segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Um título hediondo


UM TÍTULO HEDIONDO


Por Guilherme Jungstedt

UMA MANCHA NA HISTÓRIA DA LIGA DOS CAMPEÕES

ambiente parecia calmo no vestiário da Juventus. O treinador Giovanni Trapattoni havia acabado de cumprimentar e desejar sorte a cada um de seus jogadores antes da grande decisão da Champions League de 1985, contra o forte e equilibrado time do Liverpool. O capitão italiano Gaetano Scirea já envergava a camisa 6 bianconera e, mesmo antes de pôr a braçadeira, começava a liderar o alinhamento do time para os corredores que davam acesso ao campo de jogo. Foi quando um dos delegados da partida apareceu com a notícia: “Houve um problema entre as torcidas e precisamos resolvê-lo antes que vocês entrem em campo.”

Tudo normal, até então. A máxima conseqüência destes acontecimentos seria um atraso no pontapé inicial. Nada que o futebol já não tenha vivido. O que parecia incomum era o fato de o jogo mais importante da temporada europeia de clubes acontecer em um estádio que, na melhor das hipóteses, poderia ser classificado como inapropriado para o evento. Ou então, “um barraco decrépito”, nas palavras de Ian Rush, camisa 9 do Liverpool na ocasião. A estrutura do Heysel Stadium, em Bruxelas, já não era a mesma de anos atrás, quando foi palco de três finais do torneio — em 1958, 66 e 74.

A UEFA acabou escolhendo como sede para aquela final a convalescente arena da capital belga. O motivo pela escolha, ainda não se sabe. Mas tanto Juventus quanto Liverpool protestaram formalmente contra a escolha do local.

Eram necessárias boa estrutura e logística adequada para manter a estabilidade na atmosfera de uma disputa de tamanho apelo, apimentada por um componente extra: a final seria disputada por um time inglês, o que automaticamente atrairia a presença de hooligans, que viviam sua década mais explosiva. Como praxe, as torcidas ocupariam lugares opostos no Heysel Stadium. Mas a UEFA teve outra “brilhante” ideia.

Decidiu-se destinar um setor das arquibancadas a torcedores neutros: pensando nos belgas que apreciam o futebol. Mas ninguém sequer considerou a forte presença de imigrantes italianos em Bruxelas, ou que qualquer um poderia comprar, fossem ingleses ou mesmo torcedores vindos da Itália e, naturalmente, aquele espaço foi ocupado por mais torcedores da Juventus — que já não podiam mais comprar ingressos para o superpovoado setor destinado a seus conterrâneos.

Para coroar a estupidez, esses tifosi foram acomodados ao lado da torcida do Liverpool, separados apenas por frágeis grades de metal. Supostamente provocada pelos juventinos, a torcida dos Reds começou a avançar sobre eles, provocando um desesperado deslocamento dos italianos até o muro oposto à grade que separava as torcidas. Mais e mais torcedores subiam o muro para escapar da investida dos hooligans. A pressão foi tamanha que a contenção de concreto veio abaixo, levando à morte de 39 torcedores da Juventus.





O contingente policial não parecia preparado para controlar a contenda. Todo o efetivo havia sido deslocado para o local e, aqueles que não auxiliavam na contagem dos corpos — que iam sendo cobertos com pequenas bandeiras da própria torcida alvinegra – estavam alinhados em frente ao alambrado, virados para a torcida inglesa, sem sequer contar com a possibilidade de reação do outro lado do estádio. No setor da Juventus, alguns torcedores conseguiram romper a grade que separava o campo da arquibancada e, pouco a pouco, ocupavam parte da pista de atletismo que rodeava o gramado, atirando pedras — obtidas graças à arruinada estrutura das arquibancadas — e provocando tanto ingleses quanto policiais a vários metros de distância. A polícia continuava de costas para o gramado. De olho nos torcedores do Liverpool.

Já chegava a uma hora o atraso no aguardado kick-off, quando os zagueiros Antonio Cabrini e Sergio Brio já afrouxavam as chuteiras, inconformados com a falta de definição sobre o episódio. Foi então que chegou a eles a informação de que a UEFA queria a realização da partida de qualquer jeito. Os jogadores ajustaram novamente os calçados e entraram em campo para tentar apaziguar os ânimos de sua própria torcida – atribuição que poderia ser dada a qualquer envolvido com o jogo, exceto aos jogadores, como se já não fossem suficientes as tensões inerentes à dimensão esportiva daquela final.

Cabrini, Brio e Michel Platini irromperam corajosamente no meio da multidão para pedir calma aos fãs. Logo depois, Luciano Favero e Massimo Bonini chegaram com os “reforços” de outros jogadores. Muitos torcedores abraçavam os ídolos e a fome dos fotógrafos também contribuía para o stress do momento. Eles entraram em campo não para jogar, mas para cumprir a determinação da UEFA de que o espetáculo deveria continuar, sob pena de haver mais violência, caso o evento fosse cancelado.

E assim foi. Com o auxílio de forças paramilitares belgas, as torcidas foram controladas e, por volta da meia-noite, a Juventus erguia a taça de campeã europeia. Segundo Marco Tardelli — lendário camisa 8 do clube italiano — os times se apresentaram para o jogo sem ter conhecimento sobre as mortes. Ainda assim, Michel Platini foi duramente criticado por sua efusiva comemoração depois do gol de pênalti que garantiu o título.

Após a partida e já ciente da extensão da fatalidade, o francês declarou, emocionado e com a voz embargada: “Depois que a UEFA decidiu pela realização do jogo, não pensamos em mais nada. Ficamos felizes por haver conquistado o título para os torcedores italianos. O futebol está no meu coração, mas sofremos um duro golpe no dia de hoje.” Depois disso, silêncio. Constrangido, o repórter agradeceu e retirou-se, tal qual fez Platini.

O que sobrou da tragédia para a Vecchia Signora foi um título hediondo, assombrado por um incidente macabro. Para o futebol inglês, suspensão de todas as competições internacionais de clubes por seis anos. Para as famílias das 39 vítimas fatais, a dolorosa memória das perdas irreparáveis.

Fonte: REVISTA CORNER
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O ano foi de 1985, mas as imagens de pessoas encurraladas em muros e cercas do estádio belga estão vivas até hoje.

Foram cenas que chocaram o mundo.

Quinze anos após a tragédia da final da Champions League, no Brasil, por pouco tragédia similar não acontecia.

O ano era 2000, a competição era o campeonato brasileiro, batizado naquele ano de Copa João Havelange.

A partida final entre Vasco da Gama e São Caetano foi marcada para o estádio da equipe carioca, em São Januário, no bairro imperial de São Cristóvão na cidade do Rio de Janeiro.

O estádio apresentava superlotação, estava abarrotado de torcedores, quando uma cerca de proteção da arquibancada se rompeu e torcedores caíram no campo de jogo. Estirados pelo chão, feridos pela irresponsabilidade dos dirigentes tal qual cenas de devastação produzidas por tornados e eventos climáticos similares.










Eurico Miranda, atual presidente do C.R. Vasco da Gama e na época membro da diretoria do clube, entrou em campo, tentando de todas as formas minimizar o acidente e fazer com que o jogo acontecesse. O jogo, apesar das tentativas de Eurico, não pôde ser realizado naquele dia e, segundo o regulamento da competição, o Vasco perderia o mando de campo e o jogo seria jogado na casa do adversário, o São Caetano.

Não foi o que aconteceu. A Diretoria do C.R. Vasco da Gama conseguiu manter o mando de campo e a final foi jogada no Maracanã. O Vasco foi campeão, e também teve seu título hediondo.




sábado, 15 de outubro de 2016

O Golpe quer matar Lula

Não, o que eles querem não é apenas prender Lula. O que eles querem é coisa bem pior.

15/10/2016 Bajonas Teixeira


Por Bajonas Teixeira, colunista de política do Cafezinho,

A esquerda deveria se mobilizar, mas prefere ficar zanzando pelo Facebook, clicando em emoticons de carinhas chorosas, com grossas lágrimas penduradas nos olhos, e fofocar sobre a possível data da prisão de Lula.

Como escreveu um grande historiador político sobre as guerras camponesas na Alemanha, triste do líder que tem como base massas de nível intelectual muito limitado.

Vamos aos fatos.

Anda circulando por aí previsões sobre quando será feita a prisão de Lula. Um blogueiro-vidente, que segundo os crentes costuma acertar, anunciou até a data, atribuindo-a a fontes fidedignas. A partir daí, espalhou-se um certo burburinho, naquele estilo bem brasileiro, em que até a tragédia passa a interessar mais pela fofoca que pelo fato.

Não se foca no fato, mas se foca na fofoca inspirada pelo fato. Por mais risível que seja, temos que admitir, isso é o Brasil. Ao invés de tagarelarem sobre a data dessa possível prisão, deveriam pensar sobre o que ela representaria.

Em primeiro lugar, o que significaria prender Lula? Na idade dele, e sendo mais que certo que nem seu caso não se cogita em delação premiada, pois nem ele faria nem a justiça proporia – esse prêmio está reservado aos grandes empresários e aos políticos efetivamente corruptos –, ser preso é sinônimo de apodrecer na prisão. Ou seja, a prisão significa pena de morte.

Seus perseguidores sabem muito bem disso. Mas eles visam com a prisão algo ainda mais grave.

Um homem político raro, capaz de abalar estruturas sociais arcaicas petrificadas como as brasileiras, além de sua condição natural, como ser vivo, e da sua condição social, de cidadão, possui outra mais elevada, a de símbolo, cujo prestígio e respeito atestam o seu legado histórico. Lula é o símbolo da democracia e das lutas sociais no Brasil, da possível mudança de uma estrutura social congelada.

Nesse sentido, Lula tem que ser morto para que a democracia e a mudança sejam mortas juntas com ele. Se trata, primeiro, de assassinar sua imagem e seu prestígio, para aniquilar sua função simbólica. A mídia tem se esmerado nesse trabalho dia e noite, incansavelmente, há no mínimo dois anos.

Esse trabalho da mídia foi, pelas mãos do Judiciário e do MPF, convertido em uma semiprisão domiciliar, e numa cassação de direitos políticos: Lula não pôde ser ministro da Casa Civil, bastando para isso o crime de Moro de divulgar áudios ilegalmente gravados; a Lula não é concedido defender-se no STF, porque este insiste que o direito de julgá-lo é de Sérgio Moro, em Curitiba; quando se cogitou seu nome para presidência do PT, bastou agir a Folha de São Paulo, em conluiou com Tarso Genro, para detonar o projeto.

Se até isso está vedado a ele, poderia pretender, mesmo em sonho, disputar a presidência em 2018? É evidente que não. Muito antes disso, tem que ser tirado de circulação.

Um detalhe dá a dimensão do isolamento em que Lula foi lançado: apesar da duríssima perseguição de que é vítima, de estar todo o dia nas páginas e nas telas de incontáveis jornais e sites, ninguém chama Lula para uma simples e miserável entrevista. Não há o mínimo espaço.

Portanto, Lula já está condenado, em todos os sentidos. E não é sua prisão o que importa, mas o trabalho do carrasco que prepara sua execução. Diante disso, a questão que se põe é se ele acredita na justiça dessa justiça no momento de proferir contra ele a pena capital.

Quando por todos os meios a Justiça já proferiu uma sentença condenatória, quando boa parte dos seus direitos de cidadania já foi retirada – o que é o assassinato da sua cidadania –, quando não tem lugar na mídia embora seja em vida uma personalidade histórica, o fantástico seria crer que a prisão marque um divisor de águas.

A prisão será apenas o passo final de execução dos vereditos que já foram proferidos pela justiça e pela mídia.

O que espanta não é isso. O que espanta é ver que centenas de milhares de pessoas que poderiam sair às ruas ficarem em casa, de olhos fixos nas telas, curtindo com carinhas lacrimosas e compartilhando posts, memes, e outras baboseiras de pouco ou nenhum valor.

Fonte: O CAFEZINHO
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É verdade. O que eles querem é que Lula morra.

Se não morreu com o câncer, vão colocá-lo na prisão, para que possa morrer atrás das grades.

Isso não é novidade para mim, e acredito que também não é novidade para o Lula.

Quanto ao povo brasileiro, não espero grande apoio a Lula por ocasião de sua prisão. O apoio popular virá, mas somente por parte de movimentos sociais e parcela da sociedade organizada.

A maioria da população não irá se envolver, assim como não se envolveu para tirar Temer da presidência.

O discurso de grande parte da esquerda, inclusive de blogues e sites, está um tanto desfocado da realidade das pessoas.

De nada adianta falar de política com o povo, se esse povo não quer ouvir, debater o assunto.

É bem melhor compreender o que o povo prioriza no momento e procurar se comunicar com ele em suas prioridades, mesmo que tais prioridades sejam imbecis e idiotas.

Para conduzir, primeiro se faz necessário acompanhar.

De nada adianta insistir no convite para assistir um filme, se ela prefere ficar em casa conversando com você. Fique em casa, converse bastante, e no momento adequado introduza o convite para o filme.

Se você fala, fala, todos os dias, e ninguém dá atenção ao que você diz, a culpa é sua. Se você quer que as pessoas ouçam o que você tem a dizer, então mude sua estratégia de comunicação.

Juventude de atitude

Juventude de atitude. Os incomodados que se levantem

Levante Popular da Juventude reúne milhares de jovens de todo o Brasil que sonham em melhorar o lugar onde vivem e construir um projeto popular para o país. E agem
por Juliana Afonso, para Revista do Brasil publicado 15/10/2016 11:54
SHEYDEN SOUZA FOTOGRAFIAS/LEVANTE POPULAR DA JUVENTUDE
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O Levante é um movimento que passou a agrupar jovens em todo o Brasil, os futuros protagonistas das lutas pelos direitos sociais
Após o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Juliana Lino, 21 anos, que garantiu a nota exigida para o curso de Direito na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, se mudou de Salvador para Dourados, a 235 quilômetros da capital, Campo Grande. A cidade é palco de um dos maiores conflitos agrários do país, que opõem cerca de 15 mil indígenas Guarani Kaiowá e fazendeiros. ­Dourados também sofre com o alto índice de violência contra a mulher, problema comum no estado, que apresenta a maior taxa de registros na Central de Atendimento à Mulher. Esse é o contexto que Juliana apresentou nas atividades do 3º Acampamento Nacional do Levante Popular da Juventude, realizado entre 5 e 9 de setembro, em Belo Horizonte.
O Acampa, como é chamado pelos participantes, é um encontro de formação política que discute a conjuntura nacional e busca a construção do que chamam de projeto popular. Segundo os organizadores, o evento contou com a presença de 7.000 jovens de todos os estados. Na programação, palestras, mesas-redondas, oficinas e apresentações culturais, além de uma diversidade de convidados como o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) João Pedro Stédile, o ativista estadunidense Eddie Conway, do Panteras Negras, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A presença volumosa é vista como resultado de uma expansão do movimento social jovem em um momento singular da história política brasileira. "A juventude de hoje não viu nenhum momento político como esse. Vivemos um golpe, um período de retirada de direitos", afirma a estudante de Serviço Social Mara Farias, 24 anos, de Natal. Coordenadora nacional e integrante da Frente Territorial, ela acredita que esse é o melhor momento para organizar o povo. "Eu quero que o jovem tenha o sentimento de mudança radical da sociedade, que esteja nas ruas lutando pelo Fora Temer e por qualquer direito que seja retirado do povo brasileiro."
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Intercâmbio de experiências para pensar os próximos passos do movimento foi a tônica do encontro. "Tem muita gente que está em processo de formação e ainda precisa identificar o caminho, se identificar como agente", diz Juliana. Coordenadora nacional e integrante da Frente Estudantil, ela trabalha para expandir a discussão da questão feminista em Dourados. Como estudante, quer popularizar o tema, e quem sabe trabalhar na Defensoria Pública. A baiana respira o movimento até nas horas de lazer. "A gente vai sempre onde acha massa, conforme o que a gente acredita politicamente", diz. Entre os locais que gosta de frequentar estão teatros e saraus. "Eu adoro, inclusive escrevo e recito poesia."

Construir para fora

O Levante Popular da Juventude é um movimento que passou a agrupar jovens em todo o Brasil a partir da constatação de que a juventude seria a futura protagonista das lutas por direitos no país. De diversas organizações, como Consulta Popular, MST, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e o Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), surgiu o embrião do Levante, no Rio Grande do Sul.
A nacionalização do debate era uma demanda cada vez mais forte, até que em 2012 aconteceu o 1º Acampa, em Santa Cruz do Sul (RS), com a presença de 1.500 jovens de 17 estados. O evento consolidou o movimento nacionalmente e lançou as bases para a formação das células nas universidades, escolas, comunidades e no campo. Ainda naquele ano, o Levante ganhou a atenção da mídia com a realização de "escrachos" em diversas cidades do país para denunciar torturadores da ditadura e exigir maior poder de ação da Comissão Nacional da Verdade.
Dois anos mais tarde ocorreu o 2º Acampa, em Cotia (SP), com 3 mil participantes. A passeata realizada durante o acampamento lançou campanha por uma Constituinte exclusiva para reformar o sistema político. "Só através de uma Constituinte popular vamos poder mudar as estruturas eleitorais", afirma Mara. Os acampados voltaram para suas cidades com a tarefa de organizar as bases para a realização de um plebiscito. Este ano, o tema mais abordado foi o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Os gritos de "Fora Temer" e "governo golpista" ecoavam o tempo todo pelo ginásio do Mineirinho. O ato no último dia do evento, 9 de setembro, teve escracho na porta da Rede Globo Minas e terminou com uma passeata.
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Principal evento do Levante, o Acampa é marcado pela troca de ideias e pela explosão de eventos culturais. É em seus estados, porém, que os militantes buscam pôr os planos em prática. O elo entre pensamento político e ação é o que mais atrai os jovens. "A diferença do Levante para outros movimentos de juventude é o sentido de construir com o povo, colocar para fora, fazer trabalho de base, e não só fazer ações de fortalecimento interno", opina Mara Faria. Ela conheceu o movimento a partir do conselho comunitário do bairro Felipe Camarão, onde mora, na capital potiguar, e quis construir o Levante no local, com o qual tem forte relação.
"Sou de ficar em casa. Gosto de ler, assistir filmes ou sair no meu bairro para encontrar os amigos. O lazer em Natal é muito privatizado e eu não tenho tanta grana para sair em uma cidade onde tudo tem que ser pago", diz. Ao juntar rotina e militância, ela e outros jovens que atuam no Felipe Camarão promoveram a atividade Juventude Organizada contra as Doenças Sexualmente­ Transmissíveis (DST), surgida do diagnóstico de um posto de saúde de que 90% das pessoas com incidência de sífilis na capital eram adolescentes do bairro.
Uma escola logo cedeu o espaço para que fossem realizadas exposições e rodas de conversa ao longo de quatro semanas, com assuntos desde o amor até a questão do sexo e das DST. "No último dia os próprios jovens organizaram uma feira de promoção da saúde, com vacinação, distribuição de camisinha, roda de conversa, apresentação de teatro e dança", diz Mara. Alguns passaram a atuar no Levante, com o desejo de multiplicar a ação em outros espaços. O movimento já promoveu feiras, atendimentos de saúde e revitalização de parquinhos. Quase sempre buscando associar ações com parte de uma luta política.­
"Por exemplo, se a atividade for em uma praça que não tem luz, pode ser construída uma ação de luta pela iluminação da praça", exemplifica Mara.

Sem acordo

A parcela da juventude que o movimento busca organizar é aquela que sofre mais diretamente com as injustiças sociais: jovens que estudam em escolas privadas e públicas e não se sentem contemplados pela educação que recebem, que vivem no campo e carecem de acesso a políticas públicas, que moram em bairros, favelas e comunidades e não têm direitos respeitados. São também negras e negros, gays, lésbicas, transexuais e setores que lutam para afirmar sua identidade.
O sentimento que os une é indignação. "O Levante representa uma juventude que não se sente contemplada pela política atual, e que também não se sente contemplada pela juventude dos partidos atuais", afirma o estudante de Direito David Liboreo, 23 anos, de Aracaju, que acompanhou a repercussão dos escrachos aos torturadores da ditadura e procurou o movimento na capital sergipana, em 2012. Quando era secundarista, David participou de grêmios estudantis, mas diz que nunca chegaram a pensar em ações para além da escola.
Seu interesse no Levante, como coordenador nacional da Frente Estudantil, é a construção de uma pauta que concilie os anseios da juventude do Brasil com a possibilidade de atuar em função deles. "Eu fico 24 horas ligado. Meus finais de semana são quase todos preenchidos com agenda do movimento", conta. David busca estar com a família e os amigos, mas admite que, muitas vezes, o espaço de relaxamento é o espaço do próprio movimento. "Ir a um acampamento do MST, por exemplo, inspira, dá fôlego. Muita gente que é militante tende a recarregar suas energias nos espaços místicos do movimento", explica.
Para trabalhar as pautas da juventude, o Levante se organiza em três frentes. A Frente Territorial atua nos bairros e favelas, a Frente Camponesa trabalha com pessoas que moram no campo, quilombolas e indígenas, e a Frente Estudantil organiza estudantes das escolas secundaristas e das universidades públicas e privadas. "A base de organização do movimento é a célula, que atua por territórios. Pode ser dentro de uma universidade, de um bairro, de um assentamento", explica a estudante de Letras Luiza Troccoli, 25 anos, de São Paulo. Depois das células há as coordenações municipal, estadual e a nacional.
Luiza explica que dentro da organização há ainda os grupos sobre gênero, raça e diversidade sexual, além de coletivos de finanças e comunicação, formação e agitação e propaganda, todos em níveis municipal, estadual e nacional. A lógica hoje é muito mais complexa que a de quando Luiza era secundarista e militava no grêmio da escola e no Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente. Dentro da universidade, sua participação se voltou para a pauta feminista. "Comecei a participar de um núcleo da Marcha Mundial das Mulheres que tinha na USP, antes de me envolver com o Levante", diz. Hoje, Luiza é da coordenação da Frente Estudantil. "Quando seu trabalho é construir um projeto de sociedade, você enxerga isso em tudo. As contradições estão presentes inclusive nos momentos livres e de divertimento, mas a gente tem de separar as coisas para não pirar." Ela considera indispensável ir ao cinema, ao teatro entre uma atividade e outra e "uma cervejinha" com amigos depois das reuniões.
Outro sentimento que une os integrantes do movimento é o de mudança. "As pessoas ligadas ao Levante veem um horizonte de transformação no país. A gente sabe que é uma organização com potencial para isso", afirma o estudante de Ciências Sociais Walisson Rodrigues, 25 anos, de Porto Velho. Walisson participava do MAB em Rondônia e foi indicado para construir o movimento na sua cidade, em 2014. Ele afirma que existe uma dinâmica diferente na vida dos jovens que são e que não são militantes. Alguns de seus amigos resistem a estar no movimento, mas outros começaram a se aproximar e se inserir nos processos. "Tem os dois lados. Quando as pessoas começam a ter contato com a organização se apaixonam e se aproximam."
Coordenador nacional da Frente Camponesa, ele afirma hoje compreender melhor a diversidade do país, especialmente da juventude. Para Walisson, quem está no Levante quer uma coisa: a revolução. "A gente só vai conquistar direitos de fato se tiver um processo de transformação da nossa sociedade. Se a gente entrar em acordo com essa burguesia, que é ligada diretamente ao capital internacional, só temos a perder."
LEVANTE POPULAR DA JUVENTUDE

No final do 3º Acampa, milhares saíram às ruas de Belo Horizonte

Construção coletiva

As ações visam a organizar a juventude em torno do Projeto Popular para o Brasil. "É um projeto que não surgiu com o Levante. A gente bebe o acúmulo de outros movimentos, principalmente os da via campesina", acrescenta Luiza. O projeto parte da ideia de que a classe trabalhadora deve atuar na construção dessa nova sociedade. De caráter nacionalista, ele se contrapõe ao neoliberalismo. "Acreditamos que o povo deve estar no poder, pois é o povo que produz, com seu suor, toda a riqueza de nossa nação e deve decidir com soberania sobre os rumos do país. Isso só será possível quando destruirmos o sistema capitalista e a sua face mais dura, o imperialismo." O trecho está na carta compromisso do 3º Acampa.
Apesar do entendimento comum sobre o Projeto Popular para o Brasil, não há nenhum documento fechado com pontos que o compõem ou expondo objetivamente suas diretrizes. A justificativa é a de que se trata de um projeto em construção. "Não adianta apresentar para o povo e chamar para compor", argumenta Luiza. Entre as propostas pensadas está a ampliação das cotas raciais e sociais nas universidades, a garantia de acesso a creches e a gratuidade do serviço de transporte para a juventude.
Além de pontos ainda em construção, o Levante propõe pautas abrangentes, capazes de retratar a diversidade da juventude no Brasil. "Militância é se propor a mudar algo. Quando você se torna militante, você compreende que não consegue fazer isso sozinho, precisa de mais gente com você, então o sacrifício se torna maior. Quanto mais gente do seu lado, mais difícil ficam as relações e mais você vai ter de mudar, compreender as realidades existentes e fazer uma luta conjunta", diz Walisson.
Os jovens buscam agir no seu dia a dia da forma como gostariam que a sociedade fosse organizada. Alguns exemplos dessa visão estiveram presentes no 3º Acampa, como a Ciranda Infantil, espaço criado para cuidar das crianças e garantir que as mães possam participar dos espaços políticos, e a divisão das demais tarefas para manter a casa em ordem. "Aqui é a gente que faz tudo. A gente cuida da limpeza, da nossa segurança, da nossa alimentação, das nossas crianças. É nós por nós. Isso aqui é sobre a nossa emancipação", afirma Juliana.

MÍDIA NINJA 2014


A parcela da juventude que o movimento busca organizar é aquela que sofre mais diretamente com as injustiças sociais

Fonte: REDE BRASIL ATUAL