humor - PAPIRO
O PAPIRO disponibiliza abaixo para seus leitores a antológica peça de humor redigida e publicada por Ali Kamel , em agosto de 2007.
Como o leitor pode perceber, o jornalismo de globo baseia-se em hipóteses, ou seja, chutes.
E de fato assim ocorreu nas eleições de 2010 quando um suposto petardo violentísssimo atingiu a cabeça do candidato Serra.
Passados quase sete anos da publicação da grandiosa obra de Kamel, o jornalismo de globo afundou em credibilidade, teve queda sistemática de audiência e redução significativa de vendas de impressos.
A "obra" é motivo de estudos no meio acadêmico, pois trata-se de mais uma hipótese.
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Jornalismo no Brasil: A teoria do “testando hipóteses”
publicado em 12 de março de 2014 às 23:31
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Poderia ser pior: poderia ser de bico
A GRANDE IMPRENSA (A TEORIA DO “TESTANDO HIPÓTESES”)
Recuperado do Viomundo antigo
Atualizado em 24 de Fevereiro de 2010 às 19:15 | Publicado em 24 de Fevereiro de 2010 às 19:12
A grande imprensa
Ali Kamel (*)
em O Globo, 07/08/2007
A grande imprensa está sob ataque. Não do público, que continua
considerando o jornalismo que aqui se produz como algo de extrema
confiabilidade, conforme atestam pesquisas de opinião recentes. Os
ataques vêm de setores autoritários e antidemocráticos, que diante do
noticiário, sentem-se ameaçados. Esses setores consideram que só é
notícia aquilo que, em nenhuma hipótese, atrapalha os seus planos de
poder. Não importa que alguns acontecimentos lhes sejam embaraçosos;
importa que ou não sejam noticiados ou sejam levados ao público de tal
forma que o efeito, para eles, seja positivo ou neutro. Já disse uma
vez: isso não seria jornalismo, mas propaganda.
Evidentemente, em seus ataques eles não deixam transparecer essa
verdade. Tão logo surge um evento que eles consideram desvantajoso,
começam a gritar, dizendo que não é o evento que lhes faz mal, mas a
cobertura da grande imprensa.
Costumam seguir o seguinte padrão: mentem, atribuem à grande imprensa
coisas que ela não fez e denunciam conspirações que não existem. Sempre
num tom indignado, dourando a grita com defesas “apaixonadas” da
liberdade de expressão e do que chamam de democratização da mídia. Um
disfarce. Às vezes, publicam livros, financiados por partidos, com
estudos pseudocientíficos como os que tentam demonstrar que, em 2006, os
jornais penderam pesadamente a favor de Alckmin e contra Lula, no
noticiário eleitoral.
Tais estudos se esquecem apenas de contar que todo o noticiário sobre
o mensalão e outros escândalos foi considerado prova de desequilíbrio
contra Lula. Ora, se é assim, qual seria a alternativa para que o estudo
apontasse equilíbrio? Não noticiar os escândalos? Mas isso sim seria
perder o equilíbrio e a isenção.
É uma tautologia, mas, na atual conjuntura, vale dizer: o jornalismo
só é livre e independente quando não depende de nenhuma fonte exclusiva
de financiamento. Quanto mais variadas forem as fontes de recursos que
sustentam um jornal, uma revista, um portal de internet ou uma emissora
de rádio e televisão, mais livres e independentes serão esses veículos. O
leitor pode fazer o teste. Veja os anunciantes da grande imprensa e
verifique: a variedade é tanta que o veículo não depende, nem de longe,
de ninguém isoladamente para sobreviver. E por isso é livre. E por isso é
independente. O leitor poderá fazer outro teste. Procure algum veículo
que se diga livre e independente e ao mesmo tempo se dedique
costumeiramente a atacar a grande imprensa e a defender este ou qualquer
governo. Veja os anunciantes. Eles são poucos e a concentração, grande.
Quase sempre, será propaganda governamental. Se o veículo for um portal
de internet, verifique quem são os controladores: fundos de pensão de
órgãos do governo.
Portanto, livre mesmo, só a grande imprensa. Só ela tem os meios para
investir em recursos humanos e tecnológicos capazes de torná-la apta a
noticiar os fatos com rapidez, correção, isenção e pluralismo, sem
jamais se preocupar se o que é noticiado vai ser bom ou ruim para este
ou aquele cliente, para este ou aquele governo. A grande imprensa sabe
que o seu compromisso é com o público, que lhe dá a audiência que lhe
traz a publicidade. A grande imprensa sabe que o público exige
informação de qualidade e que não pode ser enganado. O grande público é o
que faz as suas escolhas cotidianas de acordo com o que é melhor para
si, é o mesmo que tem discernimento para votar, para eleger seus
governantes. Consumidores exigentes, grande público e cidadãos
conscientes não são três entidades distintas, mas uma única realidade.
Na cobertura da tragédia da TAM, a grande imprensa se portou como
devia. Não é pitonisa, como não é adivinha, desde o primeiro instante
foi, honestamente, testando hipóteses, montando um quebra-cabeça que
está longe do fim. A nação viveu um descalabro aéreo nos últimos dez
meses? Então é necessário testar qual o impacto dessa desordem no
acidente (e, hoje, ouve-se o ministro da Defesa dizer que a prioridade
não é mais o conforto ou a ausência de filas, mas a segurança, uma
admissão cabal de que, antes não era assim). A pista de Congonhas estava
escorregadia (a ponto de, no dia anterior ao desastre, uma aeronave
deslizar até um canteiro e outra quase se espatifar no fim da pista)?
Então é preciso verificar se a pista foi fundamental no desastre. Chegam
informações de que a manutenção da TAM é falha? Então é preciso saber
como estava o avião acidentado (e descobrir que ele voava com o reverso
pinado). A análise da caixa-preta ficou pronta? Então é preciso tentar
revelar o seu conteúdo e mostrar que uma falha do piloto pode ter sido a
causa do acidente. É a grande imprensa que noticia tudo isso, passo a
passo, tendo apenas em mente informar o grande público, sem pensar no
impacto negativo ou positivo que isso terá para o governo ou para a
companhia aérea.
É assim aqui, é assim em todas as democracias. Quando do furacão
Katrina, a imprensa americana, num continuum, testou muitas hipóteses:
noticiou que aquela era uma tragédia anunciada, mostrou que houve cortes
federais para obras urgentes nos diques que se romperam, denunciou a
inépcia do governo no socorro imediato às vítimas. E a única coisa que o
governo fez foi se defender, com dados e argumentos. O público pôde
julgar quem estava com a razão. Ninguém ouviu de aliados de Bush que a
mídia queria derrubá-lo, provocar o seu impeachment, desestabilizar o
seu governo.
Já aqui, temos de conviver com essas bazófias. Porque aqui, ao
contrário de lá, há quem queira que a informação esteja a reboque de
projetos de poder
Fonte: VI O MUNDO
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