O fim das bancas de jornal
Por Luciano Martins Costa em 13/11/2013 na edição 772
Comentário para o programa radiofônico do Observatório da Imprensa, 13/11/2013
Os programas locais de rádio dedicaram
bastante tempo, na tarde de terça-feira (12/11), ao projeto de lei que
transforma as antigas bancas de jornais e revistas de São Paulo em lojas
de conveniência. Tão tradicionais quanto as padarias na paisagem da
capital paulistana, as bancas podem agora vender praticamente tudo:
aparelhos eletrônicos de pequeno porte, guarda-chuvas, jogos para
computador, doces, salgados, bebidas não alcoólicas e serviços, como
acesso à internet e entrega de encomendas dos Correios.
Podem também vender jornais, revistas e livros.
Oficialmente, apenas 25% do espaço interno
das bancas poderão ser destinados a produtos não relacionados ao mercado
editorial. Mas, conforme se podia ouvir nas entrevistas de
representantes do setor, o que já ocorre e deverá se tornar padrão é que
os clientes se aproximam para comprar outras coisas e, eventualmente,
levam uma revista ou jornal.
Na prática, o que acontece é que os
estabelecimentos tradicionalmente dedicados à distribuição de produtos
da imprensa têm que vender outras mercadorias, porque o comércio de
jornais e revistas não é mais suficiente para cobrir as despesas. O
assunto, que certamente vai ser registrado por pesquisadores do negócio
de informações nesta segunda década do século, foi praticamente ignorado
pelos grandes jornais da quarta-feira (13/11). Apenas a Folha de S. Paulo fez o registro da sanção da lei por parte do prefeito, em uma nota de pé de página.
A rigor, a medida apenas legaliza uma
situação de fato: há alguns anos, os donos desses pequenos comércios são
obrigados a oferecer qualquer coisa para garantir o faturamento, porque
as vendas de publicações estão praticamente estagnadas. Segundo dados
do sindicato do setor, São Paulo, que tinha cerca de 5 mil bancas em
2007, perdeu mais de mil desses estabelecimentos até 2012,
principalmente por causa da mudança de hábitos dos leitores, que
progressivamente trocam as edições de papel pela leitura em aparelhos
eletrônicos.
A queda das vendas afeta principalmente
empresas como a Editora Abril: a venda avulsa em quiosques significa 50%
da circulação de seus títulos. Um jornal como o Estado de S. Paulo, por exemplo, tem menos de 10% de suas vendas feitas em bancas.
Secos e molhados
A transformação desses tradicionais pontos –
que representam o último elo na cadeia de produção do jornalismo
impresso – em minimercados de conveniência pode representar a pedra
tumular do período industrial da imprensa, que não parece encontrar um
lugar no mundo pós-impressão. A rigor, as bancas vinham funcionando
apenas como vitrinas de produtos editoriais, e é comum encontrar em
algumas delas publicações antigas cujos editores esqueceram de fazer o
recolhimento.
Na impossibilidade de sobreviver atrelados à
indústria de informação, os donos desses pequenos estabelecimentos
foram obrigados a buscar alternativas, negociando sua permanência no
congestionado comércio da cidade. A falta de reação dos jornais, que
praticamente ignoraram o assunto, pode significar que, também para a
imprensa, a transformação dos quiosques em lojas de conveniência é uma
chance de continuar exibindo suas manchetes. Quem sabe, entre um
refrigerante e um pacote de amendoim se vende algum jornal.
O problema é que o negócio da imprensa não
pode depender basicamente da compra por impulso, estimulada por uma
fotografia chocante na primeira página, ou pela promessa de uma história
instigante exibida por um título bem elaborado. Ao contrário do que se
podia observar há poucas décadas, a relação do cidadão com a notícia se
dá, cada vez mais, como um complemento de seus vínculos sociais.
Se antes a posse da informação determinava o
valor social do indivíduo, agora o sinal se inverte e a posição do
cidadão no jogo das vinculações é que pode fazer uma informação
circular, ganhar credibilidade ou desaparecer. Não é por outra razão que
as agências de marketing digital investem na identificação dos
protagonistas das redes sociais que conseguem agregar em torno de si o
maior número de ativistas da comunicação.
A mídia tradicional perde sua posição de
centralidade no ecossistema da comunicação e da cultura. A transformação
das bancas de jornais em lojas de secos e molhados é parte desse
processo. A diversidade de produtos nas bancas de jornais já vem de longa data.
Pode-se encontrar de quase tudo um pouco nesses simpáticos ambientes, que anteriormente se dedicavam apenas aos impressos.
Incensos, aparelhos de barbear, absorventes higiênicos, canetas, envelopes, loterias instantâneas, brinquedos, saquinhos de bola de gude, isquieros, caixas de fósforos, balas&doces, cigarros ( inclusive a varejo), refrigerantes, cintos, meias, bonés, preservativos, adesivos, rolo de papel higiênico, guardanapos de papel, pilhas&baterias, sanduíches ( inclusive os naturais), camisas, camisetas, bermudas, posters do Papa, sandálias, água mineral ( inclusive em garrafão ) são vistos na maioria das bancas.
Ainda não se tem relato da venda de ovo cozido, sanduíches de bife a milanesa , pizzas e cachaça.
Acredita-se que em breve as bancas terão uma variedade ainda maior de produtos para oferecer aos seus clientes.
Com isso cria-se de forma legalizada, já que uma lei autoriza a transformação das bancas em um comércio, mais um espaço que irá fazer concorrência aos estabelecimentos comerciais.
Cabe lembrar que os lojistas vivem em constante atrito com os vendedores de rua, que montam suas barracas nas calçadas para vender seus produtos.
As bancas de jornais são isentas de impostos.
Os vendedores ambulantes, com suas barracas, também não vão gostar da nova concorrência e certamente não terão a menor vontade de vender jornais ou revistas, pois sabem muito bem que caso entrem nesse negócio irão morrer de fome.
Com a decadência acentuada dos jornais e revistas impressas por conta das mídias digitais, além da irrelevância dos conteúdos da velha mídia brasileira, as bancas de jornais, muitas com refrigeração interna, passam a assumir o posto de ambulantes chiques, onde o freguês pode inclusive sentar a messa, fazer um lanchinho e mesmo assistir uma partida de futebol, já que algumas bancas tem assinaturas de tv fechada com direito a antena instalada no estabelecimento.
Os quiosques da orla, no caso aqui do Rio de Janeiro, também ganham mais um concorrente, já que algumas bancas de jornais, assim como em muitos quiosques, organizam shows musicais, rodas de pagodes de mesa e outras performances artísticas.
Já que o assunto entrou na pauta, seria interessante que as bancas, além de vender os decadentes impressos, se transformassem de forma padronizada em um espaço cultural, assim como os cafés que existem em muitas livrarias.
Para tanto deveriam passar por um processo de redefinição das instalações já que manuseiam alimentos em ambiente sem instalações hidráulicas e sanitárias.
Atualmente assemelham-se aos traillers, que vendem churrascos e sanduíches sem nenhuma infraestrutura de bar.
O assunto é polêmico e ainda vai render muito.
De certo , sabe-se que os impressos da velha mídia não servem para mais nada.
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