segunda-feira, 4 de março de 2013

Uma Pintura Medieval







A foto acima foi publicada, hoje, 04.03.13 no jornal on line Folha de SP. 








Segundo a Folha de SP a foto mostra os cardeais chegando ao Vaticano para o conclave que escolherá o sucessor de Bento XVI.

Analisando as roupas da guarda, que fazem uma saudação militar para os cardeais, e as vestes dos cardeiais , muito pode ser entendido sobre o processo de escolha do novo papa e até mesmo sobre o Vaticano.

O respeito e submissão hierárquica estão alí presentes.

Os trajes medievais da guarda .

Os trajes dos cardeiais.

O olhar de um homem na porta, observando e dando passagem, com certo respeito e admiração,  a chegada dos poderosos cardeais.

Não fossem as portas de vidro e uma suposta coluna do prédio, também supostamente revestida com aço escovado, poderíamos afirmar que se trata de uma pintura, uma relíquia de artistas da era medieval.


As vestimentas da guarda, ao melhor estilo da carnavalesva Rosa Magalhaẽs, estão impecáveis.
 
Ainda os três cardeias que podem ser vistos na foto, revelam o peso em seus ombros, devido a curvatura dos mesmos.

As cores amarelo e lilás, nas roupas da guarda, simbolizam a razão  ( amarelo) e a emoção ( lilás).

Curiosamente, também são as cores da nova era, do movimento new age.

O mais revelador é que os poderosos cardeias aparecem todos de costas, assim como a própria Igreja, que desde longas datas deu as costas para sua verdadeira função.







domingo, 3 de março de 2013

Ecosocialismo

UMA AGENDA À PROCURA DE UM PARTIDO
O PT não ganhou com a saída de Marina Silva, que deixou o partido em agosto de 2009. 
E Marina ainda  precisa provar que a ruptura fortaleceu a agenda ambiental no país.
Quatro anos e 18 milhões de votos depois, Marina articula  um novo partido. 
A 'Rede' flerta com a trama evanescente da 'terceira via': nem de esquerda, nem de direita; nem oposição, nem situação. 
Há um tipo de neutralidade que só enxerga os erros da esquerda. 
E costuma rejuvenescer o cardápio da direita, sempre que esta se ressente de  espaços e bandeiras para disputar o poder.
O ambientalismo  precisa decidir se quer ser uma tecnologia  ou uma proposta de nova sociedade
Um guia de  boas maneiras para o 'capitalismo sustentável'; ou um projeto alternativo à  lógica desenfreada de exploração da natureza e do trabalho. 
Não são escolhas postergáveis. 
O mesmo se pode dizer em relação às do  PT.
A dissociação entre a sigla e o empenho específico em evitar que a humanidade  seja jogada a um ponto de não retorno no século 21 não deixa o partido em situação confortável. 
Não se trata apenas de um problema eleitoral. 
Trata-se de oferecer respostas estratégicas à mais importante fronteira de atualização do campo da esquerda em nosso tempo: a busca de um ponto de encontro entre socialismo, desenvolvimento e sociedade sustentável.
Seria encorajador se o 'think tank' do PT, a Fundação Perseu Abramo, reavivasse esse debate adormecido no interior do partido. 


 Florestas Sustentáveis, Aldeias  Sustentáveis ,Vilas Sustentáveis, Cidades Sustentáveis, Países Sustentáveis


Nenhum partido brasileiro se aproxima do equilíbrio entre socialismo, desenvolvimento e sociedade sustentável.
E o pior, nenhum trilha pelos três caminhos ao mesmo tempo.
Talvez no mundo seja difícil encontrar uum partido que harmonize a agenda. 
Na América do Sul, ainda que com dificuldades, podem ser citados Bolívia e Equador buscando esse equilíbrio.
O desenvolvimento com sociedade sustentável é impossível no capítalismo.
O capitalismo não é domesticável. 
Ou ele existe em sua lógica predatória, ou não existe.
A ambição intrínsica do capitalismo não aceita freios para a impulsividade sem limites.
Em sua essência o capitalismo sofre de TOC ( Transtorno obsessivo compulsivo)
O único caminho é por um  socialismo  que seja democrático.
No Brasil, pelo caminho do socialismo o PT estaria na frente, no desenvolvimento também, mas em sociedade sustentável não está em lugar nenhum, assim como todos os outros partidos.
O Partido Verde - PV - está inserido no capitalismo e trabalha com a visão de uma ecologia cinza, urbana, que visa maquiar espaços sem  futuro, para que consumidores sejam menos tristes em meio aos ferros coloridos em que se encontram por horas diariamente.
Não questiona a lógica do capitalismo e rejeita o caminho socialista.
Não se apresenta de direita nem de esquerda, e ainda se diz diagonal oscilando entre o nada e o adan.
A Rede  de Marina segue um caminho não menos diferente.
Não se diz de esquerda, nem de direita , nem de centro, mas a frente.
Ainda não se sabe a fente de quê.
Da Igreja Católica ? Talvez , pelo viés evangélico de sua fundadora essa seja a frente.
Muito pouco, ou quase nada em termos de conteúdo.
Fala de uma nova economia que o PT desconhece.
Talvez se referindo ao fim do trabalho como se conhece e a necessidade de se criar novas formas de produção, trabalho e renda.
PV e a Rede talvez estejam pensando em criar shoppings centers  ecológicos e parques de diversões verdes.
É muito pouco.
Nada falam sobre a presença do estado na economia, nem sobre a ausência dele.
A diagonal e a tangente.
Em breve teremos o raio e o diâmetro, o seno e o coseno.
O PT tem a obrigação de dar uma nova direção que harmonize o tripé, criando políticas para serem implementadas em escala de teste, piloto e em âmbito nacional.
Poderia se utilizar do Pacto Amazônico e envolver os países do Pacto, principalmente nas questões que envolvem uma região em que vários  países estão envolvidos.
A região se desenvolvendo de forma sustentável, com a floresta em pé, peroduzindo produtos e serviços contempla , pelo menos em parte, a idéia de uma nova economia , gerando emprego, renda e divisas.
Sem diagonais ou tangentes, no caminho de um ecosocialismo democrático, pelo menos para a floresta  e envovlvendo os países nela inseridos.
O clima agradece. 
O Pantanal e o Cerrado também.
As opções de terceira via, seja no Brasil ou no mundo não existem.
São apenas manifestações de oposições aceitas pelo centro predador.
Não questionam a lógica do sistema e menos ainda propõe o rompimento dessa lógica.
São os cardeias progressistas do Vaticano. 
Propõem como ações revolucionárias excluir o latin das missas.
Em uma região que contempla a maior floresta do planeta, a maior biodiversidade, a maior reserva de água doce, envolvendo quase dez paises, não se pode pensar de forma isolada.
É por lá que deve começar o laboratório do ecosocialismo, com todos os países envolvidos.
 



sexta-feira, 1 de março de 2013

O Gato Perdeu


Franz Kafka e a Segunda-feira

Ao contrário do que dizem os apologistas do fim da História, a luta de classes não se calou. No entanto, diante da assepsia publicitária por que passam os discursos contestatórios, a lógica poética de Kafka nos leva a pensar a contrapelo de nós mesmos: se o movimento da contradição histórica não for estancado e reconfigurado, continuaremos a figurar como coadjuvantes da cadeia alimentar que nos coage à frieza, à brutalidade e ao cinismo do entrechoque entre gato e rato, de modo que a "Pequena Fábula" possa receber um título mais adequado aos tempos atuais: "segunda-feira". O artigo é de Flávio Ricardo Vassoler.

No início do século XX, Franz Kafka escreveu uma

Pequena Fábula (*)

“‘Ah’, disse o rato, ‘o mundo torna-se cada dia mais estreito. A princípio era tão vasto que me dava medo, eu continuava correndo e me sentia feliz com o fato de que finalmente via à distância, à direita e à esquerda, as paredes, mas essas longas paredes convergem tão depressa uma para a outra, que já estou no último quarto e lá no canto fica a ratoeira para a qual eu corro’. – ‘Você só precisa mudar de direção’, disse o gato e devorou-o”.

Muitas teses e antíteses já entraram em entrechoque para tentar determinar o sentido cabal que daria conta da labiríntica fábula em questão. Assim, ora a vastidão inicial do mundo estaria relacionada ao Jardim do Éden, a utopia mítica, ora ela diria respeito aos primórdios das revoluções, em que a euforia coletiva pela nova miríade de oportunidades daria vazão a um perigoso caos político que logo precisaria de restrições para não se transformar em completa balbúrdia. As paredes que acabam por despontar à direita e à esquerda seriam, então, o sinal da Queda dos homens – a perda da liberdade original pela expulsão do Éden idílico – e/ou a chegada de um ditador que, com pulso firme, colocaria ordem na desordem, uma vez que não poderia haver vácuo no poder. Religiosos e políticos fariam um breve armistício, no entanto, diante da fraqueza original do homem – o rato trêmulo – que demandaria a tutela infalível de Deus e/ou do Guia Genial dos Povos – eis a onisciência e a onipresença do gato. (Iconoclastas tanto da tradição quanto do poder, os anarquistas de plantão discordariam de ambos os lados e diriam ser necessário pôr abaixo o labirinto; se tal fato acontecesse – dizem os religiosos e políticos que apenas por ora voltam a concordar –, o bebê seria jogado fora junto com a água do banho, já não haveria motivo para discordâncias, já não haveria nem mesmo a fábula de Kafka, “nós não teríamos o que fazer, ficaríamos todos desempregados, e vocês, anarquistas, já não teriam o que destruir”.)

Diante do labirinto polissêmico de Kafka, que arremessa as interpretações contrárias e contrariadas em um turbilhão infindável de contradições, uma máxima de Oscar Wilde parece dar o tom para a contenda fabular entre Tom e Jerry. “Quando os críticos discordam entre si, o artista concorda consigo mesmo” (**).

E se ao invés de perguntarmos o que a pequena fábula quis dizer, passarmos a interrogar como ela o fez? Se voltarmos nossas atenções para a forma kafkiana de estruturação e movimentação dos conflitos, talvez cheguemos à conclusão de que a dinâmica da História está inconclusa; de que a desigualdade entre gato e rato permanece, de modo a conferir atualidade à dialética entre liberdade e autoritarismo; de que o sentido está não no conteúdo unívoco que a fábula possa conter, mas na forma polissêmica que norteia e desnorteia as mais diversas interpretações e cuja dinâmica prolonga as contradições sem reconciliar os conflitos que a História ainda não resolveu. A meu ver, a atualidade de Kafka reside na plasticidade da moldura de seu labirinto, cujas galerias comportam os entrechoques das mais diversas teses e antíteses. Analisemos, então, o modo pelo qual a forma distópica, em estreito diálogo com as contradições históricas, transforma os discursos utópicos em antecâmaras do labirinto, ao fim do qual a saída não passa de uma nova entrada. Senão, vejamos.

Em primeiro lugar, é preciso salientar o caráter fabular da breve estória kafkiana. Animais com características humanas vivenciam experiências e procuram torná-las inteligíveis para si próprios – e para os leitores. Animais sociais que somos, nós não vivemos em meio à natureza sem a mediação das transformações históricas. Assim, o processo de identificação entre o leitor humano e as personagens animais apresenta, desde o princípio, um sentido trágico e cínico para a fábula: como a humanidade ainda não conseguiu superar as contradições de um capitalismo voraz que arremessa seus súditos em relações de competição contínua e autofágica, a personificação dos animais e a animalização das pessoas medem a distância histórica entre a utopia não realizada e a distopia de nosso cotidiano. Ademais, a cadeia alimentar que coage os animais – mas que não deveria coagir os animais racionais – estabelece uma hierarquia inequívoca entre gato e rato: predador e presa. Quando entreveem essa assimetria, muitos leitores associam imediatamente a figura do gato ao poder, enquanto o rato representaria o povo secularmente acossado. Tal leitura não leva em consideração a lógica impessoal do poder que subjaz à construção kafkiana.

O século XX, século kafkiano, demonstrou que a revolução bem pode degringolar em contrarrevolução. O líder fascista Benito Mussolini certa vez afirmou que, após a revolução, resta o problema dos revolucionários. Seria possível exercer contínuas autocríticas sem municiar os opositores que almejam o poder? Mas sem o exercício contínuo da crítica e da autocrítica, como garantir que o poder e os poderosos não demandarão a autocracia? Ora, os primórdios da revolução pareciam ter transformado o mundo em mera imagem e representação, tudo parecia possível. Trótski certa vez profetizou que, em meio à sociedade transformada pelo socialismo, o nível médio dos cidadãos seria comparável a Marx e a Aristóteles. Antes que conservadores onipresentes riam do revolucionário russo, é preciso levar em consideração o profundo otimismo histórico que embasava tal colocação. A revolução prometia romper os aguilhões que impediam o desenvolvimento humano. Artistas russos chegaram a declinar da autoria de suas obras. “Não fomos nós que as criamos, a história falou através de nós, o proletariado é o grande autor”. Mas os interrogatórios vindouros da polícia política de Stálin acabariam com o otimismo da autoria coletiva. “Vamos, confesse!” O patíbulo e o degredo na Sibéria como testemunhas oculares.

A esquerda tende a se endireitar quando toma as rédeas do poder. A direita não sabe bem o que fazer com o bastão da oposição, mas precisa minimamente contestar se quiser sobreviver em sua mais nova e insólita posição. A História nos ensina que a lógica do poder tende a subverter e a inverter as prerrogativas do líder, grupo e partido que ocupam o trono.

Nesse sentido, gato e rato são menos papéis demarcados e unívocos do que funções dinâmicas a serem ocupadas ora por um ator, ora por outro. Se os esquerdistas não estudarmos as lições de Kafka, estaremos fadados a vestir ainda uma vez a fantasia do gato para colocarmos os trajes de rato naqueles que a revolução obrigou a ceder as velhas vestes de felino. Assim, campos de concentração siberianos, os Gulags de Stálin, revoluções culturais que queimaram livros e paredões não conseguiram romper a lógica taliônica do poder que os revolucionários outrora afirmavam utilizar apenas momentaneamente enquanto o capitalismo não era superado por completo. (Quando os porões da Estação da Luz ficavam superlotados, os torturadores do DOPS paulistano não tinham quaisquer escrúpulos em voltar a dar aulas prática de lógica do poder àqueles que ousavam não delatar os camaradas que ainda não haviam sido presos.)

Ao voltarmos ainda uma vez para a Pequena Fábula, descobrimos que, a princípio, o rato se lamenta pela crescente estreiteza do mundo. O rato, animal combalido em face do gato vindouro, parece demandar maior liberdade. (Se a estória parasse por aqui, os anarquistas iriam a Praga a fim de convidar Franz Kafka para o congresso literário de maio de 1968.) Mas a frase seguinte – a antítese em face da tese que a primeira frase apresenta – narra um ratinho temerário em relação à vastidão inicial do mundo. Podemos deduzir, então, que havia uma imensidão anterior à contínua estreiteza do mundo com a qual o rato se depararia posteriormente. Como decidir qual a posição efetiva do rato? Ele teme as múltiplas possibilidades de um mundo vasto, mas ao mesmo tempo se lamenta por conta do contínuo emparedamento a que o mundo transformado o coage. Enquanto os críticos partidários quiserem atribuir um conteúdo unívoco à trajetória do rato, não será possível ver que a lógica poética de Kafka, ao mimetizar os movimentos contraditórios da História, arremessa o roedor ora à direita, ora à esquerda, ora como sujeito de suas demandas, ora como súdito de seu medo, de modo que a leitura que opte por um único sentido acaba resolvendo artisticamente um conflito que, no terreno da luta de classes, ainda não foi superado. Assim, a despeito da boa intenção inicial que não sabe agir sem tachar amigos e inimigos, camaradas e inimigos do Estado, companheiros e opositores, a tentativa de arregimentar Kafka em um partido ou tendência únicos dilui a enorme atualidade de sua forte crítica social que está presente na dinâmica de sua estória, na lógica poética de sua fábula. O problema para a crítica partidária é que a crítica social kafkiana não resolve as contradições que a História só faz prolongar, e então ela se mostra impessoal e sem muita utilidade para aqueles que só cumprirão os desígnios do poder sem romper com a sua lógica histórica que delineia e define as fronteiras das ações políticas.

O advérbio finalmente, na segunda frase da fábula, traz um certo alento ao pobre ratinho que, enfim, vê as paredes de Deus, do Pai, do pai, do partido, da empresa, do casamento, do clube etc. do etc. lhe darem novamente um mínimo de segurança. Para aqueles que não estamos acostumados a viver segundo o ritmo incerto da liberdade socialmente construída, as contradições históricas sussurram que tende a haver uma grande contiguidade entre o medo de caminhar com as próprias pernas e a entrega da própria autonomia a terceiros para que a incerteza pessoal seja permutada pela tutela alheia. (Se o labirinto de Kafka tivesse os contornos de uma catedral, o ratinho comeria a hóstia e se confessaria com o padre “por séculos e séculos, amém”.) Mas, novamente, Kafka dá dinamismo ao movimento da contradição, já que o ratinho passa a sentir que, agora, “essas longas paredes convergem tão depressa uma para a outra”. Vale a pena retomarmos o fio da meada: primeiro o rato é altivo, pois reclama da estreiteza do mundo – rato revolucionário; depois o ratinho sente medo pela vastidão inicial e se alivia com o fato de que, à distância, à direita e à esquerda, as paredes, isto é, os limites, passam a se delinear – ratinho reacionário; agora, ele volta a se contrapor ao movimento do labirinto, uma vez que as paredes que se estreitam cada vez mais passam a coagi-lo. Além de sugerir que há uma contiguidade entre os extremos, como se a liberdade total e a coação totalitária trouxessem temores e tremores parelhos, a pequena fábula de Kafka nos leva ao “último quarto”, em cujo canto fica a ratoeira para a qual o rato se encaminha.

Abstraiamos o conteúdo da micronarrativa e tentemos desenhar o trajeto patibular de Mickey Mouse. O descampado idílico do Gênesis não tem fronteiras. O olhar do roedor não consegue abraçar o horizonte. (E, se pensarmos bem, será que conseguimos imaginar a noção do infinito sem que, no limite, coloquemos algum tipo de delimitação – uma cerca – para nos dar guarida?) De repente, o rato marcha – começa a correr de medo, a bem dizer – e as paredes convergem, à direita e à esquerda. Ora, salvo engano – e o poder bem gosta de nos ludibriar –, estamos cada vez mais diante de um funil, a metade de um losango, em cujo extremo desponta a ratoeira. Ora, o ratinho revolucionário e reacionário é provido de razão, só que o cérebro roedor precisa das proteínas do queijo para continuar a pensar, a questionar – e a temer. Mas – e o fluido das contradições kafkianas sempre desliza ao sabor de conjunções adversativas –, se as paredes convergem unidirecionalmente, basta ao rato dar meia-volta – a História fardada diria: “volver!” – para que as paredes antes convergentes passem a divergir e a se distanciar. O mundo voltará a ficar vasto, o Éden será então recuperado, mas e quanto ao medo, o irmão mais novo do pecado original? A Pequena Fábula de Kafka seria uma estória sem fim, já que a retomada da vastidão levaria o rato novamente à fuga para o extremo oposto em que está a ratoeira, e, ao se deparar com o beco sem saída, ele sentiria a nostalgia do paraíso perdido do qual fugiria ainda uma vez para logo em seguida voltar a buscá-lo – “por séculos e séculos, amém”.

Mas eis que a criatividade de Kafka acompanha as contradições irresolutas da História e faz surgir na estória uma nova personagem, o bichano que esta análise já havia anunciado. Leiamos o conselho que o gato, possível autor de best-sellers de autoajuda, tem a dar ao roedor – e aos leitores:

– Você só precisa mudar de direção.

Por um lado, se o rato seguir o conselho do gato, logo encontrará a diluição de seus temores e tremores no suco gástrico do estômago felino. Por outro, se o rato degustar o queijo gorgonzola que o magnetiza sobre a ratoeira, já não haverá mais choro e ranger de dentes. Que fazer?

Neste momento, o leitor me permitirá a heresia de apontar um certo anacronismo na Pequena Fábula kafkiana. O escritor tcheco complementou a colocação do gato com o seguinte arremate: “disse o gato e devorou-o”. Será que, no atual contexto histórico, seria preciso dizer que o gato devorou o rato? Onde estão as efetivas contestações? Onde está a revolução? Quando uma rede de fast food árabe utilizou, há alguns anos, o mote revolução nos preços para os preços revolucionários de suas esfihas abertas, cujos anúncios eram apresentados com a boina de Che Guevara, entrevi o labirinto histórico em que estamos encurralados. O discurso potencialmente emancipatório é cooptado como um lucrativo slogan de mercado. Ao contrário do que diziam os revolucionários de maio de 68, o capitalismo tardio sentencia que a revolução será televisionada.

O arremate de Kafka mostrou-se profético diante do espectro nazista que, nas primeiras décadas do século XX, já rondava a Europa. Hoje, no entanto, o carrasco parece ter sido introjetado, não sabemos muito bem onde está o poder – quem, ou pior, o que ele é. Mas ele nos acorda cotidianamente às 5h – ou às 8h, para o privilégio dos paulistanos que moram dentro do perímetro central circundado pelas marginais. Se retirarmos a última parte da frase que conclui a Pequena Fábula, levaremos às últimas consequências o labirinto kafkiano. Afinal, após o conselho do gato, o que é que o rato vai fazer? Fugirá do gato e correrá para o patíbulo da ratoeira? Tapeará a fome e renegará a ratoeira apenas para correr em direção ao corredor polonês da garganta do gato? Ou será que, diante deste novo fim não finalizado, desta nova resolução irresoluta que propomos, o rato não lançará mão de um dos últimos redutos que (ainda) não foram totalmente cooptados pelo poder – a imaginação? Por mais exígua e improvável que a escapatória se apresente, um final que pressuponha maior abertura daria continuidade à contradição da estória e da História: a possibilidade de fuga caminharia lado a lado com o prolongamento sádico da tortura do ratinho.

Ao contrário do que dizem os apologistas do fim da História, a luta de classes não se calou. No entanto, diante da assepsia publicitária por que passam os discursos contestatórios, a lógica poética de Kafka nos leva a pensar a contrapelo de nós mesmos: se o movimento da contradição histórica não for estancado e reconfigurado, continuaremos a figurar como coadjuvantes da cadeia alimentar que nos coage à frieza, à brutalidade e ao cinismo do entrechoque entre gato e rato, de modo que a Pequena Fábula possa receber um novo título mais condigno com o prosaísmo (supostamente) despolitizado dos tempos atuais: Segunda-feira.

(*) In Narrativas do Espólio, tradução de Modesto Carone. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 138.

(**) Aforismos ou mensagens eternas, tradução de Duda Machado. São Paulo: Landy Editora, 2006, p. 69.

Flávio Ricardo Vassoler é mestre e doutorando em Teoria Literária e Literatura Comparada pela FFLCH-USP e escritor. Seu primeiro livro, O Evangelho segundo Talião (Editora nVersos), será publicado em abril. Periodicamente, atualiza o Subsolo das Memórias, www.subsolodasmemorias.blogspot.com, página em que posta fragmentos de seus textos literários e fotonarrativas de suas viagens pelo mundo.


Power to the people


Um homem caminha lentamente pelo campo quando um urso começou a perseguí-lo.
O homem correu, correu muito e se deparou, na sua frente com um barranco de uns cinco ou seis metros de altura. 
Como não tinha alternativa resolveu pular. 
Ao fazê-lo, ficou agarrado em um galho que saía do barranco. 
Poderia pular logo para o chão e se livrar do urso, que com suas patas quase que tocavam o galho e as mãos do homem. 
Mas não pulou. 
Não pulou porque no chão tinha um tigre que com suas patas quase que tocava a sola das sandálias do homem. 
Olhou para o galho, que era forte e grande, e notou que uma cobra cascavel na ponta do galho se movia em sua direção. 
Pelo alto um urso, por baixo um tigre, por um lado uma cobra cascavel, e pelo outro lado a parede do barranco. 
Olhou para o barranco e notou um tufo de morangos silvestres bem próximo de suas mãos. 
Esqueceu-se dos animais e totalmente focado, em razão e emoção, pegou um morango maduro e enfiou na boca. 
Hummmmmm, delicioso, gritou de forma assertiva. 
Ao ouvir o grito e ser influenciado pela energia que as palavras continham, o urso se desequilibrou e caiu, dando início a uma briga violenta com o tigre no chão. 
A briga assustou a cobra, que ficou parada e enrolada no galho. 
O homem, então, calmamente pegou mais um punhado de morangos, colocou em seu embornal, pulou para o chão e seguiu calmamente seu caminho. 

O rato tem saída, basta que se equilibre e use sua imaginação, procurando fazer algo que lhe proprocione prazer, independente das gigantescas dificuldades a sua frente.
Para tanto, razão e emoção devem estar em harmonia e a assertividade sempre presente.
Quando isso ocorrer o gato será enganado e o rato permanecerá livre.
O que mais irrita o opressor, no caso o gato,  na situação em que se encontra o rato é a felicidade e a assertvidade do rato.
Para conseguí-la, o rato deve se conscientizar que essa é a única saída, uma vez que tudo ao seu redor, seus poucos recursos, foram construídos para que ele se sentisse infeliz e incapaz.
Ao identificar, claramente o objetivo da agenda que lhe foi imposta, o rato não deve lutar contra os recursos materiais e os espaços físicos, mas sim contra o estado de ânimo que se esperava dele ao se encontrar naquela situação de recursos materiais e opções de espaço
O resultado que ele alcançará surpreenderá o gato, pois tal estado de ânimo positivo não foi previsto pelo gato e assim o rato colocará o gato em um estado de desequilíbrio que criará condições para que possa superar as dificuldades.

Em outras palavras, a saída é o rompimento total com o sistema mundo, incluindo suas formas de cultura, entretenimento, informação e claro uma nova economia em que a participação direta do povo seja uma regra.