Foto “descoberta” pelo
Globo em 2012 é a mesma que o jornal publicou em matéria de 1971. Naquela, o
Globo usou
foto divulgada pelos órgãos de repressão e apresentou a versão deles
como se fosse a verdadeira sobre a prisão, tortura e assassinato de
Raul Amaro
por
Conceição Lemes
Raul Amaro Nin Ferreira, engenheiro, primogênito dos oito filhos do
casal Joaquim Rodrigo Lisboa de Nin Ferreira e Mariana Lanari Ferreira.
Na madrugada de 1º de agosto de 1971, ao voltar de uma festa, Raul
Amaro foi preso por acaso numa batida de polícia na rua Ipiranga, em
Laranjeiras, Rio de Janeiro. Juntos, no carro, Saididin Denne, colega de
Raul no Ministério da Indústria e Comércio, e a esposa Yone.
No porta-luvas, foram encontrados dois “croquis” de ruas de São Paulo
e na bolsa de Yone, um “croqui” de ruas do então Estado da Guanabara.
Nada mais eram do que mapas do percurso da casa de Coleta, irmã de
Raul, na Vila Madalena, até a Via Dutra, para ele não se perder no
bairro e na Marginal do Tietê. O croqui do Rio de Janeiro referia-se ao
endereço de Raul na cidade.
Porém, na versão do Centro de Informação do Exército (CIE), os
“croquis retratavam residências de generais e almirantes”, que seriam
alvo de ação guerrilheira. Raul permaneceu preso. Saididin e Yone foram
liberados.
O relatório parcial da Comissão Nacional da Verdade, divulgado em
2012, concluiu: Raul Amaro Nin Ferreira, 27 anos, assassinado
possivelmente em 12 de agosto de 1971 no Rio de Janeiro, após seguidas
sessões de tortura.
Fato sabido desde 1982 devido à ação movida por sua mãe, ainda sob a ditadura.
Em 1979, dona Mariana entrou com ação na 9ª Vara da Justiça Federal
do Rio de Janeiro: “Queria apenas que o Estado reconhecesse que errou,
torturou e matou meu filho, para que isso jamais aconteça novamente
no Brasil”.
Em 31 de agosto de 1982, a União foi condenada em primeira instância.
Em 1994, saiu a decisão final, fortalecendo a versão da família. Raul
Amaro não teve morte natural, como dizia o laudo da autópsia oficial,
nem sofreu um infarto, como militares disseram à dona Mariana. Raul
Amaro foi assassinado nos porões da ditadura.
O processo trazia ainda depoimentos importantes. Entre os quais, o de
um ex-soldado do Exército, Marco Aurélio Magalhães. Á época, ele
prestava serviço no DOI-Codi/RJ — o Destacamento de Operações de
Informações – Centro de Operações de Defesa Interna, no Rio de Janeiro —
e viu Raul Amaro ser torturado nas dependências daquele órgão.
A tragédia destroçou a família. Tanto que o sentimento geral,
principalmente depois da morte de dona Mariana, em 2006, era de não
tocar no assunto.
Até 17 de julho de 2012, quando saiu a reportagem
Foto localizada pelo Globo revela: preso chegou ao Dops vivo, que mencionava documentos do Serviço Nacional de Informações (SNI) existentes no Arquivo Nacional.
A matéria e o ambiente de Comissão Nacional da Verdade sacudiram
Felipe e Raul Carvalho Nin Ferreira, sobrinhos de Raul Amaro, que
decidiram ir além.
“Aí, tivemos a certeza da existência de uma farta documentação, que a
família jamais teve acesso”, contam. “Nossa primeira iniciativa foi
contatar Marcelo Zelic, para que, com sua experiência, nos ajudasse a
fazer a pesquisa nos arquivos públicos.”
Marcelo Zelic é coordenador do Projeto Armazém Memória e
vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais – SP. É também um dos
responsáveis pela publicação do
Brasil Nunca Mais Digital.
“Felipe e Raul expuseram o desejo de continuar apurando o caso do
tio, dando sequência ao trabalho da avó, dona Mariana”, relata Zelic.
“Topei imediatamente.”
O resultado é o
Relatório Raul Amaro Nin Ferreira, que o
Viomundo
publica em primeira mão. De autoria de Felipe Carvalho Nin Ferreira,
Raul Carvalho Nin Ferreira e Marcelo Zelic, ele tem 226 páginas e está
integralmente no final desta reportagem.
Baseado em documentos do Estado brasileiro, produzidos pelas forças
de segurança e pelo Judiciário, e em entrevistas com pessoas
participaram dos fatos, este relatório desmonta de vez a versão oficial,
difundida num texto produzido pelo Centro de Informações do Exército
(CIE). Além disso, traz novas informações em relação ao que já se
conhecia sobre o caso.
HÁ INDÍCIOS DE O ÓBITO TER SIDO NO DIA ANTERIOR AO CITADO NA AUTÓPSIA
O Brasil vivia o auge da ditadura civil-militar, o general Emílio Garrastazu Médici (1969 a 1974) era o presidente.
Raul Amaro não era um militante da luta armada, como os informes da ditadura diziam.
Ao contrário, no início da sua juventude, até chegou a ver com bons
olhos o Golpe de 1964. Mas, aos poucos, foi mudando. Participou das
passeatas de 1968. Na época em que foi preso e assassinado pela
ditadura, era simpatizante do MR-8 – o Movimento Revolucionário Oito de
Outubro, uma dissidência do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no Rio
de Janeiro.
Seu único contato era Eduardo Lessa, colega de PUC, este, sim,
militante do MR-8. Às vezes deixava que Lessa imprimisse material
político em sua casa. Outras, deixava que ficasse em sua casa.
Raul Amaro foi preso no contexto da caça ao capitão Carlos Lamarca,
que rompera com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e tinha ido
para o MR-8. O raciocínio dos agentes da ditadura era que, via Raul
Amaro, se chegaria a Eduardo Lessa e de Lessa a Lamarca.
Por sinal, foi a partir de agosto de 1971 que as torturas no
DOI-Codi/RJ ficaram mais sofisticadas, segundo o ex-soldado Marco
Aurélio Magalhães, que viu Raul Amaro ser torturado no DOI-Codi. Em
entrevista à
Folha de S. Paulo, ele descreve as mudanças nas técnicas de tortura:
A partir de agosto de 71 as torturas
ficaram mais sofisticadas. Quando eu cheguei, as torturas, os métodos de
obterem confissão, eram basicamente a força física. Muito pescoção,
muito tapa, muito soco, muito chute, vez ou outra choque elétrico nos
dedos e órgãos genitais. Às vezes introduziam objetos na vagina ou no
ânus. Estes eram os métodos iniciais. Eu entrei em maio, tive um mês de
preleção, comecei a dar guarda em junho e mais ou menos em, agosto
começaram as obras na parte térrea do prédio do PIC para construção de
celas mais sofisticadas. Eles construíram lá em baixo quatro celas.
Construíram uma cela-geladeira, onde realmente se chegava a baixíssimas
temperaturas, uma câmara toda forrada de isopor e amianto. Construíram
também uma cela com vários botões do lado de fora com os quais você
controlava e emitia ruídos e sons altíssimos para o preso ter sensações
de desequilíbrio. Tinha uma cela totalmente negra, onde a pessoa não
enxergava nada e não conseguia nunca acostumar a visão àquele grau de
escuridão. Em compensação, tinha uma cela toda pintada de branco onde os
presos perdiam a noção de hora, de tempo. Os presos lá em cima, do
segundo andar, onde estavam as celas comuns, se guiavam pelos toques do
corneteiro, para saber se estava amanhecendo, se o coronel estava saindo
ou chegando, se era hora de almoço. Os presos que ficavam nas celas
totalmente isoladas perdiam a noção de tempo e de espaço.
Até agora, supunha-se que:
Após ser preso na blitz em Laranjeiras, Raul Amaro foi para o Dops,
na rua da Relação, 40, centro do Rio. Em seguida, depois de fichado, foi
levado à casa de seus pais para pegar a chave da sua casa. Da sua casa,
teria voltado para o Dops e depois ido para o DOI-Codi, que funcionava
no Quartel do 1º Batalhão da Polícia do Exército, na rua Barão de
Mesquita, 425, Tijuca.
“Porém, os documentos revelam que, depois que saiu de sua casa e
antes de retornar ao Dops, Raul Amaro foi interrogado não sabe onde por
agentes do Dops e do DOI-CODI”, revela Zelic. “Raul ficou, pelo menos,
quatro horas, em lugar ignorado antes de dar entrada como preso no
Dops.”
Supunha-se também que:
No dia 4 de agosto de 1971, Raul Amaro foi transferido para o
Hospital Central do Exército (HCE), tendo falecido em 12 de agosto às
15h50, segundo o atestado de óbito.
Tudo indica, no entanto, que Raul Amaro faleceu antes.
Para começar, a própria família foi avisada do falecimento antes do
horário que consta oficialmente no atestado de óbito. O relato é da
própria mãe:
Por volta de 14,30 horas o Hospital
Central do Exército procura pelo telefone os pais de Raul Amaro. Sua
mãe, primeira localizada, chegou ao Hospital Central do Exército
acompanhada de seu genro Dr. Raul Figueiredo Filho, por volta de
15,30 horas. Raul Amaro falecera antes das 14,00 horas.
“Além disso, relatório do DOI-Codi de 11 de agosto aponta que ‘não
houve tempo para inquirí-lo [Raul] sobre todo o material encontrado em
seu poder’”, observa Zelic. “O que indica que Raul pode ter morrido um
dia antes da data oficial, portanto em 11 de agosto, durante novo
interrogatório no HCE.”
O relatório a que se refere Zelic é um documento encaminhado, no dia
12 de agosto de 1971, pela direção do DOI-Codi ao investigador Eduardo
Rodrigues. Lá consta a análise do interrogatório a que foi submetido
Raul Amaro no dia 11 de agosto. Ele termina assim: “não houve tempo de
inquiri-lo sobre todo o material encontrado em seu poder”. Os grifos em
vermelho no documento abaixo são desta repórter.
Eduardo Rodrigues era do DOPS/RJ. Ele foi um dos policiais
autorizados pelo general Sylvio Frota, comandante do I Exército, a
entrar no HCE, no dia 11 de agosto, para interrogar Raul Amaro.
Documento logo abaixo abaixo comprova isso. Eduardo Rodrigues consta como torturador no
Relatório Brasil Nunca Mais.
RAUL AMARO PODE TER SIDO TORTURADO NO HOSPITAL CENTRAL DO EXÉRCITO
Na época, o diretor do HCE era o general Ruben do Nascimento Paiva.
Dona Mariana relata:
O Diretor General Rubens nos disse que
Raul Amaro deu entrada no HCE na quarta-feira, 4 de agosto, sem nome e
sem informação alguma sobre o que lhe tinha acontecido.
Até agora, supunha-se que:
Raul Amaro teria ficado em tratamento no HCE ,de 4 a 12 de agosto de 1971, quando faleceu, segundo o atestado de óbito.
“Acontece que Raul Amaro foi interrogado no dia 11 de agosto de 1971
no Hospital Central do Exército”, diz Zelic. “Há um ofício desse mesmo
dia, encaminhado ao diretor do HCE, general Ruben do Nascimento Paiva,
por ordem do general Sylvio Frota, para interrogar Raul Amaro.”
No documento (imagem abaixo), o comandante do I Exército, Sylvio Frota,
“apresenta
o Comissário Eduardo Rodrigues e o Escrivão Jeovah Silva, ambos do
DOPS, que vão a este hospital, a fim de interrogarem o preso Raul Amaro
Nin Ferreira” (grifo dos autores do
Relatório Raul Amaro).
“Não há qualquer registro de transferência de Raul Amaro do HCE para
outro local para ser interrogado, porém há documento com informações
dadas por ele em interrogatório no dia 11 de agosto”, chama a atenção
Zelic. “Isso levanta a hipótese de que Raul Amaro foi interrogado sob
tortura, até a morte, dentro do próprio hospital. Além dos dois agentes
do Dops, devem ter participado dois do DOI-Codi/RJ”
DO GENERAL SYLVIO FROTA E AUXILIARES DIRETOS AO PORÃO: 17 AGENTES ENVOLVIDOS
Até agora, sabia-se que:
Raul Amaro foi transferido do Dops para o DOI-Codi/RJ em 2 de agosto de 1971.
No DOI-Codi, foi interrogado durante quase todo o dia 3, conforme
depoimento do ex-soldado Marco Aurélio Magalhães na ação movida pela
família de Raul Amaro.
Magalhães viu Raul ser torturado e mencionou o envolvimento de três militares, mas não identificou os nomes.
“Porém, cruzando documentos oficiais das forças de segurança e do
Judiciário, conseguimos ampliar a lista de três pessoas sem
identificação, até então apontadas no processo da família, para 17
nomes de agentes do Estado implicados diretamente na prisão ilegal e
assassinato sob tortura de Raul Amaro”, afirma Zelic. “Houve
participação direta do comandante do I Exército, general Sylvio Frota, e
auxiliares imediatos com os agentes torturadores do Dops.”
“Na verdade, o Ofício do I Exército ao Diretor do Hospital Central
do Exército mostra o vínculo efetivo entre o comando e o porão,
vinculação que sempre foi negada”, atenta Zelic. “ Sempre se atribuiu ao
porão características de ação paralela e fora da estrutura do Estado, o
que é falso.”
Os 17 agentes do Estado denunciados no
Relatório Raul Amaro são estes:
1. Sylvio Frota – General do Exército – Comandante do I Exército
11/08/1971 — Enviou ordem autorizando interrogatório de preso no hospital.
28/08/1971 — Recebeu solicitação da OAB-GB para acesso aos documentos do Raul e negou.
2. Francisco Demiurgo Santos Cardoso - Major do Exército – atuação QG I Exército
11/08/1971 — Na ausência do General de Brigada Bento José Bandeira
de Mello, chefe do Estado Maior do I Exército, assinou autorização
para “interrogatório” no HCE.
3. João Pinto Pacca – General – Chefe do DOI/IEx – BNM- Repressor
02/08/1971 — Raul Amaro é encaminhado do DOPS ao DOI- CODI sob sua
responsabilidade, conforme relatório de Mário Borges, Chefe do SBO.
12/08/1971 — Envia cópia de toda documentação sobre Raul Amaro a Eduardo Rodrigues através de ofício, conforme entendimentos.
4. Nome desconhecido – Capitão do Exército – DOI / I Exército
02/08/1971 — Conduziu Raul Amaro ao DOI.
03/08/1971 — Torturou Raul Amaro no DOI-CODI I Exército.
5. Nome desconhecido – Sargento do Exército – PE – Atleta do batalhão em 1971
03/08/1971 — Torturou Raul Amaro no DOI-CODI I Exército.
6. Nome desconhecido – Médico Exército – Amílcar Lobo ou Ricardo Agnese Fayad
03/08/1971 — Acompanhou a tortura monitorando limite do preso.
7. Gastão Barbosa Fernandes – Diretor do DOPS/GB
01/08/1971 — Raul Amaro ficou sob sua responsabilidade direta ao chegar no DOPS.
18/08/1971 — Participou da farsa do Relatório Final do CIE.
8. Mário Borges – Chefe do Serviço de Buscas Ostensivas (SBO) – DOPS/GB
No
Relatório Brasil Nunca Mais seu nome consta do Quadro 103 : elementos envolvidos em tortura.
01/08/1971 — Comandou a prisão ilegal.
01/08/1971 — Levou Raul a lugar ignorado ou clandestino.
02/08/1971 — Produziu relatório sobre a prisão.
04/08/1971 — Recebeu Registro Técnico via Diretor do DOI.
18/08/1971 — Participou da farsa do Relatório Final do CIE.
9. Ricardo Boueri – Agente do DOPS, chefe da equipe de busca
01/08/1971 — Realizou a prisão ilegal.
10. Wilson de Oliveira Souza – Delegado – Turma de Busca Ostensiva
01/08/1971 — Realizou a prisão ilegal.
05/08/1971 — Recebeu relatório sobre prisão.
05/08/1971 — Despachou soltura de Saididin Denne e esposa.
12/08/1971 — Solicitou atualização de dados sobre a morte de Raul Amaro no arquivo.
11. Hugo Correa de Mattos – Agente da Turma de Busca Ostensiva
01/08/1971 — Realizou a prisão ilegal.
12. Milton Rezende de Almeida – Agente da Turma de Busca Ostensiva
01/08/1971 — Realizou a prisão ilegal.
13. Francisco Machado Avila Filho – Agente da Turma de Busca Ostensiva
01/08/1971 — Realizou a prisão ilegal.
14. Tenil Nunes – Agente da Turma de Busca Ostensiva
01/08/1971 — Realizou a prisão ilegal.
15. Eduardo Rodrigues – Comissário – DOPS/GB
No
Relatório Brasil Nunca Mais seu nome consta do Quadro 103 : elementos envolvidos em tortura.
06/08/1971 — Recebeu relatório sobre prisão.
06/08/1971 — Abre inquérito nº 40/71 (encarregado).
11/08/1971 — Realizou interrogatório no hospital.
12/08/1971 — Recebe do general João Pinto Pacca cópia de toda documentação após morte de Raul Amaro.
18/08/1971 — Produziu novo auto de apreensão e nova lista de material apreendido.
15/09/1971 — Produziu relatório final do inquérito nº 40/71.
16. Jeovah Silva – Escrivão – DOPS/GB
11/08/1971 — Realizou interrogatório no hospital.
17. Macuco Janine – legista do HCE
– Por que o general Ruben do Nascimento Paiva, diretor do Hospital
Central do Exército, ficou de fora da lista dos envolvidos? –
questionamos Zelic . – Considerando que Raul Amaro teria sido torturado
até a morte no próprio HCE, o general não deixou a tortura correr
solta?
“Com base no documento que reunimos, nós não podemos dizer que o
general Ruben participou, podemos dizer apenas que foi omisso”, pondera
Zelic.
“É razoável supor que, no dia 11 de agosto, ao ser avisado da
chegada de agentes do Dops ao HCE para interrogar Raul Amaro, ele teria
impedido ou, no mínimo, dificultado, mostrando que Raul não tinha
condições e que interrogatório só com ordens superiores. Daí o ofício
do dia 11 de agosto. É uma ordem direta do comandante do I Exército ao
diretor do HCE, para que os agentes adentrassem na instituição para
fazer o interrogatório.”
“Além disso, no dia 12, o general Ruben tentou mostrar à dona Mariana
que ele não tinha nada a ver com aquilo”, acrescenta Zelic. “Que ele
recebeu ordens superiores.”
FOTO DESCOBERTA PELO GLOBO EM 2012 É A MESMA DA FARSA PUBLICADA EM 1971
Outra revelação do
Relatório Raul Amaro. Ironicamente, a foto “descoberta” no Arquivo Nacional pelo
Globo, em 2012, é a mesma publicada em 28 de agosto de 1971. Naquela data, o próprio
Globo publicou, com a foto recebida dos órgãos de segurança da ditadura, a matéria
EXPLICAÇÃO DA MORTE DO ENGENHEIRO.
Reproduzia como se fosse verdadeira, a versão oficial dos órgãos da
repressão, com explicações muito próximas àquelas contidas na
Informação nº 2298/71-S/103.2, do Centro de Informações do Exército (CIE).
Na ocasião, o
Jornal do Brasil se negou a publicar a versão oficial, como observa em letra de próprio punho, na lateral, dona Mariana, mãe de Raul Amaro.
Como a cópia do recorte da matéria de 1971 dificulta a leitura, transcrevemos abaixo a notícia do
Globo:
Vítima de edema pulmonar, após oito dias
de hospitalização, faleceu em 12 de agosto de 1971 o subversivo RAUL
AMARO NIN FERREIRA, codinome “EULÁLIO”, que fôra preso a 1 de
agosto, quando conduzia no interior de seu automóvel, documentos
terroristas originários do MR-8.
Com sua prisão foi possível chegar ao
“aparelho” dessa organização terrorista situado à Rua Santa Cristina, 46
apto. C-01, Santa Teresa – GB, tido aparentemente como residência de
RAUL AMARO, mas que atuava como célula do “Setor de Agitação e
Propaganda” do MR-8.
Segundo seu próprio depoimento, o citado
“aparelho” fora organizado por ele sob a orientação do terrorista
foragido EDUARDO LESSA PEIXOTO DE AZEVEDO, o “CAIO”.
Recolhido, finalmente, à prisão, não
conseguiu alimentar-se, passando a apresentar, após dois dias, sintomas
de fraqueza e convergência de pressão arterial, fato que ocasionou a sua
hospitalização.
RAUL AMARO NIN FERREIRA (“EULÁLIO”) era
brasileiro, nascido na Guanabara a 2 de Junho de 1944, filho de
Joaquim R. Ferreira e Mariana L. Ferreira. Trabalhava como engenheiro
contratado do Ministério da Indústria e Comércio, no Conselho de
Desenvolvimento Industrial.
Nas inquirições declarou-se “aliado do
MR-8”, cumprindo para essa organização algumas tarefas que lhe eram
transmitidas pelo terrorista EDUARDO LESSA (“CAIO”).
Para o exercício dessa atividade, o
“aparelho” possuia mimeógrafo, máquinas de escrever e duas
estações de rádio, ambas com receptor e transmissor de alta
potência, para os contatos da organização com os seus militantes em
outros Estados.
Encontram-se entre eles, um documento sobre reconhecimento de casas de generais e almirantes.
Todo o material apreendido no
“aparelho”, inclusive vasta literatura subversiva e documentos de
instrução terrorista está sendo examinado.
Ainda entre aqueles documentos, dois
são da autoria de RAUL AMARO, intitulados “Contribuição à tribuna de
debates” e “A Vanguarda Armada está isolada”, guardados ainda
no “stencil”, e que apresentam referências e dados de acentuado
valor, inclusive alguns restritos às esferas governamentais, além de
realçar em estilo fluente e técnico aspectos econômicos.
RAUL AMARO era também encarregado de
redigir e difundir cartas às autoridades educacionais e aos
universitários, concitando-os à revolta contra o Governo, tendo como
fundamento a “pena de morte”.
Colaborava Raul com o “CAIO” e outros
elementos do MR-8, ainda não identificados, na transmissão de
mensagens através das estações de rádio e no preparo de croquis
para o levantamento de áreas previstas para a ação dessa organização.
No ato da prisão foram apreendidos croquis de áreas das cidades do Rio
de Janeiro e de São Paulo
RAUL AMARO NIN FERREIRA militava no
MR-8, apesar da sua vida legal. Era considerado e gozava de bom
conceito no círculo de suas amizades, que desconheciam suas atividades
clandestinas e contra a Segurança Nacional.
“O
Globo foi tão enfático na sua adesão à versão
dos militares, que chegou a inventar o codinome “Eulálio” para
Raul Amaro”, ironiza Zelic. “ A foto que o jornal localizou no Fundo
do SNI, no Arquivo Nacional, não teria sido achada nos seus próprios
arquivos?”
SOLICITAÇÕES À COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE E AO MINISTÉRIO PÚBLICO
Diante dessas descobertas e do que falta esclarecer, o
Relatório Raul Amaro faz várias reivindicações à Comissão Nacional da Verdade e ao Ministério Público Federal, entre as quais estas:
1. Convoquem os agentes do Estado envolvidos, ainda vivos, para
prestar depoimentos e dar mais detalhes sobre os fatos aqui tratados.
2. Identifiquem os três nomes desconhecidos apontados na lista de
agentes envolvidos na tortura e assassinato de Raul Amaro. Uma forma de
levantar tal informação é exigir a apresentação da lista das
transferências ocorridas do I Exército para outras unidades da
instituição, nos meses de agosto, setembro e outubro, e para onde foram.
3. Convoquem o Sr. Saididin Denne e a Sra. Yone da Silva Denne para
prestar depoimento e ajudar a esclarecer as circunstâncias ligadas ao
momento da prisão de Raul Amaro.
4. Identifiquem o local clandestino para onde Raul Amaro foi levado
sob “responsabilidade do Exército brasileiro”, conforme dito por Mário
Borges, entre o momento em que foi levado de sua casa até dar entrada no
DOPS-GB, no dia 1º de agosto de 1971.
5. Exijam das instituições, públicas e privadas, que ainda possuam
documentos relativos à memória de Raul Amaro, e de outras pessoas que
tenham sido vítimas da repressão, que os tornem públicos o mais rápido
possível. Um bom exemplo é a Ordem dos Advogados do Brasil, seção Rio de
Janeiro.
“Além disso, como reparação da verdade, é necessário que o
Globo se retrate publicamente com relação à matéria publicada em 28 de agosto de 1971″, afirma Zelic.
“As informações ali divulgadas foram consideradas
comprovadamente falsas, seja pelo que consta da sentença da ação
declaratória nº 241.0087/99 da 9ª Vara da Justiça Federal do Rio de
Janeiro, seja pelo que trazemos mais detalhadamente no relatório”,
conclui.
Para acessar o acervo mais de 500 páginas de documentos sobre o caso de Raul Amaro, vá ao Armazém da Memória, aqui.
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Veja também:
Fonte: VI O MUNDO
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Colunista sênior do The New
York Times, Joe Nocera, escreveu sobre o Brasil na segunda feira agora,
dia 20, apontando a surpresa que lhe despertou a cidade do Rio de
Janeiro. Muniu-se de mais informações após sua viagem de volta aos
Estados Unidos, reunindo-se com alguns economistas para procurar
entender o que se passava com o país em particular onde se apoiavam seus
pilares econômicos.
Chamou-lhe a atenção, o que os brasileiros
já sabiam, a variedade de boas lojas em bairros como Ipanema e
igualmente a quantidade de pobreza nas favelas ao redor. Segundo ele,
para os visitantes, saltava aos olhos o número de cidadãos de classe
média pelas ruas em meio aos carros por todos os lados e o tráfico
congestionado. Por não ser ilusão o que via, passou a acreditar que tudo
aquilo era sinal de uma classe média emergente. As pessoas tinham
dinheiro para comprar carros.
Foi preciso que um jornalista com
visão limpa viesse do exterior, exatamente dos Estados Unidos, país cuja
cultura nos é bem conhecida, para informar aos brasileiros o óbvio
ululante, salve Nelson Rodrigues, já que os profissionais dos nossos
jornalões e televisões de plantão não informam por não saberem ver ou
não conseguirem enxergar.
Se tivesse dito só isto já era o
suficiente para mostrar que as mídias sociais, baluartes modernos da
resistência informativa, veem como ele o país. Mas suas observações
foram mais carregadas ainda de tinta ao destacar a queda na desigualdade
de renda na última década, os recordes atuais do baixo desemprego e a
saída da pobreza de cerca de 40 milhões de pessoas. Por fim, ainda
assinalou que, embora o crescimento do produto tenha reduzido, a renda
per capita continua a subir.
Já os economistas reunidos com ele
relativizaram as conquistas. Disseram que a boa forma da economia
brasileira tem voo curto a despeito dos ganhos obtidos.
Estariam
faltando ganhos em produtividade para sustentar a volta dos
investimentos. O baixo desemprego dos que querem trabalhar seria porque,
enquanto a economia cresce pouco e com eficiência contida, o Estado
compensa incentivando o consumo com programas sociais. Para eles o país
teve mais sorte do que sucesso.
Não é sorte, embora os santos
possam ter ajudado! Com a retração dos investimentos, apesar do esforço e
incentivo do governo, a estratégia de expansão do consumo foi
estabelecida para segurar a economia, mesmo a crescimento baixo,
exatamente nesses anos de vacas magras desde o início da crise
financeira mundial com a quebra do Lehman Brothers. O Brasil foi um dos
poucos países que suportaram o baque, outros entraram em recessão ou
mais leves ou mais graves, todos eles fazendo o dever de casa imposto
pelas autoridades financeiras mundiais de ajustar e pagar suas dívidas
públicas e privadas, desviando os olhos dos impactos sociais. Pois
então, enquanto o Brasil cresce devagar, a economia mundial não
conseguiu ainda se levantar.
De fato, o viés de consumo da
política econômica é opção do governo que deu certo interna e
externamente. Aqui, liderado pelos programas sociais somam-se outras
medidas complementares, entre elas, correções maiores que a inflação no
salário mínimo, aposentadorias e pensões e repasses parciais à gasolina
dos aumentos de custos. Lá fora, os economistas com ele reunidos não
viram: o próprio governo dos Estados Unidos e a ONU se interessaram pelo
Programa Bolsa Família e pretendem implementá-lo para reduzir o
desemprego, melhorar a renda familiar e sustentar o consumo. Joe Nocera
destaca o papel do programa e compara seu êxito com a recusa do
Congresso americano em melhorar o seguro desemprego e outros programas
sociais naquele país.
Do lado do investimento, os economistas se
esqueceram de mencionar que há muitas fichas apostadas na expansão e
modernização da infraestrutura e na exploração do pré-sal não só pelos
efeitos produtivos diretos, mas também pelos efeitos indiretos. Um forte
incentivo e impulso do complexo industrial são esperados, o que tem
tudo para promover a volta de novos projetos e a expansão de muitas
plantas industriais existentes. Seguras e concretas alternativas
brasileiras mesmo diante da crise mundial que arrasta as economias dos
países.
Ao contrário do Brasil, o jornalista afirma que a
produtividade americana voltou a crescer, mas apesar disso o desemprego
não desce dos 7% e a classe média aos poucos perde posição social (em
parte por conta de não serem distribuídos melhor os ganhos de
produtividade). Diz taxativamente que a desigualdade de renda é um fato
na vida dos Estados Unidos e ninguém tem sido capaz de fazer alguma
coisa a respeito. Será que no fundo querem seguir a receita desandada do
Brasil de esperar o bolo crescer para distribuir algumas migalhas?
O
objetivo do governo atual e dos dois anteriores no Brasil foi
exatamente garantir o desenvolvimento com a melhoria das condições de
vida da população, em especial dos mais pobres; os Estados Unidos querem
o desenvolvimento a qualquer custo. Infelizmente só o jornalista
americano consegue entender isto, parabéns!, os nossos da grande mídia
não.