estão com os olhos fechados, em estado de relaxamento e meditação; o ritmo beta, na vigília e atenção,  os ritmos teta e  delta são encontrados em casos de patologias cerebrais,
12 - Abreviatura do inglês rapide eye movement, 
13 - Compreensão repentina, em geral intuitiva,  que a pessoa tem de suas próprias atitudes e comportamentos, de um problema, de uma situação,
14 - O mesmo fenômeno é descrito por Pierre Weil em A consciência cósmica - Introdução a psicologia transpessoal, Ed. Vozes, Petrópolis, 1979, 2ª edição,
15 - Letra grega usada para designar, tanto na física teórica como na parapsicologia, fenômenos desconhecidos,
16 - A luz intermitente e rápida de um objeto em movimento,
17 - Em biologia, esse fenômeno é conhecido por "homeostase", termo criado por Cannon (1939) na década de 20.

sábado, 5 de dezembro de 2015

Liberdade Privatizada

A direita privatizou a liberdade (e nós deixamos), por Cynara Menezes


mundo_liberado  Kayser
por Cynara Menezes, na Caros Amigos
“Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada, que você pode usar do jeito que quiser. Não usa quem não quer”, dizia o jingle de uma marca de roupa jovem nos anos 1970. É incrível a capacidade que o capitalismo tem de encampar os símbolos de contestação para lucrar com eles. Foi assim com as calças jeans, originalmente criadas como vestimenta para os trabalhadores e que caíram no gosto dos hippies e da contracultura, como forma de protesto contra a caretice geral. De olho no nicho de mercado que se abria, rapidamente o jeans foi transformado em produto rentável, embora continuasse a ser associado ao conceito de “insurreição”, de “resistência”, na publicidade — ao mesmo tempo que, assinado por estilistas famosos, passava a custar os olhos da cara.
Aconteceu igual com o rock, o punk, o movimento LGBT ou o black power. O capitalismo enxerga a tendência e, com ela, a possibilidade de reduzir as lutas ao que interessa: dinheiro. O significado por trás daquilo pouco importa. Tudo é diluído para formar um conjunto belo, colorido e atraente, perfeito para os anúncios e comerciais de TV. O sistema consegue a proeza de lucrar com uma atitude contra o sistema. Marcas de refrigerante são especialistas em vender rebeldia engarrafada.
Tudo isso faz parte, é intrínseco ao capitalismo, e só trouxa cai numa armadilha dessas. Comprar para protestar contra a sociedade de consumo, imaginem. O que me preocupa é o uso que vem sendo feito de uma palavra tão cara à esquerda como “liberdade”. Os malandros praticamente privatizaram a liberdade. Observem ao redor: tudo que a direita cria traz “liberdade” embutida. É liberal para lá, é libertário para cá... Chegou-se ao cúmulo de uma moçada a favor da volta da ditadura militar no Brasil se denominar “Movimento Brasil Livre”.
Enquanto bandeiras como “direitos humanos”, “igualdade racial”, “igualdade social” e “igualdade de gêneros” continuam a ser associadas à esquerda (e providencialmente deturpadas), a “liberdade” foi monopolizada pela direita. Como se eles se importassem e lutassem por ela, enquanto a esquerda, defendem,ecoando a mídia, pretende calar à força as vozes dissonantes e restaurar a censura.
O capitalismo enxerga a tendência e, com ela, a possibilidade de reduzir as lutas ao que interessa: dinheiro. O significado por trás daquilo pouco importa. Tudo é diluí- do para formar um conjunto belo, colorido e atraente, perfeito para os anúncios e comerciais de TV.
No mundo inteiro, jovens estão sendo seduzidos pela ilusão de que a direita oferece mais liberdade do que a esquerda. Até o mercado é “livre”, gente. Mal sabem eles as prisões a que o sistema os levará: a prisão do consumo, a prisão dos padrões de beleza e comportamento, a prisão da obrigação de “vencer” na vida a qualquer custo, a prisão da competição, a prisão da desigualdade, a prisão de uma imprensa subjugada à elite e ao poder econômico. Talvez seja sofisticado demais entender que liberdade não é só umslogan em busca de ouvidos ingênuos.
Parte da culpa por este fenômeno é da própria esquerda. Infelizmente, quase todas as experiências de socialismo real (com a única exceção do Chile de Salvador Allende) descambaram para a falta de democracia. Países com um só jornal e onde opositores eram encarcerados e até fuzilados não são bem um exemplo de lugares onde se preza a liberdade de seus cidadãos. Sabemos que os Estados Unidos, ao contrário do que ignora a massa de manobra, tampouco são essa “pátria da liberdade” toda, mas o que importa é que a pecha pegou e não fomos capazes de revertê-la até hoje.
Nos apegamos demais, sinto dizer, a ídolos de outras eras. Admiro Ernesto Che Guevara, claro, quem em sã consciência não o admiraria? Mas Che morreu há 48 anos! E, aliás, até ele virou produto nas mãos dos capitalistas... Fidel Castro tem 89 anos. Quando os dois encabeçaram a revolução cubana, o mundo era outro. A esquerda acreditava em outras coisas então. Acreditava em chegar ao poder pelas armas. E que, em certas situações, se justificavam execuções de inimigos. Acreditava que, em nome da revolução, poderia ser preciso sacrificar a liberdade. Muito pouca gente ainda acredita nisso. Evoluímos.
Mas seguimos sendo cobrados pelas circunstâncias do passado e, mais grave: não estamos conseguindo transmitir que, para nós, nada vale mais do que a liberdade humana e que somos nós que a defendemos de fato e de direito — a começar que a defendemos para todos, e não apenas para alguns. Somos nós que questionamos quando alguém vai preso injustamente. Somos nós os primeiros a sair em defesa de um jovem negro quando ele é espancado pela polícia apenas por ser “suspeito”. E ainda que seja culpado, acreditamos na capacidade do ser humano de se recuperar, enquanto a direita, que tanto fala em liberdade, defende que “bandido bom é bandido morto”.
Somos nós os reais defensores da liberdade de expressão, porque pregamos que todos os grupos sociais deveriam ter direito à voz, e não apenas a elite. Acusam-nos de querer censurar, mas é a direita quem tenta intimidar jornalistas com calúnias, agressões e processos judiciais. Somos contra a pena de morte. A direita a defende. A liberdade é uma falácia na boca dos conservadores, tanto quanto é para vender jeans. O pior é que tem gente que compra.
Uma coisa é certa, porém: a esquerda precisa resgatar a liberdade. Precisa se inspirar no que Pepe Mujica, que passou quatorze anos preso, diz: “Inventamos uma montanha de consumo supérfluo. E o que estamos gastando é tempo de vida. A vida se gasta e é miserável gastar a vida para perder a liberdade.” É este tipo de discurso que deve guiar nosso futuro, com a liberdade no centro de tudo — uma liberdade genuína, que nada tem a ver com a empulhação marqueteira da direita, e muito mais difícil de colocar à venda.
Cynara Menezes é jornalista e editora do blog Socialista Morena.
Fonte: O CAFEZINHO

Medicamentos que matam

Nos subterrâneos da Indústria Farmacêutica
POR REDAÇÃO– ON 04/12/2015 CATEGORIAS: CAPAMUNDO
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Viagem ao mundo do medicamento-mercadoria. A pesquisa submissa ao marketing. O trabalho infernal, nos laboratórios. A “eficácia das drogas atestada em estudos fraudados
Por Quentin Ravelli, no Le Monde Diplomatique | Tradução: Inês Castilho

“Percebi que estava grampeado, que sabiam exatamente o que eu receitava”, indigna-se um médico instalado em Paris. “Fui ingênuo, não fazia ideia. [Um dia], uma representante comercial me disse: “Você não prescreve muito!” Eu me perguntei: “Como ela pode saber disso?” Essa prática de vigilância, que choca muitos profissionais, é articulada pelos serviços comerciais dos laboratórios. Para aumentar ou manter sua fatia do mercado, os grandes grupos farmacêuticos implementam artifícios de engenhosidade mirabolante. Não hesitam, por exemplo, em alterar as indicações de seus medicamentos para conquistar novos clientes.
Considerado por certos médicos como “o Rolls Royce dos antibióticos dermatológicos”, a Pyostacyne (no Brasil, Pristinamicina), fabricado pela Sanofi – um dos primeiros grupos farmacêuticos do mundo em volume de negócios (33 bilhões de euros em 2013) – conheceu tal destino. Durante muito tempo de uso dermatológico, o antibiótico viveu uma “virada respiratória”: é agora utilizado maciçamente em casos de infecção broncopulmonar e de ouvido, nariz e garganta. Este último uso, criticado por numerosos médicos e depois denunciado pelo poder público, podia conduzir a um superconsumo de antibióticos, sendo assim parte do problema mais amplo do fortalecimento das resistências bacterianas – um grande desafio de saúde pública, responsável por setecentas mil mortes por ano em todo o mundo (ver “O outro pesadelo de Darwin“).

Para compreender a natureza versátil da mercadoria da indústria farmacêutica, acompanhamos a vida desse medicamento ordinário, desde os laboratórios de pesquisa até os visitantes comerciais, passando pela fábrica de produção do princípio ativo1. A cada etapa, a mercadoria muda de nome: os biólogos falam da bactéria Pristinae Spiralis; os químicos, da pristinamicina fabricada pela bactéria; osrepresentantes alardeiam os méritos da “Pyol” aos médicos; os trabalhadores denominam-na afetuosamente “a Pristina”. Ao longo dessa cadeia, o antagonismo entre as necessidades do doente e os lucros do industrial, entre o valor de uso e o valor de troca2 nunca param de se manifestar.

Ele expõe a oposição entre assalariados e executivos, particularmente sensível em uma empresa em plena reestruturação, onde os trabalhadores estão lutando para conter os cortes de emprego e impor suas próprias concepções do papel do medicamento.

Vender

“Seu trabalho é manter o seu desempenho”

Grande bloco todo de vidro de 37 mil metros quadrados, a sede da Sanofi na França evoca transparência e respeito aos pacientes, cujas silhuetas estilizadas dominam o alto do edifício, cercadas por um coração azul. No terceiro andar desse edifício situado no sul de Paris encontram-se os escritórios de marketing, onde agitam-se os funcionários que trabalharam, desde a década de 1990, na introdução da Pristinamicina no mercado de infecções respiratórias. Com êxito evidente, já que, do inverno de 2002 até o inverno de 2010, o número de vendas para infecções broncopulmonares saltou 112%, enquanto o aumento foi de apenas 32,6% no campo dermatológico.

Esse aumento não corresponde a uma explosão do número de doenças ou a uma epidemia devastadora, mas a uma estratégia comercial: o mercado de infecções respiratórias envolve um volume de prescrições muito mais importante que o de infecções dermatológicas. “Acontece que, contra os germes que infectam os brônquios, pulmões, seios da face, o medicamento vai muito bem”, diz um médico da empresa. “Por isso, em seguida ele foi desenvolvido com essa indicação.” Da pele ao pulmão, o valor de troca metamorfoseou o valor de uso.

Os ourives desse gênero de giro terapêutico são os “gerentes de produto”, funcionários especializados na promoção de um só medicamento ou de alguns medicamentos com indicações aproximadas. Aqui, se é “gerente de produto Pristinamicina”, “gerente de produto Tavanic”, “gerente de produtos analgésicos” e até mesmo “gerente de produtos psicóticos”. Célia Davos3, gerente de produto Pristinamicina, que se diz “muito voltada aos negócios”, descreve o conteúdo do seu ofício: “Seu trabalho é monitorar o desempenho do medicamento, é seguir seu produto para ver aonde ele vai, de acordo com os concorrentes, de acordo com o mercado, de acordo com a patologia, e fazer todos os esforços para maximizar o volume de negócios.” Esse posto, situado no coração do serviço de marketing, ele próprio no centro da sede social, funciona como uma mesa giratória onde os funcionários chegam de várias áreas e podem em seguida ser realocados para outros horizontes, como gerentes, responsáveis pelas áreas de marketing, comunicações, relações públicas, vendas.

O papel do gerente de produto consiste em destacar a utilidade de um medicamento na preparação do material dos propagandistas de laboratório, esses comerciantes que se deslocam pelos consultórios para convencer os médicos a prescrever seus produtos. No arsenal da Pristinomicina, encontram-se a ajuda de visita, espécie de guia a partir do qual o visitante constrói seu discurso segundo os argumentos elaborados pelo marketing; oselementos-chave, de informação médica, que sintetizam os pontos mais importantes; os número de uma revista científica como Infectologia, cujo patrono é a Sociedade de Patologia Infecciosa de Língua Francesa (Spilf) eque apresentam apenas os últimos resultados de ensaios clínicos bem sucedidos relativos à Pristinomicina. Mas também uma multidão de gadgets paramédicos – pequenas lâmpadas plásticas com uma espátula parapensar sobre o Pristinomicina, ao olhar o fundo da garganta do paciente;caixas de tecido para decorar o escritório do doutor; canetasPristinomicina; pen-drive Pristinomicina. Esses textos e objetos, que se repetem por todo lugar no consultório do profissional, serão encontrados no porta-malas dos propagandistas.

Nem todos os médicos interessam aos laboratórios todos na mesma medida. Aqueles que têm um importante “potencial de prescrição” tornam-se objeto de atenção particular. Para identificá-los, os laboratórios utilizam os serviços do Grupo de Elaboração e Realização de Estatísticas (GERS), que dispõe das cifras das vendas aos distribuidores e das vendas diretas em farmácias; ou do Centro de gestão, de documentação de informática e de marketing (Cegedim), que fornece dados do software das prescrições dos médicas. A essas fontes oficiais, somam-se as redes de inteligência informais, como as enquetes dos visitantes médicos com farmacêuticos e seus colegas. Para os serviços de marketing, toda informação relativa às práticas dos médicos interessa, pois permite estabelecer uma “segmentação de clientes” em potencial. Assim, há os ”baixos ATB, baixos Pristinomacina” (os que prescrevem pouco antibiótico em geral, ou pouca Pristinomacina) e os “baixos ATB, altos Pristinomacina” (que já prescrevem abundantemente o produto promovido). Estes, serão menos visados que os “altos ATB, pequenos Pristinomacina” — pois podem substituir uma parte importante de suas receitas de outros antibióticos em receitas de Pristinomacina.

Evidentemente, essas estratégias não se traduzem mecanicamente em vendas. É necessário que elas sejam postas em prática pelos visitantes médicos. Na França, em 2014 havia dezesseis mil empregados de empresas farmacêuticas, que passavam o tempo todo em reuniões com os médicos. À taxa de duzentos e treze dias de trabalho por ano e seis visitas por dia, são mais de vinte milhões de conversas que travadas, anualmente com os médicos. Essas entrevistas são minuciosamente preparadas. Para aumentar a eficácia, os serviços de marketing redigem por exemplo brochuras apresentando diversos “tipos de perfil” de médicos: a “mulher médica sindicalista”, o “médico amigo”, o “médico cientista”, o “médico estressado”… Essas brochuras são utilizadas no decorrer de seminários de formação para ajudar os visitantes médicos a colocar em prática a “rota de fidelização”, com vistas a conhecer melhor suas metas. Aprendemos , nesses “workshops de produto”, que o médico da família – 55 anos, grande clientela, presidente de um programa de educação médica continuada – é mais “sensível à abordagem humanística do paciente” do que o médico cientista “instalado no campo”, de “contacto muito frio”, ao contrário do namorado companheiro, “alegre, mas um pouco mole.” Uma vez formados neste jogo, os representantes comerciais devem sair a campo para melhorar a “elasticidade” de médicos. Quanto mais um médico é considerado “elástico”, mais receptivo ele é ao discurso indústria farmacêutica.

Ou então, os médicos se tornam cada vez mais críticos, a ponto de fechar suas portas para os visitantes médicos, cujo número caiu depois de dez anos. Esta resistência crescente empurra a empresa a encontrar outras formas de lobbying, mais científicas e menos perceptíveis, particularmente ao dirigir-se a formadores de opinião (chamados KOL, key opinion leaders/líderes-chave de opinião) – ouvidos e respeitados por milhares de prescritores. Assim, a Sanofi procura influenciar docentes de universidades, por vezes percebidos como responsáveis pelo espírito crítico de jovens médicos.

Quando fui estagiário na Sanofi, tive por exemplo de construir “argumentos para decanos”, buscando convencer os mais reticentes em acolher a empresa em suas classes. Os maus resultados de algumas faculdades foram usados – especialmente em Paris-V, onde houve uma queda dramática na proporção de alunos classificados no primeiro trimestre da competição nacional. Esse resultado era explicado, de acordo com a Sanofi, pela personalidade do decano, considerado um dos mais indóceis, por não permitir a livre circulação de panfletos, cartazes e outros produtos de publicidade disfarçada.

Toda essa máquina de influência não funciona sem choque ou oposição. Há, em todos os níveis, dúvidas, dissonâncias, contradições. Certos representantes, particularmente conscientes dos problemas de resistência bacteriana, procuravam, por exemplo, falar com os médicos sobre todos os antibióticos disponíveis e não apenas daqueles que geram mais dinheiro. Eles esforçam-se por tecer laços não comerciais com os profissionais, não hesitam a partilhar suas dúvidas e suas críticas. Mas são encontram frequentemente confrontadas com mudanças arbitrárias, transferências de zona, a chamadas da direção, que são difíceis de contrariar quando pairam ameaças de demissão.

Produzir

“Há dois anos que perdi o sono”

A fábrica em que é fabricado o princípio ativo da Pristinomicina, a partir de bactérias colocadas para fermentar, encontra-se perto de uma volta do Rio Sena, ao sul de Rouen (França), onde são espalhadas diversas indústrias, como as da Total ou da ASK Químicos. Na fábrica da Sanofi, afetada por cortes de pessoal, alguns espaços foram substituídos por retângulos de grama que são alternados com oficinas de atividades, interligados por feixes de tubos de oxigênio, água purificada, solventes, ácidos. Quando se entra pela primeira vez, um odor contrai as narinas: é dos dejeitos agrícolas que as bactérias em fermentação consomem, em quantidade antes, de secretar os princípios ativos. O perfume inebriante de melaço de açúcar de beterraba, que chega na fábrica pelos carros-pipa, domina a atmosfera.

Na oficina de fermentação, o barulho atinge, como hélices de avião em marcha lenta, as longas lâminas de dezenas de fermentadores de duzentos e vinte metros cúbicos, movimentadas continuamente. É aqui que nasce a molécula pristinamicina, que se encontrará nas milhões de caixas acondicionadas na Espanha, depois vendidas em farmácias. Segundo os trabalhadores, o trabalho em si mesmo é interessante e frequentemente imprevisível, pois envolve organismos vivos. Mas as condições são particularmente duras. Os operários trabalham em regime 5 × 8. Significa que são divididos em cinco equipes, que trabalham dois dias das 5h às 12h, em seguida, dois dias das 12h às 20h, e finalmente dois dias das 20h às 5h.

Oficialmente, em seguida eles se beneficiam de quatro dias de descanso. Mas, onze vezes no ano, um desses quatro dias é suprimido, segundo o sistema de “remontagem” sem o qual o tempo de trabalho seria inferior a trinta e cinco horas semanais, a jornada legal na França. Frequentemente, portanto, Não restam mais que três dias de repouso, fortemente encurtados pela noite do último ciclo ou pela manhã do próximo. Quem segue esse ritmo não dorme, jamais, três vezes seguidas no mesmo horário. “O cérebro não é mais capaz de retomar os ritmos de vigília e sono”, diz o Sr. Etienne Warheit, que está no 34º ano de 5 × 8. “Dois anos atrás, perdi o sono e não conseguia mais fazer seis horas por noite. Ficava cansado às 22 horas, mas estava acordado à meia-noite e não havia maneira para dormir antes de 2:00. E vice-versa… chegava ao trabalho, estava cansado, e por isso tomava café. Você torna-se incapaz de fazer o trabalho. Precisa repeti-lo novamente três vezes, porque tem medo de esquecer as coisas, ter cometido um erro, você perde a confiança em si mesmo.”

Quando os trabalhadores acham esse ritmo muito desgastante e querem mudar de horário o gestor se recusa, principalmente porque não tem outros postos para lhes oferecer. O objetivo é primeiro rentabilizar as máquinas, que funcionam permanentemente. Para justificar esse ritmo infernal, a direção esconde-se atrás de uma espécie de determinismo tecnológico: os ritmos da fermentação bioquímica e extração de bactérias tornariam inevitável o sistema 5 × 8. “É óbvio que, numa fábrica como esta, a partir do momento em que a produção é contínua e só pode ser contínua, não é possível fazer de outra forma”, diz o médico da fábrica. Esta explicação científica desestimula a pesquisa de organização coletiva do trabalho. É parte de um discurso mais geral, que pode ser chamado de “biotecnologia”: a fábrica, voltada para produtos do futuro, seria mais semelhante a um laboratório, onde o protesto trabalhista não teria mais razão de ser.

Há, portanto, um abismo entre as práticas concretas do grupo industrial e seu discurso – “O essencial é a saúde”, proclama o slogan inscrito na entrada da fábrica. Mas os protestos, que dão a um dos responsáveis da área de recursos humanos a impressão de “um barril de pólvora”, e que inclusive provocam medo no gerente de “descer” nas oficinas, são integrados à estratégia de negócios da empresa. Ao oferecer a vários trabalhadores a possibilidade de se tornarem técnicos, usando o discurso da biotecnologia como forma de mascarar a realidade da fábrica, a empresa tem conseguido transformar a reivindicação coletiva de unificar todas as forças sindicais em promoção de desejos profissionais individuais. Essa recuperação repousa, notadamente, sobe o medo: durante vários anos, do final dos anos 1990 até 2005, a direção do grupo fez pairar a ameaça de venda da fábrica. Esse cenário, que jamais se concretizou, permitiu sobretudo que os trabalhadores aceitassem uma reestruturação e o corte de 15 dos 77 postos de trabalho no sistema 5 x 8. De ameaçada, a fábrica foi promovida a “unidade piloto” do grupo Sanofi.

Tal virada – que não mudou as condições de trabalho nem os salários – reflete a forte utilidade industrial das bactérias. O “bom da biotecnologia” marca uma orientação geral do capitalismo industrial deste início do século XXI, que desenvolve biotecnologias ditas verdes (agricultura), brancas (indústria), amarelas (tratamento de poluição), azuis (a partir de organismos marinhos) ou vermelhas (medicina). Por causa de todas essas aplicações, os mercados desenvolvem-se, e frequentemente as taxas de lucro são excepcionais, o que explica a razão pela qual a indústria farmacêutica tem comprado, no últimos anos, as empresas de biotecnologia. Em abril de 2011, a Sanofi comprou por 20 bilhões de dólares a Genzyme, uma empresa norte-americana especializada em produtos biofarmacêuticos para esclerose múltipla e doenças cardiovasculares. Esta atração pode ser explicada pelo fato de que as novas moléculas utilizadas no tratamento de muitas doenças não vêm da química de síntese clássica, mas do uso de materiais vivos, muitas vezes geneticamente modificados, que permitem fazer importante economia na produção.

Pesquisar

“O conflito de interesses é permanente”

Nas Jornadas Nacionais de Infectologia da França, dois “espaços” se defrontam. De um lado, o “espaço das marcas”, onde os comerciantes falam da Pristinamicina: 56 estandes de laboratórios farmacêuticos, dispostos em sete fileiras, segundo uma lógica de blocos desalinhados que impõe um deslocamento em zigue-zague aos 1,5 mil médicos inscritos. Do outro, o “espaço das moléculas”: dois auditórios, batizados de Einstein e Pasteur, onde acontecem simpósios científicos. Assim, paralelamente a um desinvestimento na pesquisa privada – a Sanofi fechou, em 2004, seu centro de pesquisa anti-infecciosa de Romainville –, os laboratórios exercem certo controle sobre a pesquisa pública: eles financiam os congressos médicos e influenciam, em contrapartida, a organização científica, material e espacial deles.

Para chegar ao espaço científico das Jornadas de Infectologia, que se encontra do lado oposto da entrada do congresso, os médicos devem passar, no mínimo, diante de treze estandes, cujo aspecto reflete o peso e a influência do expositor. Aos deliciosos petits fours da transnacional Boehringer-Ingelheim, degustados em meio a assentos com design e sob a luz azul de grandes lâmpadas halógenas verticais, responde o suco de maçã, servido sobre uma grande mesa de fórmica coberta de objetos em desordem, oferecido pelo StudioSanté, uma rede francesa de coordenação de cuidados médicos especializada na perfusão em domicílio…

Apesar da aparente separação dos espaços, as ligações entre o universo comercial e o mundo científico são sólidas. Durante o congresso, o principal objetivo das empresas é mostrar a superioridade científica de seus produtos. Os simpósios exibem, portanto, o nome de seus patrocinadores – “Simpósio Bayer”, “Simpósio GSK”, “Simpósio Sanofi” – nos quais se enfrentam os KOLs de cada laboratório. Para assegurar os serviços de médicos influentes, os lobistas dos grandes grupos conduzem um trabalho de fôlego que passa principalmente pela organização de viagens com vocação pseudocientífica. Uma “médica de produto” da Sanofi conta como constituiu o grupo de especialistas de um medicamento apoiando-se sobre os médicos cuidadores que influenciavam os outros “receitadores”. “Eu disse: tenho dez lugares, só quero aqueles que ganham 1 milhão de euros ou mais [em volume de negócios]. No primeiro ano, eu os levei para Cingapura. No segundo, aconteceu de serem no geral os mesmos. Aonde fomos? A Durban [África do Sul]! Um ano depois, estávamos em Cancún [México] e, no seguinte, na Birmânia. É desnecessário dizer – isso não se diz porque não se tem o direito –, mas é assim que você cria parceiros de verdade.”

Reencontramos, na organização dos testes clínicos, uma imbricação similar do valor de troca e do valor de uso. Um dos KOLs da Pristinamicina, o doutor Jean-Jacques Sernine, responsável por alguns testes clínicos, é um dos infectologistas mais renomados da França. Sua carreira foi construída em torno de duas práticas profissionais: a coordenação de testes clínicos para a indústria farmacêutica (sobretudo para Pristinamicina, na Sanofi) e a expertise junto às agências públicas do medicamento. Ainda que não avaliasse os mesmos medicamentos nos dois casos – ou haveria um flagrante conflito de interesses –, ele fazia parte de um pequeno grupo de especialistas que, tomados coletivamente, passava de uma margem para a outra, da indústria farmacêutica à medicina pública. “O conflito de interesses é permanente. O principal deles, quando se está lá dentro, é se interessar pelos antibióticos!”, justifica. “As coisas só são possíveis se há uma troca entre os avaliadores que somos no nível administrativo e a indústria farmacêutica.” Juiz e, em parte, condenado ao conflito de interesses, o grupo social dos especialistas fica dessa forma prisioneiro de sua própria competência.

Tal situação repercute na Agencia Nacional de Segurança do Medicamento e dos Produtos de Saúde francesa (ANSM), cujo trabalho baseia-se inteiramente na expertise. Situada na periferia norte de Paris, ela fica em um imponente prédio com vidros que não têm a graça e a leveza da sede comercial da Sanofi: quando chegamos ali, a porta giratória, temporariamente travada pelas intempéries, estava cercada por uma fita de construção vermelha e branca. Foi por uma porta clássica que tivemos de passar, para chegar a uma sala de espera à qual várias plantas de plástico, com folhas cheias de poeira, davam um ar de gabinete de taxidermista.

Essa desigualdade estética reflete uma profunda ausência de simetria social e econômica, que torna difícil acreditar que a ANSM exerça um contrapoder eficaz. Com efeito, ela muitas vezes não tem o tempo nem os meios de ler e analisar o conjunto dos dossiês de pedidos de autorização de colocação no mercado (AMM) que as empresas fazem chegar a ela. Sernine ironiza sobre um pedido de AMM para o qual ele contribuiu: “Eram 57 volumes de seiscentas ou setecentas páginas cada um, que pesavam 110 quilos e atingiam 2 metros de altura. E era apenas uma parte do dossiê”. Essa situação está longe de ser nova. A crônica jurídica de Bertrand Poirot-Delpech no Le Monde, durante o escândalo sanitário do Stalinon em 1957, já a mencionava como um problema fundamental: “Mestre Floriot, por exemplo, dedicou-se a um cálculo indiscreto. Sabendo que 2.276 vistos tinham sido concedidos em 1953 e que os comissários reuniram-se oito vezes por ano à razão de algumas horas a cada vez, ele chegou ao tempo recorde de 40 segundos por exame de dossiê”4

Hoje, os testes clínicos sobre os antibióticos desenvolvem-se em condições opacas, sobre um fundo de divisão seletivo e mesmo com manipulações de dados. Um teste sobre a utilização da Pristinamicina nos casos de pneumonia ilustra o problema: havia, segundo Sernine, sete fracassos do tratamento para o grupo de pacientes tratados com a droga e somente quatro no grupo de controle. Segundo o especialista, que partilha a opinião da diretora médica do laboratório, teriam sido incluídos doentes em situações a tal ponto severas que requereriam outro tratamento diferente. “Portanto, a conclusão a que cheguei sobre isso é que se trata do fracasso não do antibiótico, e sim da estratégia”. Um argumento surpreendente do ponto de vista lógico: como julgar a eficácia de um medicamento se os pacientes que ele não cura não são imediatamente desqualificados, se se parte do princípio de que ele só é eficaz quando é eficaz?

É difícil para a ANSM desviar-se desse tipo de raciocínio circular no seio de dossiês estatísticos complexos, que hoje substituíram a argumentação baseada no olhar médico que percorre os casos clínicos individuais. Com frequência, essa manipulação dos números conduz a falsificações. Em 2007, o caso do Ketek suscitou várias mortes de pacientes por causa de problemas hepáticos e levou um dos responsáveis pelos testes a purgar uma pena de prisão de dois anos nos Estados Unidos, por ter “inventado” pacientes para inflar artificialmente a eficácia do medicamento. Longe de ignorar o problema, certos dirigentes científicos lembram, vários anos após o escândalo, que para esse medicamento “havia cadáveres nos armários”.

Essa expressão, utilizada por uma das diretoras médicas do grupo, testemunha certo cinismo no interior da empresa, cujos altos executivos interiorizaram profundamente os códigos. Para eles, os interesses do grupo vêm antes da saúde dos pacientes, sempre que surge, entre estes dois sistemas de valores, um conflito. De maneira geral, nos escritórios do serviço médico e nos do marketing reina uma forma de amnésia seletiva do medicamento. A história dos efeitos colaterais imprevistos, dos testes clínicos deturpados e dos escândalos sanitários não é memorizada, e o fracasso clínico não tem o mesmo status do sucesso.

Toca-se aqui num dos problemas de fundo da indústria farmacêutica: o fato de os testes clínicos, ou seja, a prova da eficácia dos medicamentos, serem estabelecidos por aqueles que produzem esses mesmos medicamentos. Alguns chamaram esse fenômeno de dependência de “captura regulamentar” do Estado pelas empresas. Essa engrenagem ressurge a cada novo escândalo: Stalinon (1957), talidomida (1962), Distilbène (1977), Prozac (1994), cerivastatina (2001), Vioxx (2004)… A cada onda daquilo que os tribunais chamam de “homicídios involuntários”, a questão da independência dos testes clínicos volta à tona, mas nunca as reformas que se seguem questionam o regime de propriedade comercial do medicamento.

O problema está profundamente enraizado no sistema econômico, que não é mais moral para o medicamento que para o petróleo ou os cosméticos. Não somente porque são os mesmos acionistas que se encontram nos comandos – a L’Oréal continua sendo a principal acionista da Sanofi, desde a recente saída da Total –, mas também porque a possibilidade de lucrar com os medicamentos aguça os velhos antagonismos entre o valor de uso e o valor de troca.

1 Conduzida no âmbito de um doutorado em Sociologia, esta pesquisa durou quatro anos, durante os quais o autor foi contratado para vários cargos, por exemplo, o de estagiário nos serviços comerciais da Sanofi, operário nas fábricas do grupo etc.

2A economia clássica distingue o valor de uso e o valor de troca de uma mercadoria. Adam Smith distingue, por exemplo, o diamante, com alto valor de troca e fraco valor de uso, da água, com fraco valor de troca e alto valor de uso.

3Os nomes dos funcionários foram modificados para preservar seu anonimato.

4 Bertrand Poirot-Delpech, Le Monde, 1o nov. 1957.

Fonte: OUTRAS PALAVRAS

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Marketing, Terceirização e Laudos Falsos

O problema do “marketing social” é ser mais marketing que social

samarco
Hoje, me deparo com um anúncio da Samarco na homepage da Folha. Outro, imenso, do tipo “pop-up”, do Estadão.
Não fazem menção, mas me dei conta.
É que faz um mês que a barragem de rejeitos da empresa se rompeu, despejou lama, destruiu casas e vidas, algumas no sentido literal, centenas ou milhares no sentido emocional, como se vê no comovente vídeo do jornal O Estado de Minas, que posto ao final.
Fui ver se os relatos da empresa traziam algo de significativo.
Nada.
Parece que está tudo bem para as famílias que perderam tudo.
Uma vez sequer a palavra “responsabilidade”.
A maré de lama nos rios vira “pluma de turbidez”.
O comunicado 89 descreve as sirenes de alerta que nunca tinham sido colocadas.
No 90, para falar dos peixes mortos em Regência, Espírito Santo, diz que “estão sendo removidas do rio as espécies sem vida.”
No 91, afinal, alguma leve menção às culpas da empresa: “Neste momento, estamos sendo muito questionados, mas continuamos firmes para esclarecer os fatos.”
Esclarecimentos, nenhum.
E, embora algumas investigações técnicas possam demorar, outras não estão concluídas inexplicáveis 30 dias depois, como a falta de sistemas de monitoramento e alarme que minimizassem os danos humanos em caso de acidente.
Como sempre acontece nestes casos, a direção da empresa busca dividir as responsabilidades: “Somos mais de 3 mil pessoas orgulhosas do trabalho que realizamos há 40 anos no Brasil.”.
Quantas destas três mil – inclusive algumas que perderam a vida – têm alguma culpa no desastre? Ninguém está questionando coisa alguma sobre os empregados da Samarco, mas seus donos e dirigentes.
Este é o grande problema do “marketing de responsabilidade social”.
Primeiro o marketing, muito.
Depois o social, o mínimo necessário para fazer o marketing.
E por último, a responsabilidade, nenhuma antes do desastre e autolouvação do que faz depois dele.
Fonte: TIJOLAÇO
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Terceirização de laudos pode ser raiz de desastres

No Brasil, empreendimentos pagam empresas privadas para atestar segurança de barragens.
05/12/2015
Por Rafaella Dotta,
De Belo Horizonte (MG)
Crédito: Rodrigo Alves / TV Senado
Há um mês do rompimento da barragem em Mariana, especialistas continuam a debater os motivos e resultados do desastre. Na quinta (3), um debate na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) apresentou a legislação brasileira sobre planos de emergência e responsabilizações acerca de barragens de rejeitos.
A palestrante Karen Alvarenga, advogada e doutora em Economia Agrária pela Universidade de Cambrigde, da Inglaterra, explicou o modelo de Alerta e Preparação de Comunidades para Emergências Locais (Apell), elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para auxiliar os países na prevenção de desastres, “depois de muitos acidentes com barragens”, lembra.
Para a advogada, o Apell é um avanço, mas possui inúmeros procedimentos que as empresas mineradoras não colocam em prática. Um exemplo são os dez passos para a construção do próprio plano, desde o mapeamento de lideranças locais, até os testes práticos realizados com a comunidade. “Isso leva muito tempo, principalmente nas cidades do interior, e os empreendimentos não vão atrasar seus lucros por isso”, critica.
Fiscalização baseada em laudos de terceiros
Na segunda parte do debate, Marcelo Kokke emendou com uma descrição das leis brasileiras sobre licenciamento, fiscalização e responsabilização sobre barragens. Procurador da Advocacia Geral da União junto ao Ibama e doutor em direito pela PUC, Marcelo frisa que o licenciamento ambiental e, principalmente, a fiscalização de barragens são todas feitas via parceira do órgão público com entes privados.
Segundo o procurador, o Brasil usa um modelo comum em vários países, que é trabalhar com laudos feitos por empresas terceirizadas, contratadas pelo empreendimento minerário. Assim, de acordo com a Lei Complementar 140, a fiscalização a barragens é competência do ente licenciador, que no caso de Minas Gerais é o governo estadual, mas que parte de um julgamento prévio dado pelos técnicos contratados.
“Imagine: você é um fiscal. Você tem uma pilha com relatórios, assinados por profissionais, dizendo que a barragem está bem. Você tem uma segunda pilha com barragens mais ou menos. E uma terceira com barragens em estado ruim. Qual você irá visitar primeiro?”, questiona Marcelo. Deve-se lembrar que, apesar das ações do Ministério Público, a barragem de Fundão estava atestada como uma barragem em bom estado.
Responsabilidades
Marcelo Kokke explica que, no Brasil, os danos causados por acidentes de empreendimentos minerários são classificados como “risco integral”. Isso quer dizer que a empresa deve assumir os possíveis problemas ambientais e sociais causados pela sua atividade, ainda que a culpa seja de um engenheiro ou um terremoto. De acordo com a Lei 12.334, é possível cobrar dela a reversão dos danos, as indenizações e os gastos que a União, estados e municípios estão tendo.
“É preciso ficar atento. Pelo histórico de casos, quando a poeira se assenta começam as discussões sobre as responsabilidades. Houve empresas que negaram indenizações porque atingidos tinham apenas provas testemunhais. Ou seja, não tiraram foto ou vídeo dos bens que possuíam. Mas como, se precisou sair às pressas somente com a roupa do corpo?”, questiona o promotor.
Fonte: BRASIL DE FATO
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Mineração: o banqueiro predador e o sonho dos assentados

Empresa do grupo de Daniel Dantas ameaça um assentamento de despejo para explorar jazidas de minerais que deixam um rastro de destruição ambiental

Najar Tubino

EBC
Cáceres (MT) – O assentamento Roseli Nunes está localizado a 90 km da cidade, no município de Mirassol d’oeste (MT), onde 331 famílias, em torno de 1.500 pessoas e uma escola estadual com 400 alunos movimentam a vida de uma antiga fazenda, cujo proprietário – um coronel aposentado, da família Prata – ameaçava os sem-terra de morte. O sonho da terra foi uma luta durante oito longos anos. O assentamento completa 13 anos de existência oficial em 2015, conta com a Associação de Produtores Agroecológicos (ARPA), produz mais de 200 toneladas de hortaliças, distribuídos em escolas, creches e asilos de vários municípios da região.

Nélio Gomes de Souza é o presidente da entidade e também vereador em Mirassol. Ele é mineiro, nasceu em Ipatinga, no Quadrilátero Ferrífero. Fugiu da mineração décadas atrás e agora enfrenta a indústria da extração novamente. Neste caso uma empresa chamada Bemisa – Brasil Exploração Mineral S/A -, controlada pelo Grupo Opportunity, do banqueiro predador Daniel Dantas. Depois que suas relações com o poder na era FHC começaram a dissolver, e as brigas judiciais dentro do setor telefônico aumentavam, nos anos 2000, ele começou a migrar os seus investimentos. Comprou 500 mil hectares de terra no Pará e virou pecuarista. E montou a Global Mine Exploration (GME4) e passou a registrar sucessivos pedidos de lavra no Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM. Em 2009 eram 1.381, envolvendo ferro, ouro, diamante, terras raras e fosfato.

Daniel Dantas e o maior banco de ativos minerais

As notas nas colunas de economia relatavam a última sacada do economista gênio, cria do falecido conterrâneo, Antônio Carlos Magalhães: o maior banco de ativos minerais da América Latina. Na verdade perseguia a trilha de Iene Batista, porém, sem ter um pai especialista em minérios. A Bemisa, criada em 2007, executa estes projetos que eram apenas pedidos de pesquisa de lavra. São oito projetos em seis estados. A única operação mineral começou com a mina Baratinha, no Vale do Aço em 2014. Mas também envolvem o sul do Piauí, onde descobriram mais de dois bilhões de toneladas de ferro e pretendem explorar a partir de 2016, para infortúnio e sofrimento das comunidades de Curral Novo do Piauí assediadas por todos os lados para venderem as terras ou abandonarem a área.

O roteiro dos extratores é velho, autoritário, ultrapassado, fora de contexto, mas continua sendo usado. Primeiro o anúncio de uma grande jazida, como ocorreu em Mirassol d’oeste, em 2010 pelo governador Sinval Barbosa (PMDB) com a descoberta de 450 milhões de toneladas de fosfato e 11 bilhões de toneladas de ferro na região, o que caracterizaria um “novo pré-sal”. Uma mentira que não sustentaram por muito tempo, porque o Serviço Geológico do Brasil confirmou a existência dos minerais, mas no caso do ferro, com apenas 40% de pureza – é preciso 58% para validar a exploração. O fosfato precisaria de mais pesquisas e avaliações. Sem contar que a jazida é intercalada – por rochas fosfáticas e ferro. Uma tecnologia que somente a China possui, segundo comentários dos meios minerários.

Levar pânico aos moradores

Basta uma mentira desse tipo, para logo surgir um bando de aventureiros e especuladores interessados no negócio. E as terras dos assentados do Roseli Nunes abrigam parte da jazida. Na sequência uma geóloga do INCRA visitou o assentamento acompanhada de um engenheiro e pedindo autorização para a realização de sondagens. A gestora da Escola Estadual Madre Cristina, Maria José de Souza Gomes relatou o encontro:

-“Nós fomos surpreendidos. Não tínhamos nenhuma informação. Resolvi perguntar sobre a ordem de serviço do INCRA para saber o motivo do trabalho. Ela não tinha. Ninguém concordou e eles foram corridos”.

Este tipo de expediente é característica destes projetos pelo interior do país. As corporações lidam com a falta de informações, exercem seu autoritarismo com objetivo de assustar os moradores, normalmente despreparados para enfrentar tais situações. Levar o pânico faz parte do negócio, porque elas sempre têm pressa em começar a exploração. No caso do banqueiro predador mais ainda, porque ele recolhe dinheiro no mercado, de cotistas, que tem um prazo para receber o dinheiro de volta com os lucros contabilizados.

Não são milionários, mas produzem comida de verdade.

Ocorreram outros episódios desse tipo, até conseguirem fazer uma sondagem na terra de dois assentados, que quase foram expulsos do assentamento. Em outra ocasião, descobriram que uma equipe de sondagem estava próxima do assentamento e um grupo correu atrás e por pouco não vira uma tragédia, porque eles pretendiam queimar o carro da equipe. O Roseli Nunes é dividido em 23 núcleos, todos com coordenadores, além de uma coordenação geral. As propostas são discutidas nos núcleos e depois levadas à coordenação. Além do trabalho de conservação do ambiente, da água, do solo, da produção agroecológica e da pecuária leiteira eles mantêm uma área social – coletiva – onde produzem verduras, legumes e frutas.

Não são milionários, não exportam commodities, produzem comida de verdade, sem veneno e cuidam da terra como o maior bem que possuem, porque ela registra a história de sofrimento de milhares de vidas. A proposta de exploração mineral na área do assentamento foi rechaçada pela maioria e eles pretendem enfrentar a situação, com tudo o que aprenderam nos últimos 20 anos. O banqueiro predador pode ter certeza que a exploração, como foi divulgada no assentamento, envolver a expropriação de 110 lotes, não será uma batalha simples.

A Bemisa informa em seu site que em 2015 foi concluída a quarta e última campanha de sondagem do Projeto Jauru, é o nome oficial da exploração de fosfato e que ainda foi realizada uma sondagem de 15 mil metros. Também iniciará a construção da planta piloto, que começará operar em 2016 em Mirassol d’oeste, sudoeste do Mato Grosso, onde a linha ferroviária mais perto está em Rondonópolis, no sudeste.

Bemisa vai produzir fertilizantes fosfatados

Qual é a importância do fosfato no Brasil? É a fonte de fósforo dos fertilizantes químicos, sendo que a metade ainda é importada – 80% da rocha fosfática é Abastecida pelas empresas nacionais – basicamente Vale, que comprou a Fosfértil e Ultrafértil, a Cobras, da Anglo American e a Galvani, que tem um complexo de produção de fertilizantes na Bahia. É preciso explicar o seguinte: a Bemisa, conforme informação do presidente, Augusto Cezar Calazans Lopes, executivo com experiência em Private Equity, vai produzir fertilizantes fosfatados, conforme testes da rocha avaliados pela USP, Fundação Gorceix e na UFMG. Os resultados demonstram a viabilidade técnico econômica para produção de concentrado fosfático e fertilizantes fosfatados. Um detalhe: a pesquisa foi financiada em parte com verba do FINEP, uma linha de financiamento público para quem investe em inovação tecnológica.

É uma operação química 

Para explorar o ferro no sul do Piauí, que segundo a empresa custará mais de três bilhões de reais, 55% vai ser requisitado como financiamento via SUDENE.

Aqui é necessário uma explicação: para transformar a rocha fosfática, onde está o elemento P2O5 – pentóxido de fósforo – precisa ser escavada ou explodida. Depois britada e moída, posteriormente lavada e sofrer um choque químico com ácido sulfúrico, senão o fósforo não é concentrado. O pentóxido de fósforo não é solúvel em água e precisa ser acidificado para ser usado como fertilizante. Resumo da ópera: não é uma operação de extração mineral, mas sim uma operação química, por isso mesmo as empresas que fazem a exploração em Cajati (SP), em Uberaba ou Cubatão tem complexos industriais, onde são explorados fertilizantes e produtos intermediários.

O produto básico para chegar aos fertilizantes é o ácido fosfórico, que é o resultado do choque do ácido sulfúrico, depois de filtrado. Para cada tonelada de ácido fosfórico sobra como rejeito cinco toneladas de fosfogesso. No Brasil existem 150 milhões de toneladas de fosfogesso acumuladas. Parte dessa montanha é usada como gesso agrícola, ou industrial – na construção civil e aterros sanitários. Entretanto, o problema e as consequências da mineração sempre está nos detalhes.

“- Todos os fertilizantes fosfatados de acordo com a origem da rocha podem conter vários metais, que podem ser considerados como micronutrientes e metais considerados tóxicos.” Trecho de uma trabalho do IPEN, autarquia associada à USP. O Centro de Tecnologia Mineral (CETEM) é mais claro ao analisar a exploração em Cajati (SP), no Vale da Ribeira:

“- O principal aspecto negativo do fosfogesso é a sua impureza, sobretudo devido a presença de fósforo, metais pesados, radioatividade e acidez residual. Poeira, infiltração no solo e águas ácidas das lagoas de decantação são alguns dos impactos causados pelo fosfogesso no solo”.

Metais pesados e radioatividade

A questão é que no Brasil não existem metodologias específicas e apropriadas para avaliação de metais em fertilizantes e condicionadores de solo, como é chamado o fosfogesso – não é o mesmo gesso oriundo da gipsita, um mineral que é a fonte de quase 100% no Brasil.

Metais como chumbo cádmio e cromo, além do rádio estão presentes na rocha fosfática. Todos considerados tóxicos e cancerígenos mesmo em baixas concentrações. O que os assentados do Roseli Nunes vão enfrentar nos próximos anos é um complexo industrial, equivalente com o da Galvani na Serra do Salitre, em Angico Dias (BA):

-Mina em lavra a céu aberto, usina de concentração, unidades de ácido sulfúrico, ácido fosfórico, acidulação, granulação de fertilizantes e fosfato bicálcico. Mais as barragens de rejeito e as lagoas de decantação. A Serra do Caeté, com sua mata exuberante- transição para a Amazônia-, com a biodiversidade característica, onde se encontra a área da jazida de fosfato na região, numa área de 70km2, será detonada. Seus córregos e nascentes de água secarão. O ar será contaminado pela reação do ácido sulfúrico com a chuva, que gera chuva ácida. Enquanto isso, o banqueiro predador vai valorizando seus ativos até conseguir um comprador, talvez a Sinosteel Corporation, cujos representantes estiveram no sul do Piauí para avaliar a operação do ferro.

Para encerrar: está no boletim semestral do DNPM 2015- “queda nos preços dos metais e fertilizantes que evidenciam menor demanda global por metais, China principalmente, problemas de excesso de oferta, elevados estoques, além da influência do dólar americano. Aumento na oferta de minério de ferro em função da entrada em operação de novas minas e aumentos na capacidade de produção na Austrália e Brasil, além do excesso de oferta de aço na China”. O preço atual do ferro – 63 dólares a tonelada é um terço do maior preço em 2011. A tendência divulgada pelo Banco Mundial: a queda nos preços dos metais e fertilizantes continuará.

Esqueci de especificar: o processo de aproveitamento da rocha fosfática é úmido e como ocorre em outras extrações minerais precisa de muita água. Em Anitápolis (SC), onde a população já enfrenta a extração mineral do fosfato – embora o projeto esteja suspenso, depois da compra pela Vale – a retirada é calculada em 773 m3 por hora, ou o equivalente a 30% da vazão do rio Pinheiros, onde fica o projeto.

Fonte: CARTA MAIOR