Por Luciano Martins Costa em 23/07/2013 no programa nº 2111 do Observatorio da Imprensa
A maledicência como estratégia
Os jornais desta terça-feira (23) dão amplo espaço para a chegada do papa Francisco ao Rio de Janeiro.
O
discurso de saudação da presidente da República e a palavra do
pontífice são destrinchados em busca de significados ocultos, e há
grande destaque para a atitude serena do chefe da Igreja Católica
durante o trajeto entre o aeroporto e a sede do governo do Rio, quando
uma falha da segurança fez com que sua comitiva ficasse cercada pela
multidão.
As
coberturas se assemelham em quase tudo, mas deixam alguns vazios a
serem preenchidos no relato sobre os protestos que acabaram em violência
e prisões depois da solenidade oficial.
Curiosamente, os jornais paulistas O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo deram mais destaque aos incidentes que o carioca O Globo,
com reportagens de meia página nas quais explicam que os manifestantes
tinham como tema principal a defesa do Estado laico e, como tem ocorrido
nas últimas semanas, carregavam nas críticas ao governador Sérgio
Cabral.
Mas
o leitor só vai formar um quadro mais ou menos coerente se ler os três
principais diários de circulação nacional, com suas colunas de notas
curtas, e observar alguns vídeos produzidos pela rede de jornalismo
alternativo chamada de Mídia Ninja.
O Globo descreve
o momento "exato" em que o tumulto teria eclodido, indicando a ação de
um grupo bem articulado, que obedecia a um comando central: "Os
distúrbios começaram sob as ordens de um manifestante de rosto encoberto
por uma camisa. Ele recebeu um telefonema e ordenou que um grupo de
mais de vinte jovens colocassem máscaras e toucas ninjas e iniciassem o
ataque", descreve o jornal carioca.
Uma nota na Folha torna
pública a acusação de que a violência durante protestos no Rio seria
comandada por milicianos, ex-policiais militares, ligados ao
ex-governador Anthony Garotinho, que estariam agindo de forma organizada
e misturados ao manifestantes.
Nas redes sociais digitais, destaque para registros de ativistas do Mídia Ninja,
que teriam identificado como agente policial o homem que atirou o
primeiro coquetel molotov contra o contingente da PM que protegia o
Palácio Guanabara.
Esse
conjunto de informações poderia ser melhor explorado pelos jornais para
ajudar o leitor a entender o contexto em que se misturam a mensagem de
paz do pontífice a cenas de violência nas ruas.
Incomodando a imprensa
As transmissões abertas do Mídia Ninja mostraram que a manifestação começou no costumeiro tom de bom humor e deboche, como costuma acontecer no Rio.
Mulheres
seminuas encenavam "confissões" de práticas condenadas pela doutrina
católica, casais homossexuais se beijavam em frente a uma igreja,
escandalizando peregrinos, e manifestantes cobravam informações sobre um
morador da favela da Rocinha que está desaparecido desde o dia 14,
quando foi preso e levado a uma delegacia.
Como tem ocorrido há semanas, o grupo de jornalistas independentes é a principal fonte de informações diretas dos protestos.
As
grandes emissoras de televisão, hostilizadas pelos manifestantes, só
conseguem imagens tomadas de helicópteros ou do alto de edifícios, e
eventualmente colocam repórteres no meio da multidão, munidos de
telefones com câmeras, para fazer registros, mas eles têm dificuldade de
descrever as cenas, para não correrem o risco de serem identificados.
O crescimento da audiência do Mídia Ninja,
cujas transmissões são agora acompanhadas nas redações dos jornais,
começa a chamar a atenção de autoridades e da mídia tradicional.
Essa
provavelmente é a razão pela qual, durante os incidentes no Rio, a
polícia estava especialmente interessada em tirá-los de circulação.
Filipe Peçanha e Felipe Assis, membros do núcleo fundador do grupo
alternativo, foram detidos e acusados de incitar a violência.
Interessante
observar como esse fenômeno de comunicação cresce e se consolida sob a
estrutura orgânica das manifestações, transformando-se rapidamente em
uma forma eficiente de mídia, sem editores nem hierarquia visível, ao
ponto de servir de fonte para muitos jornalistas e ser considerada como
uma ameaça pela polícia.
Pode-se notar, também, que sua existência começa a perturbar a mídia tradicional.
No Globo desta terça-feira, um artigo tenta vincular o Mídia Ninja ao
Partido dos Trabalhadores, ao insinuar que a organização que lhe deu
origem, o grupo de ativismo cultural denominado Fora do Eixo, seria
"uma ferramenta de articulação político-partidária".
Quando a imprensa apela para a maledicência, é porque se sente incomodada.
Talvez o fervor religioso de globo e de outras emissoras tenha impedido a velha mídia de fazer uma cobertura sobre os protestos no Rio.
Nada, ou muito pouco, apareceu nas telas das tv's sobre os protestos que faziam referência a um estado laico.
Globo se ocupou em apresentar cenas de entrevistas de algumas pessoas em êxtase com a proximidade do Papa .
Bandeirantes apresentou o repórter que acompanhou a viagem do Papa até o Brasil , com direito a entrega de bandeira do Brasil ao Papa, benção ao repórter e também, pedidos de benção para toda família e amigos do condomínio onde reside.
Haja espaço para tanta breguice.
Nos protestos a cobertura ficou mesmo a cargo da mídia ninja, que flagrou um agente policial infiltrado entre os manifestantes atirando um coquetel molotov e dando início a confusão.
Pessoas foram presas e outras foram feridas, inclusive um jornalista japonês que levou uma pancada de cacetete da polícia na cabeça, de forma injustificável e de extrema violência.
A globo news "informou" que o referido repórter japonês tinha sido atingido por um coquetel molotov lançado por manifestantes, o que foi desmentido pelo próprio jornalista e pelas imagens da mídia Ninja.
Com tantas mentiras, omissões e trapalhadas da velha imprensa, não é de se estranhar que globo acuse a mídia Ninja ( que faz uma cobertura correta) de ser vinculada ao Partido dos Trabalhadores.
Também é sintomático o fato da polícia militar ter detido dois jornalistas da Ninja, apenas pelo fato de estarem informando corretamente.
Em meio a tudo isso, o governo Sergio Cabral emitiu em AI-5 fluminense, onde permite prender e arrebentar todo mundo, além de quebrar sigilos bancários e telefônicos sem autorização judicial.
No meio dessa confusão, globo transmite , ao vivo, a missa do Papa direta do santuário de Aparecida , Datena no seu Brasil Facista Urgente conversa com um Teólogo, mulheres seminuas protestam nas ruas do Rio e molotovs voam pelos ares.
Enquanto a polícia, o estado e a velha imprensa vivem em sua realidade, o povo nas ruas exige e participa de uma nova realidade.